Raphael Oliveira Os olhos do mundo católico se voltam para os possíveis sucessores do Papa Francisco. Entre os nomes mais cotados está o cardeal Mario Grech, de 68 anos, atual secretário-geral do Sínodo dos Bispos e um dos principais responsáveis por um dos projetos mais ambiciosos do atual papado: o processo de sinodalidade.
Nascido em Gozo, uma pequena ilha do arquipélago de Malta, em 20 de fevereiro de 1957, Grech passou boa parte de sua vida pastoral longe dos grandes centros da Igreja. Ainda assim, foi alçado ao centro do Vaticano em 2020, quando Francisco o escolheu para liderar o órgão que escuta, sistematiza e encaminha ao papa as inquietações e propostas das dioceses espalhadas pelos cinco continentes.
Desde então, Grech tornou-se uma figura-chave no movimento de escuta global que sacudiu a Igreja entre 2021 e 2024. O Sínodo sobre a sinodalidade convocou todos os católicos, clérigos e leigos, a compartilharem seus anseios, dúvidas e esperanças em relação ao futuro da instituição. Pela primeira vez, o Vaticano permitiu que mulheres e leigos votassem nas assembleias sinodais. O processo também abriu espaço para debates antes considerados tabus, como o papel das mulheres na hierarquia eclesiástica, a situação dos católicos divorciados e a inclusão de fiéis LGBTQIA+.
O Documento Final, apresentado em outubro de 2024, evitou mudanças drásticas, mas também não fechou as portas para reformas futuras. Em março deste ano, mesmo hospitalizado por pneumonia, Francisco autorizou a extensão do processo sinodal até 2028, decisão que teria partido de uma sugestão de Grech, e que foi interpretada por analistas como uma tentativa do pontífice de blindar suas reformas mesmo após sua saída.
A trajetória de Grech, no entanto, é marcada por uma guinada significativa. Em seus primeiros anos como bispo, era associado a posturas conservadoras. Em 2009, endossou os discursos de Bento XVI sobre a heterossexualidade como padrão moral. Dois anos depois, posicionou-se contra a legalização do divórcio em Malta. Mas, com a chegada de Francisco ao trono de Pedro, o cardeal maltês iniciou uma virada progressista, que surpreendeu até mesmo parte do alto clero.
“Percebo a urgência dessa necessidade ao ouvir famílias de homossexuais e pessoas com essa orientação, feridas por certos textos, como o catecismo”, declarou Grech, já em 2014, durante um encontro no Vaticano.
Em 2017, defendeu que católicos divorciados pudessem receber novamente o sacramento do matrimônio, proposta vista como heresia por alas conservadoras, mas elogiada por setores mais liberais da Igreja.
Ao ser nomeado cardeal, em 2020, refletiu sobre sua trajetória: “Venho de uma paróquia muito pequena, de uma diocese igualmente pequena. Não sei por que, da periferia da Igreja, o papa me chamou. Mas entendo que as pequenas coisas contam, aos olhos de Deus, do Santo Padre e da Igreja.”
Se for escolhido para ocupar o trono de Pedro, Mario Grech pode representar a continuidade do espírito reformista de Francisco, não por rupturas radicais, mas pela disposição de escutar, acolher e caminhar junto com os fiéis. Como o próprio Sínodo que conduz: em comunhão.
O conclave começa nesta quarta-feira (7).
