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Caio Dutra: Por que deixamos Brasília para crescer e por que sempre voltamos?

Saímos porque o mercado nos exige, mas o vínculo com Brasília nos mantém conectados

Brasília, como cidade e como cenário cultural, tem uma característica que é, ao mesmo tempo, fascinante e desafiadora: sua constante reinvenção. Comecei minha trajetória organizando festas no Setor Comercial Sul, um espaço que, após o expediente, tornava-se um território quase abandonado. A ideia era simples e ambiciosa: devolver a cidade para as pessoas, mostrando que mesmo os lugares mais inóspitos podiam se transformar em espaços de cultura e convivência.

Essa experiência foi o que me moldou como produtor cultural e me ensinou que a criatividade nasce da necessidade. No entanto, assim como muitos profissionais que trabalham com cultura em Brasília, percebi que crescer na carreira exigia transpor as fronteiras do Distrito Federal.

A história da roteirista Rafaela Camelo ressoa muito com a minha própria. Nascida e criada em Brasília, Rafaela encontrou na Universidade de Brasília (UnB) uma base sólida, mas percebeu que, para alcançar a especialização necessária no audiovisual, era preciso buscar fora. Em São Paulo, ela encontrou cursos, conexões e oportunidades que Brasília ainda não conseguia oferecer. Contudo, ela nunca deixou de voltar. Rafaela fala com orgulho das raízes e das referências que a cidade deu a ela. E, mais importante, destaca como o cenário de formação e produção cultural local está mudando, ainda que de forma lenta.

Rafaela também aponta uma questão crucial: as oscilações do mercado. Brasília, assim como outras cidades fora do eixo Rio-São Paulo, vive em ondas. Em um mês, pode haver várias produções simultâneas, como aconteceu em outubro do ano passado, quando seis projetos de cinema foram rodados ao mesmo tempo. No mês seguinte, o mercado pode estagnar. Essa irregularidade faz com que muitos profissionais precisem complementar suas formações e carreiras em outras regiões.

O músico Flávio Nardelli, que recentemente lançou um álbum solo, compartilha um desafio semelhante: a necessidade de construir público fora de Brasília. Para ele, sair da cidade para fazer turnês é um investimento alto, tanto financeira quanto emocionalmente. A solução que encontrou foi criar uma base de fãs nas cidades que compõem sua rota, com apoio de plataformas como o Conexão Cultura, um programa de fomento local. Nardelli ressalta, no entanto, que mesmo com todas as dificuldades, os artistas de Brasília são altamente respeitados pelo resto do Brasil. Ele acredita que a formação técnica e a qualidade artística da cidade se destacam, ainda que o mercado local não tenha uma estrutura que permita reverberar esses talentos de forma mais consistente.

Caio Dutra: Por que deixamos Brasília para crescer e por que sempre voltamos?

Foto: Katchiluta

Minha própria jornada ilustra essa dinâmica. Produzir eventos de grande porte para o Ministério dos Povos Indígenas ou participar de um evento como o G1 no Rio de Janeiro são passos importantes, mas que só foram possíveis por causa das lições que aprendi em Brasília. A cidade nos ensina a improvisar, a encontrar soluções criativas, a fazer muito com pouco. Essa mentalidade é valorizada lá fora, mas é aqui que ela nasce.

O que conecta as histórias de Rafaela, Flávio e a minha é a busca por algo maior, mas sempre com um olhar voltado para o território de origem. Nós saímos porque o mercado nos exige isso, porque a concentração de recursos e oportunidades ainda é desigual. No entanto, o vínculo com Brasília nos mantém conectados e nos faz querer voltar, seja para compartilhar o que aprendemos, seja para contribuir com o fortalecimento da nossa cena cultural.

Caio Dutra: Por que deixamos Brasília para crescer e por que sempre voltamos?

Foto: arquivo pessoal

Acredito que o futuro reserva um papel ainda maior para Brasília no mapa da cultura nacional. As iniciativas de fomento, a crescente especialização dos profissionais e o reconhecimento do talento local indicam uma transformação. Mas essa mudança só será sustentável se houver políticas públicas que garantam consistência ao mercado e articulações que conectem artistas, produtores e público.

Sair é importante, mas voltar é essencial. E enquanto Brasília continuar sendo esse terreno fértil de criatividade, sempre haverá motivos para nos reinventarmos e reconstruirmos aqui.

Foto: Cortesia

Foto: Cortesia

*Caio Dutra cursou Engenharia de Produção na UnB, mas acabou parando na área cultural de Brasília por conta de sua intensa paixão pela capital. Encontrou o seu propósito através do No Setor, projeto que busca a revitalização do Setor Comercial Sul. Por aqui, Caio pretende mostrar o que há de mais criativo e especial no nosso quadradinho.

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