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Brasília: A vida real de um sonho feliz de cidade

Existe uma certa dificuldade em se entender o **desenvolvimento** das cidades. O que causa a degradação de uma área? O que causa o desenvolvimento de outras? O que é uma cidade ótima para seus moradores?

A cidade contemporânea deve **respeitar e promover o coletivo**, em especial a **qualidade de vida** de sua população através de algumas ações: possibilitar a boa **mobilidade urbana**, promover a qualidade dos espaços públicos, respeitar a **acessibilidade** universal e incentivar a **diversidade** social, entre outras coisas.

Em relação aos itens acima, vale pinçar e pensar em um especificamente: as cidades brasileiras, hoje, têm em comum a falta de foco na construção e qualificação dos espaços públicos.

Estes espaços, por definição, deveriam ser **democráticos**; na verdade hoje apresentam outro perfil. São sítios que não traduzem o direito universal e irrestrito do cidadão à cidade, ou seja, a equidade de tratamento, o direito amplo à moradia e consequentemente o fortalecimento da noção de cidadania, a oferta de trabalho, e as boas condições de deslocamento.

![Foto: Daniel Costa/Unsplash](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/daniel_costa_w_M8_Jvqyv_Yrg_unsplash_7dcaa07abc.jpg)

No caso específico do **Distrito Federal**, vários estudos já foram e vêm sendo feitos, por diferentes pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, sobre os problemas da urbanização, da exclusão, da violência, da degradação ambiental, da segregação socioespacial, da baixa apropriação do espaço público.

Não se vê com muita frequência no cotidiano do Plano Piloto, exceto algumas ressalvas, a construção de um **senso de comunidade** aplicado ao cuidado coletivo dos espaços públicos, a promoção de núcleos de convívio e de espaços públicos permanentes para **trocas e convívio social**, em locais apropriados e bem cuidados para atividades comunitárias.

Lugares que promovam **eventos culturais**, parques e jardins adaptados para recreação com manutenção apropriada e constante e acessibilidade universal para os mais vulneráveis. Quanto disso se deve ao desenho urbano, e quanto disso se deve à falta de apropriação do espaço pelo morador e quanto se deve a uma lacuna nas políticas de gestão pública?

Vale lembrar que Brasília foi uma cidade planejada dentro dos preceitos modernistas do documento chamado de **Carta de Atenas**, de 1933. O projeto do Plano Piloto, de 1957, refletia os princípios modernistas de maneira fidedigna – o zoneamento das atividades, grandes blocos afastados, banhados pelo sol e bem ventilados, a cidade cruzada por grandes vias, priorizando o transporte individual motorizado.

![Foto: Vitor Monthay/Unsplash](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/vitor_monthay_2e_W_Dz6_Hvv_Co_unsplash_e8b4260539.jpg)

O pedestre era ator secundário no fluxo de deslocamento da cidade. **Lucio Costa**, em seu memorial descritivo do projeto cita que _“Não se pode esquecer que o automóvel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconciliável do homem, domesticou-se, e já faz, por assim dizer, parte da família”_.

Brasília não foi o primeiro nem o mais abrangente exemplo de aplicação das regras do modernismo no planejamento urbano, mas é a única cidade moderna a ser considerada **Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco** (1987), o que comprova sua importância. Imaginemos um monumento preservado, que reúne, em um só corpo, _“a cidade-parque, a cidade-capital e a cidade-espaço do homem integral”_. (Lídia Botelho. 2009, p.89-90).

Nossa cidade-patrimônio envelhece. Mas como envelhece e de que carece? A própria paisagem adotada pelo projeto modernista hoje conta com espaços abandonados, não acessíveis, com ocupação rarefeita e restrita. O tombamento do Plano Piloto de Brasília é um aparato legal que funciona para o bem e para o mal. A abrangência dos parâmetros de tombamento, sobre uma enorme área urbana que adquiriu diferentes características em relação ao seu zoneamento ao longo do tempo, dificulta a adoção na totalidade de um conjunto de orientações e por vezes deixa de entender que a cidade é uma estrutura em **constante mutação**.

Pensando em uma ótica mais estreita: ao caminharmos na Asa Sul, reconhecemos várias áreas públicas, praças e jardins, que são ativos existentes na cidade, mas que não tem seu **potencial** explorado. Se, em sua criação, Brasília se batiza como uma cidade-jardim, e os espaços deveriam ser livres porque são de todos, temos que analisa-los compreendendo e absorvendo a noção do “espírito do lugar”, _genius loci_, que só pode ser registrado através da percepção sensível no momento da sua análise. Cada lugar, além de ser único, é permanentemente mutável; de acordo com a hora do dia, com a estação do ano, com as pessoas que ali estão e com a própria visão do observador.

Sendo assim, por que não promover um processo participativo para que os segmentos que gerenciam o patrimônio e todos os que vivem na cidade tombada se pronunciem quanto a sua percepção e seu ponto de vista e assim entendam melhor quais seriam as ações necessárias para que a cidade seja pulsante e instigante, cheia de vitalidade, como Lucio Costa descreveu em seu Relatório do Plano Piloto? Isso pode e deve ser feito através de pequenas ações que não ferem o Decreto de Tombamento, ações pontuais e locais, equilibrando a tensão entre o que se deve manter e o que se pode transformar, sem prejuízo coletivo.

A nós cabe a **reflexão, a análise** e o **sonho com um futuro melhor**. Voltando ao passado, resgatando o sonho, o otimismo, a aventura, e olhando para o futuro. Vamos sonhar, então: sonhar com uma abordagem multifacetada para o planejamento urbano, com a gestão participativa dos espaços públicos.

![Foto: Marisa Cornelsen/Unsplash](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/marisa_cornelsen_T9_Cj_GF_5t3ps_unsplash_14e65be9e5.jpg)

Vamos sonhar com a ampliação das possibilidades da nossa cidade, para que nos volte a disposição para utilizar o nosso potencial urbano de maneira a **construir e fortalecer as comunidades locais**, interagindo em espaços públicos que promovam a saúde, a felicidade e o bem-estar das pessoas.

Vamos sonhar com calçadas largas, amplas, niveladas, iluminação pública apropriada, sistemas de transporte utilizando energia limpa, e jardins nas superquadras e entrequadras bem cuidados.

Vamos sonhar com a diversidade urbana e a densidade urbana; os comércios locais ativos e vibrantes, abrigando diferentes atividades econômicas e funcionando em horários variados; sonhar com espaços inclusivos.

Vamos resgatar nossa vontade de preencher as lacunas do tecido urbano, com inteligência e criatividade, e utilizar essas grandes áreas residuais do Plano Piloto, abrindo os parques para a comunidade de maneira ecologicamente equilibrada, construindo espaços lúdicos, educacionais, e com estrutura para esportes, eventos, celebrações e reuniões.

Vamos sonhar com nossa cidade futura, pensada de maneira sensata e justa, para que todos possam se apropriar dos espaços públicos de maneira criativa, sustentável e respeitosa. O sentimento do pertencimento. A cidade das pessoas, para as pessoas, cuidada pelas pessoas.

Duda Almeida

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