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Bisneto de Oscar Niemeyer, Paulo Sérgio traz a Brasília o Fórum Niemeyer

Nas primeiras duas edições, o Fórum foi realizado em São Paulo e Rio de Janeiro
Fotos: Vanessa Castro

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*Matéria escrita por Eric Zambon

Na infância e em parte da vida adulta, Paulo Sérgio via o bisavô receber figuras ilustres do Brasil e do mundo na casa que compartilhavam, no Rio de Janeiro. Eram conversas animadas, às vezes bem longas, que descambavam para uma miríade de assuntos. Arquitetura, arte, filosofia, cosmologia, política… Simplesmente não havia limites. Muitas vezes, era ele próprio quem participava dessas reuniões, o que permanece ainda hoje em sua memória e o inspira diariamente. Seu bisavô, que em vários momentos ele chama apenas de vô, era Oscar Niemeyer.

Seguindo o legado da família, Paulo Sérgio, agora com 54 anos, também é arquiteto e artista visual. Das várias conversas com o parente ilustre surgiu a inspiração de reproduzir aqueles instantes em escala maior. Ele criou, assim, o Fórum Mundial Niemeyer, que está em sua 3ª edição e, em 2024, é realizado em Brasília. Sob o tema A revolução Pós – Desafios e Metas para um Mundo Sustentável, o evento reúne profissionais de diversos campos de atuação e de cinco países para debater o futuro sob o prisma da arquitetura e urbanismo.

O sobrenome famoso da família no título do fórum, porém, não significa que as discussões se restringem a obras específicas. A visão de mundo do grande arquiteto e as ideias que ele propagava são apenas o ponto de partida. “Não falo só de Niemeyer. Ele é o mote porque era um homem global. Um diplomata mesmo sem ser um de fato. Ele contemplava a união de vários países e pessoas e o fórum dá continuidade a esse legado, lembrando também os encontros que tínhamos no escritório dele”, explica.

 

Um planeta melhor

Na frieza da descrição de um dicionário, sustentabilidade significa: capacidade de criar meios para suprir as necessidades básicas do presente sem que isso afete as gerações futuras, normalmente se relaciona com ações econômicas, sociais, culturais e ambientais. No calor de uma abordagem prática para aplicar esse conceito a uma cidade, ou mesmo a um bairro, Paulo Sérgio acredita que a aplicação passa pela diminuição das desigualdades sociais. “Enquanto não abordarmos o viés socioeconômico, não resolveremos nada”, opina.

 Na visão dele, isso tem atingido também classes sociais mais altas e, com cidades cada vez mais amontoadas e com menos opções gratuitas a todos, feito muita gente fugir dos grandes centros. Nesse ponto, discussões sobre Internet das Coisas (IoT) e Cidades Inteligentes, que em tese prenunciam conectividade total em serviços públicos e amplo acesso à internet, tornam-se menores diante da realidade.

 Mesmo Brasília, que completa 64 anos desde a inauguração, não é um modelo ideal. Na visão do herdeiro do arquiteto da cidade, a capital não é justa ainda e, segundo ele, “pede socorro”. “Ao usar transporte por aqui, é preciso usar carro. Brasília ficou, como as outras cidades grandes, subjugada pelos mesmos grandes problemas das outras metrópoles. Vi muitos engarrafamentos em vários locais da cidade recentemente”, cita. 

 Ele conta que Oscar Niemeyer, dois anos antes de falecer, aos 102 anos, cismou em pensar em uma solução de mobilidade para a capital. Paulo Sergio e o bisavô debateram o assunto e começaram a desenhar uma proposta, mas ele morreu antes de concluí-la. “Ele queria um veículo de transporte de massa no Eixo Monumental, que fizesse o fluxo do trânsito fluir melhor e reduzisse a quantidade de veículos”, revela.

 

Socioeconomia e arquitetura

A interação com outros países é fundamental para a resolução de alguns desses problemas, mas Paulo Sérgio lembra que toda solução pode acabar gerando problemas mais complexos, então a necessidade de avaliação é constante. O arquiteto cita como exemplo Amsterdã, na Holanda, também conhecida como a capital das bicicletas. O carro não é um problema tão grande por lá, mas a bicicleta se popularizou a um ponto que, de tanta quantidade, pessoas estão jogando as suas até nos rios. O mesmo aconteceu na China, que tentou atacar problemas como a poluição e os engarrafamentos com o mesmo modo de transporte, e agora lida com galpões entulhados de bicicletas descartadas.

“A rigor, já deveríamos discutir a implantação de trens de transporte em massa, como no Japão. Mas o Brasil não consegue implementar o trem, e o que existe costuma ser entregue para a iniciativa privada. Temos que interagir mais com outros países e aprender conceitos mais interessantes. Nós privatizamos nossos transportes sem nenhuma crítica. Só que as empresas visam lucro, não investimento. São todos temas do fórum e que precisam ser endereçados”, conclui. 

A ideia é não apenas abordar esses desafios, mas também propor respostas práticas. Ao fim do evento, os organizadores vão elaborar a chamada Carta Niemeyer, com um protocolo de intenções da sociedade civil, autoridades governamentais e profissionais do ramo da habitação, para ser entregue à Organização das Nações Unidas (ONU).

 Nas primeiras duas edições, o Fórum foi realizado em São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2024, também se celebra o Ano Niemeyer e destaca Brasília como exemplo de inventividade e maestria de Oscar, classificando a capital como laboratório de pensamento urbanístico e arquitetônico.

O último projeto de Niemeyer foi um templo para a Arquidiocese de Belo Horizonte (MG). A chamada Catedral Cristo Rei foi desenhada em 2006 e está em construção desde 2013, com previsão de finalização da obra para 2025. 

 Niemeyer participou de mais de 600 obras ao longo dos 104 anos de vida, incluindo a sede da ONU, em Nova York, nos Estados Unidos.