Ao analisar aspectos do Arcabouço Fiscal apresentado pelo Ministério da Fazenda em conjunto com o Ministério do Planejamento, aponto para as insuficiências da proposta, mas reconheço limites políticos para assegurar governabilidade junto ao Congresso Nacional de perfil mais reacionário. Somente a força popular, movida pelo interesse nacional, emprego e renda, será capaz de mudar essa correlação de forças pró-mercado financeiro do Congresso Nacional.
Esse Arcabouço Fiscal é melhor ou pior do que a Regra do Teto de Gastos de emenda constitucional 95, do ex-presidente Michel Temer e mantido por Jair Bolsonaro? De maneira objetiva, sim. Foi um avanço limitado e tímido, em pelo menos dois aspectos:
1) colocou uma banda, uma flexibilização de 2,5% e, portanto, não está congelado como a emenda 95;
2) atrelou um mínimo de 6% de aumento independente na despesa e colocou a questão do aumento da despesa em relação o aumento de receita na ordem de 70%. Essas mudanças se dão já num prisma menos ortodoxo da economia.
Um senão importante no modelo desenhado, e não explicado convicentemente, é como conseguir aumentar a receita sem o aumento de impostos.
Outra dúvida é se seria realmente necessário apenas reformular a emenda 95 e tornar o teto de inflexível para flexível, ou o necessário era acabar de vez com essa política fiscal austera, que nos coloca cada vez mais no “austeríscidio fiscal”?
Com absoluta certeza é acabar com essa busca desenfreada por metas austeras, com cortes de investimentos, de aposentadoria e de políticas sociais, produzidas por “cabeças de planilhas” que são financistas frios e não se importam com o País e que, no fim, mata nosso desenvolvimento econômico e o nosso povo. Estes cortes eu costumo chamar de “Austerícido Fiscal”. Seria o ideal. Mas teríamos correlação de força política para retirar de vez? Tenho convicção que sim. O povo, os trabalhadores e os empresários do Brasil não aguentam mais esse modelo econômico de juros altos, e esperam do governo Lula 3.0 que isso acabe.
Lula se elegeu com uma ampla aliança política e com interesses e visões distintas. Dentro dessas contradições internas do governo nasceu esse novo Arcabouço Fiscal. A meu ver, foi um plano ainda inclinado aos interesses do mercado, pois o próprio mercado tinha dado sinais que esperava mais tempo para alcançar o nível de superavit fiscal, e o governo apresentou que em dois anos estarão com o superavit, atendendo em muito os interesses do setor financeiro. O que pode mudar nessa equação de contradições internas são os resultados políticos.
O Governo Federal precisa entregar algo de concreto para o povo e cumprir suas promessas de campanha. Lula tem que se atentar que, para além da frente ampla política, contou com o apoio dos eleitores e do povo em geral, que esperam a volta dos investimentos e políticas públicas e dos empregos. Isso só ocorrera com a queda da política monetária austera do BC de juros altos e do fim do freio da política fiscal (teto) com superavit fiscal, para que tenhamos mais investimentos. Se em curto e médio prazo o povo perder as esperanças e começar a cobrar o Governo, este terá que fazer uma reflexão com quem quer governar e mudar de rumo.
Lula terá que optar entre o POVO ou MERCADO, pois nesse momento de reconstrução nacional pós-pandêmico e de um governo devastador e entreguista como o passado, essas bandas flexíveis do Haddad serão um entrave. A política fiscal tem que ser anticíclica, ou seja, expansionista. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico (contracionista). Há um piso os investimentos, mas ainda é pouco. No próprio material de divulgação do Ministério da Fazenda, o percentual do PIB em relação aos investimentos, o governo federal empata com os investimentos dos municípios, 0,89% em 2010.
Outro ponto importante será a disputa interna por recursos dentro das pautas sociais dentro do orçamento público desse modelo proposto, com o máximo que a despesa pode crescer entre um ano e outro é 2,5%. Esta será a despesa total da União, só que no gasto total da União estão os gastos previdenciários. Então, para respeitar o teto da banda, os outros itens da despesa deverão crescer menos. E quais são os outros itens? Há dois que são fundamentais: despesa com o funcionalismo público e investimento. Em um processo de retomada, essas rubricas não deveriam ser limitadas, tão pouco, conflitantes entre si para serem escolhidas entre uma ou outra.
O modelo que o povo mais anseia é do desenvolvimento econômico com inclusão social. Para isso, os investimentos e políticas públicas deveriam estar fora dessas amarras fora do teto, e o BC deveria estar com o Estado para remar na mesma direção.
Sabidamente o Congresso Nacional eleito em 2022 é ainda mais reacionário do que anterior. É possível que a proposta do governo seja alterada para pior, ampliando os prejuízos aos trabalhadores e cidadãos contribuintes? Sim. Esse mesmo Congresso ficou a favor do povo contra as loucuras do Bolsonaro/Guedes, e aumentou o auxílio emergencial, derrubaou a PEC 32 e aprovou o piso da enfermagem. Portanto, há quem aposte que o governo apresentou aumento de 70% das despesas com relação da receita para que haja esse debate e negociação no parlamento. Terão as bancadas dos bancos querendo reduzir para 60% e outras bancadas a favor do povo, querendo aumentar para 80%. Neste caso, continuo apostando na opinião pública e nos movimentos populares para garantir os avanços e desequilibrar as forças políticas que são pró-sistema financeiro.
Uma auditora cidadã da dívida pública permanece sendo negligenciada nessas discussões, mesmo com essa dívida abocanhando mais de 50% do orçamento da União anualmente. A política neoliberal preconiza sempre a redução das despesas fiscais (investimentos e políticas públicas) e tamanho do Estado, mas não está preocupada com as despesas públicas nominais, que são os gastos com os juros, pois favorecem os bancos e rentistas. Portanto, auditar esses gastos nunca esteve na pauta. Seria muito importante a auditoria da dívida, para ver as contas da ditadura, e de outros governos que estão neste bolo, que podem estar até quitadas, mas ainda estamos pagando. Mudaremos essa situação se realmente quisermos como sociedade apurar esses dados.
O presidente Lula segue fazendo frequentes críticas à taxa de juros praticada no País. Com toda a certeza, temos que apoiá-lo. Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não havia teto, no Lula 1 e 2, também não. A despesa pública no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado do superavit primário era alto e a dívida caiu.
Não estamos com impressão desenfreada de moeda e as contas públicas não estão desequilibradas, só ver que a nossa relação dívida/PIB está no patamar de 76%, países desenvolvidos estão em mais de 100% e países do mesmo patamar econômico do Brasil estão em 80% a 90% . Portanto, não são essas coisas que aumentam a inflação. Nada justifica os juros pornográficos que estamos vivendo no Brasil.
A postura de Lula coloca o tema em pauta. E o povo acaba buscando o entendimento que o BC independente não é necessário para o Brasil. Enquanto Roberto Campos Neto estiver à frente do BC, o arcabouço do Governo não causará impactos para uma forte redução da taxa de juros, e os planos do Palácio do Planalto não serão implementados.
É importante que o movimento social, principalmente o sindical, do Brasil assuma a vanguarda na luta pela redução da taxa de juros, pois isso representa mais emprego e mais cidadania. A primeira sugestão ao movimento sindical é a unidade pelo certo. E o certo, agora, é que o governo consiga garantir cidadania, emprego e democracia ao nosso País. Deixar as divergências de lado e estarem engajadas no principal, e para que não se tenha a volta do retrocesso.
Para isso, o foco tem que ser na defesa da política econômica do crescimento econômico e geração de emprego e renda. O sistema confederativo e as centrais têm que ir as ruas unidas defendendo a queda dos juros. Puxando a pauta para o meio da sociedade e do povo, contribuindo na defesa das empresas nacionais e dando força ao esforço de Lula, fazendo com que o Congresso e o BC mudem o tom da música a favor do Brasil.
*A opinião dos especialistas não reflete necessariamente a linha editorial do GPS