Aflorada por incentivo dos pais, exímios admiradores da arte que incluem o filho em visitas a museus desde a primeira infância, a sensibilidade do brasiliense Augusto Corrêa resplandece em telas permeadas por bolinhas multicoloridas que compõem universos únicos.
Nascido no ano 2000, o portador de Síndrome de Down jamais deixou-se definir pelo cromossomo a mais que integra o seu corpo. Pelo contrário. Está à frente de exposições, bem como de loja homônima onde empresta a sua arte para comercialização de produtos. Um jovem rompendo barreiras ao passo em que monetiza a aptidão para pintura.
Augusto tomou gosto pelo desenho aos sete anos. À época, rodeava-se de canetinhas e dava início a uma jornada de criação até então pouco compreendida pelos tutores. “Era uma preocupação, até que simplesmente entendemos que essa era a história dele. A fim de incentivá-lo, o matriculamos em uma escola para artistas”, compartilham Jack Corrêa e Tatiana Mares Guia.
Os pais dão sequência à viagem no tempo. “Ele desenhou bolinhas em nanquim, aquarela, óleo… mas rapidamente voltou para suas infindáveis canetinhas”, rememoram. As canetas foram o instrumento de trabalho escolhido pelo jovem, nas palavras do casal, “especialmente pela forma seca e objetiva do traço”.
Além de pintar, o brasiliense expressa a latente veia artística por meio da música: ele toca violão com maestria. Para desestressar, ainda pratica judô. Confirmando que obtém sucesso em tudo o que ama e se propõe a fazer, Augusto conquistou até a faixa preta no esporte, algo raro para portadores da síndrome.
Arte e expressão
Embora seja incapaz de delimitar as fronteiras do talento de Corrêa e de onde as telas dele podem chegar, a condição dificulta a fala do artista. Dedicação para evoluir paulatinamente e apoio para tal, entretanto, sobram. “A rotina do meu filho não é simples. Ele malha, estuda, faz atividades extras e trabalha. Tem muitos compromissos — e o queremos mesmo ativo”, frisa Tatiana, mãe também de Guilherme.
Conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 300 mil pessoas são diagnosticadas com Síndrome de Down no Brasil e, portanto, lidam com desafios semelhantes aos do jovem. Ter exemplos como ele brilhando nas mais diversas áreas, além de uma inspiração, é um acalento para tantas famílias.
Pintura íntima
O processo criativo de Augusto Corrêa e suas infinitas bolinhas, tracejadas sempre na cor preta, é bastante particular. Não atreva-se a tentar decifrar os métodos e as intenções do fã de Van Gogh e Monet. Concentre-se apenas em apreciar a jornada lúdica que ele propõe.
Em meio às bolinhas, há quem veja formas semelhantes à vela de um barco ou até mesmo à silhueta de Jesus Cristo. O brasiliense sugere, mas não revela. Deixa a criação da narrativa das obras para o espectador.
O trabalho de Augusto, vale ressaltar, cativou muitos admiradores nos últimos anos, entre eles, artistas já consagrados na capital federal, a exemplo de Celso Junior. O fotógrafo assinou a curadoria de Universo de Augusto Corrêa, uma das exposições do jovem criador, em março deste ano.
“O Augusto é apaixonante. Fiquei admirado com a força e o vigor das obras dele. Quando o conheci, entendi tudo. Primeiramente, Augusto é puro amor. É um amor transmissível. Ele vibra, é intenso, tem foco e muita personalidade, exatamente como os seus desenhos”, enaltece Celso. “Ele é do mundo, e sabe disso”, incrementa. A mostra com curadoria do fotógrafo teve como cenário o Espaço Cultural Athos Bulcão, na Câmara Legislativa, e catapultou o alcance dos traços de Corrêa.
Planos lúdicos
Ao monetizar as peças, trabalho encarado como verdadeiro ofício, o brasiliense pretende pôr em prática objetivos tão lúdicos como as obras que produz. O principal é comprar um castelo na Disney para, enfim, selar a união com a namorada de longa data, Mariana.
O universo encantado de Walt Disney é uma das maiores inspirações do jovem, de acordo com a mãe. “Tão logo finaliza os afazeres diários, ele entra no quarto, liga filminhos, aconchega-se na mesa de trabalho com papel e canetinhas e, se deixar, não para”, relata. A revelação não gera estranheza. Afinal, desde que o mundo é mundo, grandes mentes inspiram outras.
*Matéria escrita por Bruna Nardelli para a Revista GPS 37