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As semanas de moda estão ficando chatas… ou será que os chatos somos nós?

Democráticas? Sim. Empolgantes? Nem tanto. Em meio ao frisson fashion do mês de setembro, a coluna reflete sobre a relevância das temporadas de moda no cenário atual

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Ah, as semanas de moda internacionais… profundo poço de glamour, inovação, gente importante fazendo coisa importantíssima. Salões reclusos aonde o burburinho sopra no ouvido de poucos, seletos. Coisa da galera exclusiva, que com muito talento (e contato) conseguiu chegar no topo — e com uma taça de champagne na mão, é claro.

Dentro do inconsciente coletivo ainda habita a ideia de que as fashion weeks são o impenetrável Olimpo da moda. Porém, as mais recentes temporadas têm desvendado uma nova e diferente faceta do evento: mais democrático, sim — mas em todo o resto… é menos.

Menos interessante, menos exclusiva, menos decisiva para o mercado. Menos empolgante, menos orgânica, menos vivida e mais clicada. Internet a dentro, os attendees têm pontuado a falta de ‘alma’ do encontro, que hoje em dia se sustenta sobre momentos virais, posts pagos e looks sem sal.

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Após seu debut na NYFW, a influencer californiana Lexie Jayy correu ao TikTok, plataforma na qual acumula mais de 129 mil seguidores, para relatar seu choque de expectativas: “Mesmo estando num ambiente lotado, é uma experiência muito solitária”

 

Há pouco encerrada, a irmã nova-iorquina do espetáculo ministrado pela CFDA sempre foi a businesswoman da família. Enquanto Milão (que está começando a se desenrolar por agora) é a filha prodígio, Nova York tem como o foco o princípio da venda. Comercial, capitalista… lógico, mas estamos falando da Big Apple: atitude e irreverência também se servem no menu do Carbone. Mas será que a atitude é autêntica quando todo mundo age igual?

O desfile de Elena Velez é exemplo disso: o ‘mesmo’ que quer ser ‘diferente’. Severamente criticada na web, a apresentação da grife homônima levou uma guerra de lama ao descolado bairro de Bushwick. Mascarando uma linha por muitos descrita como “cansada” e, francamente, sem graça (aos meus olhos, uma releitura ‘suja’ de Simon Jacquemus), a peça pregada tinha seu próprio embasamento teórico — desaprovar da maneira ‘polida’ como as mulheres são ensinadas a se comportar em sociedade —, porém tudo que se leu foi desespero.

Desespero de chocar, de fazer headline. De mesmo se não for possível finalizar a venda, conquistar, ao menos, o clique. Ou isso, ou nossos paladares se habituaram tanto ao choque que qualquer arte menos que transformadora é indigesta, e de tão bem-sucedida em ‘vitrinar’ o consumo norte-americano, a NYFW caiu num buraco criado pelo próprio triunfo.

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 Jogo sujo: após o catwalk final, modelos se engalfinharam numa tórrida mud fight

 

A popularização dessa muleta, um fenômeno que começou com Coperni e, quiçá, termina aqui, é reflexo de uma conjuntura muito maior: nossa carência por grandes gênios da moda.

Sejamos sinceros agora. Quem foi o grande último iconoclasta a mudar o Zeitgeist e introduzir uma nova percepção de vestir? O último Karl para Chanel, Galliano para Dior. Vivienne Westwood se foi, Marc Bohan também… new faces causam boas impressões todos os dias (Thom Browne, aposto minhas fichas em você!), mas depois que Demna Gvasalia e Kanye West se tornaram personas non gratas, parece que a bússola da moda perdeu seu ponteiro.

São muito poucos os que querem exercer seu dever à criatividade — sim, dever! Pois uma vez que o ser-humano se coloca em posição de criador, ele tem a responsabilidade de cultivar suas criaturas —, mas são tantos aqueles que dão início a uma história incrível, e que tão rápido se deixam perder junto com as vendas. Temos a artesania e a tecnologia, temos os tecidos e as práticas. Temos fome de conhecimento e descoberta, de criar práticas mais sustentáveis, de reescrever a história — como se não houvesse tanta história para ser escrita ainda. Quando foi que ‘reinventar o antigo’ substituiu ‘criar o novo’?

Em seu artigo The Age of Average (A Era do Mundano, em tradução livre), o autor Alex Murrell, Diretor de Estratégias da empresa de design britânica Epoch, destaca as razões pelas quais do design à fotografia, da arquitetura às artes plásticas, o produto criativo se encontra num eterno ciclo de ‘mais do mesmo’.

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Da construção urbana ao design de interiores, passando pelo design automobilístico e até posteres de filme, a peça de Murrell reúne números exemplos da homogeneização da arte na cultura popular

 

De acordo com o autor, parte da ‘culpa’ dessa ocorrência recai sobre a popularização dos conhecidos ‘grupos de pesquisa’, hoje substituídos por complexos algoritmos e programas de captação de dados.

Logo no início do texto, o Alex cita uma pesquisa realizada pela agência de marketing Marttila & Kiley Inc, encomendada por dois artistas russos em 1990. Ao todo, mais de 1000 estadunidenses foram entrevistados a respeito de suas preferências em pinturas: de quais cores gostavam mais, quais temas, estilos, formas… tudo foi abordado e catalogado para, ao fim, produzir a peça que mais se adequasse às principais respostas. O processo foi repetido então em uma série de outros países, e o resultado é de levantar as sobrancelhas.

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Quadros produzidos a partir da pesquisa realizada pela Marttila & Kiley Inc

Paisagens azuis com temáticas naturais e símbolos orgânicos no perímetro: do Quênia à França, indivíduos com as mais específicas e diferenciadas vivências e culturas se encontraram debaixo do mesmo guarda-chuva de prediletismos. Curioso, sim. Assustador, também. No fim das contas, buscamos todos as mesmas coisas? E mais que isso: seria essa uma revelação reconfortante de pertencimento ou um triste lembrete de que a globalização matou a individualidade?

Tudo é uma releitura de uma releitura de uma releitura, ou como Tyler Durdan descreveu no distópico Clube da Luta, “uma cópia de uma cópia de uma cópia”. Tendências se repetem por anos a fio na passarela, recicladas, mas nunca reimaginadas. Com tanta novidade a se viver e tanta fronteira a se cruzar, aonde estão os navegadores, os capitães, os destemidos piratas? Copiando. Ou talvez reclamando, como eu mesma me coloco em culpa de fazer.

Aqueles que levantaram as forcadas na ‘revolução da inclusão’ são os mesmos que lamentam a ‘supersaturação’ no mercado de moda e influência. Querem “todo o tipo de gente” na festa, mas o confundem com “toda a gente” — e quando o encontro fica lotado, ninguém tem mais vontade de ir. Os chatos, no fim de tudo, somos nós.