Artistas brasilienses ganham cada vez mais espaço em eventos de grande porte, e a terceira edição do Festival Meskla, realizado neste sábado (17) na Arena BRB Mané Garrincha, reforça esse movimento. Para Thiago Reis, diretor de criação do Grupo R2, o Meskla é mais do que um festival, é um palco para vozes muitas vezes ignoradas.
“A cultura urbana retrata a vivência de um povo muitas vezes marginalizado. Criar um festival com essa temática sem gerar oportunidades e visibilidade para as pessoas que defendem essa cultura na sua vivência diária seria criar um festival sem alma”, comenta Thiago.
O GPS|Brasília conversou com as artistas independentes Negraflow, Isa Marques e DJ Negritah para entender os desafios de trabalhar com música, as trajetórias e a importância de eventos como o Meskla para a cena urbana do DF.

Foto: Vinícius Adorno
Nascida no Gama, Nara Soares, de 32 anos, é uma artista que surgiu na pandemia, como muitas outras. Vinda da periferia da Rua da Morte, localizada no Itapoã, Nara sempre foi influenciada pelos versos de grandes nomes do rap, gênero musical com o qual se identifica desde criança. “O rap já existia dentro de mim. Quando eu resolvi cantar, ele só se expandiu”, comenta.
Tendo o nome artístico Negraflow, iniciou a carreira em 2022 ao lançar a música O Sistema. “Nesse meu primeiro hit eu já decidi fazer o clipe inspirado nas minhas vivências falando sobre a pandemia. Trouxe muito engajamento na época e foi quando comecei tudo”, conta a artista sobre como iniciou a carreira.
Entre as principais conquistas, Negraflow destaca momentos como dividir palco com grandes nomes do rap, um ambiente que ainda é muito masculino. “Venho quebrando barreiras e já dividi palco com o Lio do Liberdade Condicional, Hungria, Jane que é ex Atitude Feminina, Wty, que é produtor e cantor, dono de grandes hits. Dentro da minha trajetória isso foi muito importante, porque eleva a minha música, e eu, como artista, me sinto muito feliz e lisonjeada”, comenta.
Entre outras conquistas, Nara destaca dois troféus ganhos em São Paulo, o Arte e Movimento e o Revelação do Rap Feminino de 2024 da Rádio Black Sampa. Já em relação aos principais desafios, a artista destaca a dificuldade em ser vista. “Quando a gente é visto a gente tem muita coisa pra mostrar, muito rap, muita sagacidade e muita rima. A gente só precisa ser visto”, afirma.
Nara considera iniciativas como a do Meskla importantes, pois dão espaço para artistas locais mostrarem o seu trabalho e terem visibilidade. Para a apresentação, ela preparou um show onde vai apresentar seu novo álbum intitulado Luxúria. “Ele já está disponível em todas as plataformas. Promete muito, tem bastante potência nos versos, na letra, e tem uma riqueza periférica dentro das minhas vivências. Acho que o pessoal vai se surpreender”, compartilha animada.
“Meu show tem muita alegria e muita verdade. Quero que as pessoas gostem da minha música, esse álbum foi muito bem trabalhado, bem potencializado, tem um sentimento de verdade. É a minha história, minha arte dentro de um show. Estou ansiosa e espero que o público goste muito”, complementa.
Entre os planos para o futuro, Negraflow afirma que segue firme no propósito de ampliar sua voz e alcançar novos públicos. “Meu projeto atual é o Luxúria, mas também tenho um clipe chamado Notas, que estou fazendo o pré-save e vou soltar ao longo dos próximos meses. Além disso, já estou escrevendo um novo álbum. A Negraflow nunca para”, diz a artista, que destaca a importância de ocupar espaços historicamente negados às mulheres negras e periféricas. “Deus que me colocou aqui nessa trajetória pra que eu realizasse todos os meus sonhos, e com muito compromisso e determinação eu vou continuar levando meus versos e minha música”.

Foto: Lucas Fernandes
Moradora da região administrativa de Sobradinho, Isabella Marques, de 21 anos, começou sua jornada musical ainda na infância, quando se encantou pelas rimas nos livros de poesia da mãe e se interessou por uma violão guardado em casa. “Aprendi a tocar sozinha, utilizando trilhas sonoras de desenhos animados como Bob Esponja. Em 2020, criei um canal no YouTube para postar covers de músicas, como Várias Queixas dos Gilsons. As primeiras apresentações ao vivo ocorreram em aniversários, escolas e feiras, onde percebi a importância de me conectar com o público”, compartilha sobre como começou.
A virada na carreira de Isa Marques veio quando ela percebeu que poderia criar suas próprias letras, melodias e arranjos. Em 2021, a artista lançou seu primeiro álbum de forma independente, um marco que consolidou seu estilo e reafirmou suas raízes. “A cena cultural de Brasília, especialmente em regiões como Sobradinho e Cruzeiro Velho, me influenciou profundamente. A convivência com artistas que tenho profunda admiração, como Aqualtune, Margaridas, Noze, Pratanes, Abilio e Akhihuna, me permitiu expandir minhas referências e incorporar elementos da cultura local em minha música”, destaca.
Entre os principais desafios, Isa destaca a timidez inicial e a falta de visibilidade para artistas locais. “Conquistei espaço ao me manter fiel às minhas raízes e ao meu estilo, mesclando hip-hop com black music e outros gêneros como funk, jazz, R&B e afrobeats. Minha autenticidade e presença de palco me permitiram conectar com o público e conquistar reconhecimento na cena musical do DF”, celebra a artista.
A presença no Festival Meskla marca um momento especial na trajetória de Isa Marques, que promete entregar um show repleto de autenticidade e força. “O público pode esperar uma apresentação energética e autêntica, com uma mistura de hip-hop, black music e outros gêneros que refletem minha trajetória e influências”, adianta.
A artista também revela que está preparando uma surpresa especial, uma homenagem à cultura local, com direção assinada por Valéria Assunção. “Ela se superou, nunca vi algo assim”, destaca Isa, que afirma ainda o desejo de transmitir uma mensagem de empoderamento, autenticidade e conexão. “Quero que o público se sinta inspirado a ser fiel a si mesmo e a celebrar sua identidade, independentemente das adversidades”, compartilha.
Dividir o palco com Duquesa, a primeira mulher negra a ser headliner do festival, é outro motivo de celebração. “Estou particularmente feliz de estar nessa edição do Festival Meskla, pois vou dividir palco com uma artista que sou extremamente fã”, afirma. Enquanto trabalha em novas músicas e planeja colaborações com artistas de diferentes regiões, Isa segue determinada a expandir seu alcance. “Minha carreira é um reflexo da minha busca constante por expressar minha verdade e conectar-me com o público de forma genuína”, resume.

Foto: Bruno Cavalcanti
Apaixonada por música desde a infância, Débora Souza, de 25 anos, transformou sua paixão em profissão e deu vida à DJ Negritah. Vinda do Sol Nascente, ela descobriu as pickups quase por acaso, após algumas aulas com um amigo DJ. “Duas semanas depois, toquei no meu primeiro rolezinho. Foi uma sensação maravilhosa, fiquei entusiasmada e certa de que era aquilo que eu queria pra minha vida”, relembra. Determinada a se profissionalizar, ela investiu em um curso completo, onde aprendeu a dominar o som na teoria e na prática e nunca mais parou.
“Comecei a tocar em barzinhos LGBT durante um bom tempo, e no mais, meu set era formado por pop e funk. Sempre amei todos os ritmos, mas a minha maior paixão é e sempre foi o hip hop, afrobeat, funk e estilos underground. Comecei a treinar esses estilos em casa e tive um convite do meu primeiro evento, o Underbaile, que foi uma porta de entrada muito grande pra minha carreira e sou grata demais, depois dele veio o Makossa e outros grandes eventos”, compartilha a DJ sobre o início da carreira e primeiras oportunidades.
Entre os principais desafios da carreira Negritah destaca a falta de confiança em si mesma e encontrar oportunidades de mostrar o trabalho para as pessoas certas e conseguir uma oportunidade. “Aprender a superar a falta de reconhecimento, oportunidades, lidar com as críticas, que também são importantes para o nosso processo de desenvolvimento”, são alguns dos pontos destacados pela artista.
Para DJ Negritah, a maior conquista não está apenas no palco, mas na conexão que estabelece com o público. “A energia incrível que eles transmitem quando estou tocando é algo especial”, diz. Entre momentos marcantes, ela celebra ter dividido a cabine com DJs que sempre foram suas referências e ter se apresentado em eventos icônicos. “Agora, estar no line-up ao lado dos maiores artistas nacionais e locais é a maior das conquistas”, comemora.
Para a apresentação da artista no Meskla, o público pode esperar muito hip hop, rap dos anos 2000 até a atualidade. “Quero passar muitas emoções através do meu set e fazer essa noite ser memorável para cada um, quero entregar muitas energias boas, muitos passinhos e tem surpresas”, comenta Negrita.
Com o olhar voltado para o futuro, DJ Negritah planeja expandir sua atuação na cena musical. “Depois do festival, quero começar na carreira de produção musical, que também é um dos meus sonhos”, revela. A artista sonha em ocupar palcos maiores e levar seu som para outros estados, mantendo o foco na persistência que a trouxe até aqui. “Eu nunca desisti do meu sonho como DJ. Apesar dos obstáculos, estou sempre enfrentando o medo de errar e o medo de seguir”, afirma a artista.