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Artigo: Em breve, eles -nós- seremos a maioria. Será que estamos preparados?

No texto sobre envelhecimento, acadêmico Cleiton Fernandes questiona como o País se prepara para os cuidados com a população idosa
Cleiton Fernandes | Foto: Thyago Arruda
Cleiton Fernandes | Foto: Thyago Arruda

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Por Cleiton Fernandes*

No mês de outubro, dentre tantos assuntos concorrentes e importantes, encontramos um espaço exclusivo para reconhecer e valorizar as pessoas que consideramos mais experientes. É no dia 1º do mês dez que os Países celebram o dia Internacional das Pessoas Idosas.

O Brasil se perfilou as demais nações promulgando também em 1º de outubro a Lei n. 10.741/2003, instituindo o Estatuto da Pessoa Idosa. Firmando ainda mais a data no calendário oficial, em 2006, por meio da Lei 11.433/2006, o Governo Federal definiu o mesmo dia 1º de outubro como o Dia Nacional da Pessoa Idosa.

Então, o jovem estatuto brasileiro chega aos vinte anos de vigência, mas, a sua importância anota idades com sessenta anos ou mais, conforme assegurado já no primeiro parágrafo da Lei. Normas, datas, eventos, seminários, tudo isso importa, tudo isso se complementa, mas, a realidade que observamos não condiz com a celebração que se avizinha.

A idade e o envelhecimento da população, quando focados pelo prisma dos números e das estatísticas, impressionam. No Brasil, segundo informações divulgadas pelo IBGE, pessoas consideradas idosas, acima de 60 anos, já representam 15,1% da população, algo próximo a 31milhões de brasileiros (as). Com base na mesma fonte de dados temos uma perspectiva que em 2050 esse número chegará a 30%, praticamente dobrando o contingente de pessoas nessa faixa etária para 60 milhões, fazendo com que a população de idosos seja superior à de crianças e jovens com até 15 anos de idade.

São diversos os fatores que identificam o crescimento da população idosa: maior acesso aos meios de informação, implementação de programas de longevidade, busca pelo envelhecimento ativo e saudável, aumento da expectativa de vida, dentre outros. Há também outros fatores que contribuem para mudança do perfil etário brasileiro, a taxa de natalidade é um bom exemplo. Em trilha contrária, os números relativos aos registros de nascimento vêm experimentando baixas seguidas nas últimas décadas. Partimos de um percentual correspondente a seis filhos por família nos anos 60 para um índice atual de menos de dois filhos.

Ao tomar ciência dos números que envolvem a pauta, temos a impressão que a conhecida metáfora “a vida passa correndo” não é só uma questão da língua portuguesa, é uma realidade. Em breve, muitos que hoje estão lendo este texto chegarão aos sessenta anos, outros, já estão ou passaram desta importante faixa etária. Porém, observamos que as políticas públicas e a própria sociedade, quando o assunto é envelhecimento da população, não “corre” na mesma velocidade que a vida, pelo contrário, permanecem muito lentos, quase inertes.

Riscos e realidades que os idosos enfrentam diariamente

Violência e preconceito são substantivos que remetem a um significado abjeto, desprezível e que não permitem qualquer flexibilização. A violência doméstica contra pessoas idosas impressiona. Simples busca na rede mundial de computadores expressa números que não merecem ser repedidos, tamanha indignação que nos causa. 

Casos de filhos que abandonam seus pais a própria sorte e outros que “esquecem propositalmente” seus familiares idosos em instituições de acolhimento são, infelizmente, recorrentes nas discussões de grupos que trabalham com direitos humanos. Há situações lamentáveis em que famílias “condenam” seus idosos ao esquecimento em leitos hospitalares, ignorando até mesmo a de condição de alta médica, negando ao idoso o direito a um tratamento digno e humanizado junto a sua família.

Não menos preocupante, a violência/violação financeira é da mesma forma um ataque repugnante. Idosos que por desconhecimento, simplicidade intelectual ou falta de opção, confiam a terceiros e muitas vezes a familiares próximos, suas credenciais bancárias, se tornam vítimas de apropriações indevidas de suas aposentadorias e outros pertences. Importar mencionar que o infrator além de cometer crimes alcançados pela Lei 10.741/2003, também estará sujeito as reprimendas estabelecidas pelo Código Penal.]

No mesmo contexto, organizações criminosas têm se especializado em difundir golpes contra as pessoas consideradas mais vulneráveis. Neste grupo de pessoas é bastante comum a existência de vítimas consideradas idosas.

Proteção, dignidade e respeito são medidas que se impõe para com as pessoas idosas, sendo este conjunto obrigações coletivas, cabendo ao Estado o dever de fazer valer os direitos e repreender quem os descumprir.
Etarismo e preconceito

Embora não seja um problema que alcance somente pessoas com sessenta anos ou mais, o Etarismo é um fenômeno que lamentavelmente tem aumentado e vem causando preocupação. Com a multiexposição nas redes sociais, muitas pessoas se sentiram à vontade para expressar suas ideias, mostrar suas facetas e outros predicados, entretanto, observa-se que nesta arena, considerada moderna e digital, pessoas com mais idade não são bem aceitas, sendo por vezes objeto de desprezo e preconceitos externados com comentários agressivos e desnecessários.

Mesmo antes das redes sociais, embora ainda a expressão Etarismo não fosse tão difundida, o preconceito e o desrespeito com pessoas mais velhas sempre foram um tabu na sociedade. Relatos de pessoas com mais idade que foram discriminadas e precisaram vencer o preconceito dentro das escolas/ universidades e mesmo na disputa por uma vaga de emprego sempre fizeram parte do cotidiano social, tornando-se ainda mais sério quando o desrespeito é direcionado aos que tem sessenta anos ou mais.

A frase popular “nunca é tarde para recomeçar”, na cabeça dos preconceituosos, não passa de um cliché. É sobre mudar esta cultura que precisamos refletir cada vez mais, antes que seja literalmente tarde para começar.

Previdência e Políticas públicas

Com o avanço etário da população e o número de pessoas idosas crescendo exponencialmente, os eixos das políticas públicas no País precisam urgentemente de ser repensados.

No funcionalismo público já existem categorias que o número de servidores inativos supera o número de ativos. Com base neste exemplo é simples imaginar o déficit previdenciário desses regimes, onde a minoria não terá como custear uma maioria que foi para inatividade exercendo seus legítimos direitos de aposentadoria.

Em relação ao Regime Geral da Previdência, segundo informações disponibilizadas no site do Senado Federal, o Projeto de Lei Orçamentária de 2023 (PLN 32/2022) enviado ao Congresso pelo Poder Executivo asseverou um rombo de R$ 267,2 bilhões . Devido as movimentações naturais que o envelhecimento da população remete à pirâmide das idades, a situação de aposentados e pensionistas no contexto geral da previdência, certamente se aproxima do colapso.

Políticas públicas com o fito de equilibrar o modelo previdenciário são necessárias e urgentes, sendo que o grande desafio para os próximos anos será equacionar o déficit na previdência levando em consideração os avanços etários da população e ao mesmo tempo respeitando os direitos fundamentais do cidadão, sem deixar de observar a dignidade da pessoa humana no seu direito a aposentadoria.

O tema é denso, comporta análises sobre todo e qualquer ângulo, seriam necessárias diversas laudas para reduzir a termo tudo que se pretende falar sobre a pessoa idosa, seus direitos e sua importância. Contudo, preferimos focar no respeito, nos direitos fundamentais e na dignidade.

A legislação direcionada a pessoal idosa no Brasil é considera abrangente, possibilita a rede de órgãos voltados a pauta ter um bom arcabouço jurídico para trabalhar e defender os direitos desses cidadãos. Há garantias estabelecidas pelo Constituição Federal; em legislações infraconstitucionais e principalmente no mencionado Estatuto da Pessoa Idosa – Lei n. 10.741/2003, que em outubro completará vinte anos de vigência.

Dito isso, com base nos dados apresentados, retomamos a pergunta inaugural deste arrazoado: com uma população idosa onde mais da metade deste contingente recebe até dois salários mínimos mensais e, com isso, parcela significativa permanece informalmente no mercado de trabalho a fim de complementar a renda familiar; onde 80% desta mesma população com idade de 60 anos ou mais é encaminhada para usar os serviços do Sistema Único de Saúde , pois os planos privados têm valores que sozinhos ultrapassam os mencionados dois salários mínimos; considerando que as projeções indicam que brevemente seremos maioria: será mesmo que estamos aptos a enfrentar estes desafios que se avizinham?

O Brasil tem condições de oferecer aos idosos um país com aposentadorias dignas, onde as pessoas possam chegar ao final de suas jornadas laborais de forma ativa, saudáveis e felizes? Então: estamos mesmo preparados?

Para responder estas questões, precisamos reavaliar nossas políticas públicas, revisitar nossas ideias e todos, absolutamente todos, termos em mente que um dia, se tudo correr bem, faremos parte de um honrado e digno grupo de pessoas idosas.

*Mestrado profissional em Administração Pública, em andamento Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP 2023/2024); possui graduação em Ciências Jurídicas (Direito) formado pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB 2020); graduado em Estudos Sociais com habilitação/licenciatura plena em História e Geografia, pela União Pioneira de Integração Social UPIS (1994); Especialista/Pós-Graduado em Política e Representação Parlamentar pelo CEFOR (2013), Centro de Formação da Câmara dos Deputados; Especialista/Pós-Graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas FGV (2004); curso de Direito Ambiental pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios MPDFT, 120 h/a, (2001). Servidor público do quadro permanente do Governo do Distrito Federal, com ingresso por meio de concurso público em 1994 na área de Gestão Fazendária da Secretaria de Estado de Fazenda.