No mês passado, um fato lamentável e muito triste ocorreu em uma escola em Praia Grande, São Paulo. Um jovem de 13 anos faleceu após sofrer agressões físicas. O pai afirma que ele era vítima frequente de bullying de outros colegas de classe e já tinha sido agredido em outras oportunidades dentro da escola estadual. Segundo o pai do jovem, o filho chegou a relatar que era vítima de bullying e quando isso acontecia, ele comparecia à escola para contar aos professores e a direção o que estava passando com seu filho. No entanto, segundo a família do rapaz, a escola menosprezou suas queixas e nenhuma atitude foi tomada por parte da direção.
Casos como esse nos fazem refletir sobre até que ponto brincadeiras que parecem inofensivas podem escalar e levar até a morte de um jovem. O bullying é uma violência que afeta milhões de crianças e adolescentes diariamente em todo o mundo. Estas práticas têm um impacto significativo na saúde mental desses jovens, além das óbvias implicações sociais, emocionais e físicas, a curto, médio e longo prazo.
A curto prazo, as vítimas de bullying muitas vezes experimentam uma série de sintomas emocionais, incluindo tristeza constante, irritabilidade, agressividade e sentimentos de autodestruição e vingança. Esses sintomas podem impactar diretamente a autoestima, causar ansiedade, medo e interferência nos relacionamentos interpessoais. Como resultado, as vítimas de bullying podem desenvolver dificuldades no relacionamento com seus colegas, familiares e amigos, além de apresentarem mudanças no apetite e outras questões.
Se o bullying persistir, os efeitos podem ir se agravando ainda mais. E aí podem entram em cena a depressão, transtornos de ansiedade e até mesmo pensamentos suicidas. A falta de apoio e intervenção adequada pode levar a um ciclo vicioso, podendo agravar os problemas e a capacidade da vítima de lidar com o bullying diminui. Além do mais, os efeitos do bullying podem se prolongar até a idade adulta, podendo acarretar dificuldades em estabelecer relacionamentos saudáveis, manter empregos estáveis e alcançar seu pleno potencial na vida adulta.
Os números são alarmantes. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança indicam que 38% das escolas afirmam enfrentar problemas com bullying. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou uma pesquisa que apurou que entre estudantes do sexo masculino, principalmente adolescentes entre 13 e 17 anos, subiu de 32% para 35,4% entre 2009 e 2019. Já entre as mulheres, o percentual cresceu de 28,8% para 45,1%, no mesmo período.
Diante desse cenário preocupante, é importante que os pais e responsáveis estejam atentos aos sinais de que seus filhos podem estar sofrendo bullying. Alguns sinais comuns incluem evitar a escola, sentir-se mal antes de sair de casa ou durante o período das aulas, baixo desempenho escolar, falta de interesse nos estudos, pedir para trocar de escola com frequência, voltar para casa com roupas ou livros danificados, mudanças extremas de humor, isolamento social, aparecimento de hematomas e feridas inexplicáveis e choro frequente.
É muito comum que crianças e adolescentes que estejam sofrendo bullying não contem para os pais sobre a situação. Por isso, é importante que pais, educadores e escolas estejam atentos às alterações comportamentais apresentadas pelos filhos/alunos.
Se você suspeitar que seu filho ou filha está sofrendo bullying, é importante agir rapidamente. Converse com eles abertamente sobre o assunto, ofereça apoio emocional e procure a escola para relatar o problema. Converse com os responsáveis pela instituição e os professores para que medidas possam ser tomadas. Se necessário, procure a ajuda de um psiquiatra.
Há também casos em que os jovens que praticam o bullying reproduzem em ambientes escolares e sociais comportamentos aprendidos em casa. O ambiente doméstico influencia diretamente na formação das atitudes e valores das crianças e adolescentes. Portanto, é essencial que os pais e responsáveis eduquem seus filhos enfatizando que o respeito e a empatia são valores não negociáveis e que sua liberdade termina onde começa a liberdade dos outros.
Os pais devem estar atentos a comportamentos como atitudes agressivas e hostis em relação a familiares e amigos, linguagem corporal intimidadora e arrogante, aquisição repentina de dinheiro ou objetos, além de observar se os jovens estão apresentando comportamentos mentirosos ou dissimulados, como a criação de perfis anônimos ou falsos na internet para agredir os outros.
Pais e professores podem conversar com as crianças e adolescentes sobre o impacto negativo do bullying, como essas práticas causam sofrimento em outras pessoas e quais são as consequências claras desse comportamento inadequado. Além disso, deve-se investigar questões subjacentes que podem estar contribuindo para esse tipo de comportamento.
É igualmente importante educar os jovens sobre como se defender do bullying. Oriente-os a reportar imediatamente qualquer incidente aos professores ou profissionais da escola.
Enfatize que a violência nunca é uma solução. Em ambos os casos, para aqueles que sofrem bullying e para aqueles que praticam bullying, é muito importante buscar assistência psiquiátrica.
Em janeiro deste ano, tivemos uma conquista importante na luta contra o bullying e o cyberbullying no Brasil com a sanção da Lei 14.811/24, de autoria do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). Esta legislação representa um passo significativo na proteção das vítimas e na responsabilização dos agressores, ao incluir esses crimes no Código Penal brasileiro.
A inclusão do bullying e cyberbullying no código penal não apenas reconhece a gravidade desses comportamentos, mas também abre caminho para uma mudança estrutural na abordagem dessas questões. Agora, agressores podem ser devidamente responsabilizados perante a lei, o que pode servir como um forte impedimento para aqueles inclinados a praticar tais atos.
Além da punição dos agressores, a lei também incentiva a implementação de medidas educativas para prevenir casos futuros de bullying e cyberbullying. O envolvimento das escolas, responsáveis, psicólogos e psiquiatras é fundamental nesse processo.
No entanto, a eficácia dependerá da implementação efetiva de políticas de prevenção e intervenção, bem como do comprometimento de toda a sociedade em promover um ambiente mais seguro e inclusivo para todos. Um trabalho multidisciplinar é essencial para criar um ambiente escolar seguro e acolhedor, onde os estudantes sintam confiança para relatar casos de bullying sem medo de retaliação.
A Associação Brasileira de Psiquiatria criou uma cartilha com o objetivo de esclarecer, alertar e combater o bullying em sala de aula. Para conferir o material, clique aqui.
Combater o bullying requer uma abordagem multidisciplinar que envolve a conscientização, ação e apoio mútuo entre pais, escola e comunidade. Juntos, podemos criar um ambiente onde todas as crianças e adolescentes se sintam seguros e respeitados.
*Dr. Antônio Geraldo da Silva é médico psiquiatra, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo. É Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo”, da Campanha ABP/CFM Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.