Antonio Veronese: À guisa de explicação

Artista explica sua relação com a arte por meio de frases de impacto ditas ao longo de três décadas de carreira

Como pintor, sou confrontado frequentemente por perguntas que, esperava eu, pudessem ser respondidas por minha própria pintura. Mas há aqueles que, intrigados diante das minhas figuras expressionistas, querem mais saber e, muito insistentemente, perguntam sobre a relação da minha pintura com o mundo que me cerca. E ela é visceral!

Durante 35 anos de carreira, 22 deles fora do Brasil, fiz 80 e uma exposições individuais em dez países diferentes, sempre tentando fazer da pintura um instrumento de reação à brutalidade do mundo contemporâneo.

Sendo assim, tentando fornecer repostas a essas perguntas frequentes, “pesquei”, em diversas entrevistas que dei durante as últimas três décadas e meia, frases que podem facilitar, aos menos sensíveis aos urros de minha pintura, a compreensão da minha indignação.

Antonio Veronese: À guisa de explicação

Frases pinçadas de entrevistas de Antonio Veronese:

  • O Parlamento brasileiro deveria substituir o tratamento de “Vossa Excelência” pelo de “Senhor Representante do Povo”. Como diz Bertrand Russel, solenidade é, na maioria das vezes, somente um disfarce para a impostura. (O Globo, 1997);
  • No Brasil, a indiferença com os artistas é endêmica como a saúva… (Marilia Gabriela);
  • Na cidade de Tom Jobim comete-se, ante a passividade crônica de nossas elites, a estupidez de versar dinheiro do contribuinte no estímulo ao funk… (O Globo, 2018);
  • “Rio que mora no mar, sorrio pro meu Rio que tem no seu mar, lindas flores que nascem morenas em jardins de sal”… Voilá uma panfletagem estética definitiva do Rio de Janeiro, com um vanguardismo de Demoiselles d’Avingon e a leveza d’um móbile de Calder. (Saudade de um Rio que Já não Há, 2007);

Antonio Veronese: À guisa de explicação

  • A nossa elite é a pior das catástrofes naturais…;
  • A crítica de Caetano a Lula é o arroto de uma elite enfastiada…;
  • … a nossa elitezinha sai de um concerto de Rostropovitch convencida que é capaz de fazer melhor… (JB, 2002);
  • … pior do que a dengue é a sertanejictite… (Antonio Veronese);
  • Dizem que o povo gosta de porcaria. Gosta nada!! O povo não tem é escolha, porque não tem acesso à cultura, porque não tem elementos de comparação, porque só conhece a canja-de-galinha-fria da nossa televisãozinha chinfrim… (O Globo, 1992);
  • Hoje é duro ligar a televisão e ver sempre a mesma porcaria multifacetada em funk, pagode ou, o que é ainda pior, nesse romantismo neo-sertanejo de três compassos e rimas de infinitivo. Li que a dupla Sandy e Junior gasta cinco milhões de reais somente em divulgação. Pois acredito que, se divulgados nas mesmas proporções, Cartola e Carlos Cachaça venderiam mais do que esses pós-caipiras que, para a infelicidade geral da harmonia, confirmam o ditado que diz que “filho de peixe, peixinho é”. (TVE, 1996);

Antonio Veronese: À guisa de explicação

  • O primeiro mundo, que não é bobo, mama copiosamente nas tetas generosas da nossa bossa-nova: Henry Salvador, Lisa Ekdahl, Stacey Kent, Diana Krall, Madeleine Peyroux, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Oscar Petersson, Dizzy Gillespie…Enquanto isso no Brasil o povo “engole” esse insosso sertanejo… (2008);
  • No Brasil, talento, como em nenhum outro país do mundo, é indigerível por parte da imprensa que se acocora devorada por inveja intestina. Crítica mesquinha que pune o talento, essa ousadia imperdoável de alçar os cornos acima da manada. O consolo que me resta é que a História acaba por desinteressar-se desses espasmos de estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Heitor Villa-Lobos? Ao talento, no entanto, está reservada a reverência da eternidade;
  • Se estendidas à Câmara Federal, as blitz policiais aumentariam significativamente o número de flagrantes… (Mideart Paris);
  • No Brasil, talento, como em nenhum outro país do mundo, é indigerível por parte da imprensa que se acocora devorada por inveja intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de Pavarotti de ruído de pia entupida, a música de Tom Jobim de americanizada, João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista… (JB, 1994);
  • Mataram o menino por causa de uma embalagem de pão de forma. Três tiros pelas costas, e o bichinho ali, de cara no chão, agarrado ao “panis-nosso-de-cada-dia”;

Antonio Veronese: À guisa de explicação

  • O salário semanal de uma criança na colheita do sisal equivale a 1/6 da produção diária de uma cabra. E eu me pergunto: na mais chula das políticas sociais, não dá pra dar uma cabrita a cada família que tem um filho no sisal? (JB, 1998);
  • Vejo o menino encharcado de chuva, curumim perdido na madrugada do Rio. Dá vontade de pegar no colo, mas o olhar do bichinho já queima de ódio. (O Globo, 1998);
  • Eu dou mil razões prô moleque abandonar o tráfico… Mas aí vem o chefe da boca e dobra a minha oferta no ato! (Meninos Infratores);
  • Não advogo impunidade, pois sei que parte desses meninos sofre tal septicemia moral que deve ser afastada da sociedade. Mas o que dói é constatar que a imensa maioria deles poderia ser salva mas, apesar disso, está sendo jogada no lixo. ([Meninos Infratores);
  • Nossa imagem hedonista do país de samba e futebol é um clichê herdado dos filmes da Atlântida. Hoje estamos transformados em uma sociedade de extrema perversidade. (Exposição Tensão no Rio, 1990);
  • Tom dizia que “a melhor saída prô Brasil era o Galeão”… O problema é conseguir atravessar a linha Vermelha… (Rio, 1992);
  • O traçado da linha Vermelha é um tapa na cara de Brizola nas elites que viajam. (Rio, 1990);
  • Quando digo aos franceses que o metrô do Rio não passa no aeroporto doméstico, nem no internacional, nem na rodoviária e nem no porto, eles me olham como se eu fosse completamente louco;

Antonio Veronese: À guisa de explicação

  • A eleição desse “garotinho” aqui no Rio de Janeiro é a prova de que, ao provincianismo, nem o Rio mais escapa…;
  • O Rio perdeu a embocadura. Quando vejo os vestidinhos da governadora (Rosinha) sinto uma saudade danada de Nara Leão;
  • A polícia carioca em greve aproveita ao combate à corrupção… (O Globo, 1990);
  • Os dez maiores salários da televisão brasileira são pagos a mercadores de lixo cultural. (Jornal da Tarde, 2002);
  • Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã burguesia… (Exposição Tensão no Rio, 1990);
  • A elite pensante do Rio, hoje, cabe em uma plateia do Canecão. (JB, 1991);
  • O ataque que sofreu a senhora Leila Schuster à saída do Fashion Rio é a dramaturgia perfeita do drama carioca. Por obra do acaso cruzaram-se, em uma esquina do Rio, o glamour inacessível de uma elite de privilegiados com a barbárie nossa de cada dia. Infelizmente, mais uma vez, a tragédia dessa conflagrada convivência não será suficiente para romper os grilhões da nossa atávica passividade. (O Globo, 2007)
Antonio Veronese: Arte conceitual em pauta na Rádio França Internacional
*Antonio Veronese, pintor ítalo-brasileiro, é autor de obras como Tensão no Campo ( Congresso Nacional); Just Kids (UNICEF), Famine (FAO, Roma) e Save the Children (símbolo dos cinquenta anos das Nações Unidas). Com oitenta exposições individuais em nove diferentes países, Veronese é considerado pela crítica francesa como “um dos dez pintores vivos que já deixaram seus rastros na história da Arte”.

QUER MAIS?

INSCREVA-SE PARA RECEBER AS NOTÍCIAS DO GPS BRASÍLIA!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

GPS Brasília é um portal de notícias completo, com cobertura dos assuntos mais relevantes, reportagens especiais, entrevistas exclusivas e interação com a audiência e com uma atenção especial para os interesses de Brasília.

Edição 43

@2024 – Todos os direitos reservados.

Site por: Código 1 TI