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Antonio Geraldo: Transtornos Psicossomáticos; quando o corpo fala pela mente

Tensões emocionais profundas podem se transformar em manifestações físicas reais e persistentes

Há dores que não se explicam em exames, apertos que não cabem no peito, e sintomas que, mesmo sem causa aparente, se impõem como verdade. O corpo, esse grande guardião da nossa história, muitas vezes se encarrega de traduzir o que a mente não conseguiu nomear. Em determinados momentos da vida, tensões emocionais profundas podem se transformar em manifestações físicas reais e persistentes. É como se o corpo falasse por nós, quando as palavras já não bastam. Assim se revelam os chamados transtornos psicossomáticos, em que sentimentos represados ou conflitos silenciosos tomam forma em dores, desconfortos e sinais que pedem escuta.

Não à toa, o nosso vocabulário está repleto de expressões simbólicas que traduzem essas experiências. Dizemos que o coração está partido, que sentimos borboletas no estômago ou que algo nos atingiu “na pele”. Essas imagens têm raízes em vivências concretas. Quem nunca experimentou um aperto no estômago antes de uma apresentação importante, ou uma tensão que se instala no pescoço diante de uma preocupação que persiste? Quedas de cabelo após choques emocionais, alterações intestinais em tempos de incerteza, ou doenças como a psoríase que pioram com o estresse são apenas alguns exemplos de como o corpo responde, de forma precisa e sensível, às emoções vividas com intensidade.

Quem convive com transtornos psicossomáticos muitas vezes percorre um trajeto longo e exaustivo até compreender o que está acontecendo. Passa por diferentes especialistas, faz inúmeros exames e investigações, e mesmo assim os resultados não explicam o que sente. Os sintomas são diversos, como dores crônicas, aperto no peito, tonturas, dificuldades respiratórias ou alterações intestinais, e, em geral, não correspondem a nenhuma alteração física detectável. Essa ausência de resposta pode gerar frustração, descrédito e até vergonha, ampliando ainda mais o mal-estar de quem já está em busca de alívio.

É fundamental entender que esses sintomas são absolutamente reais. A dor existe, o incômodo é verdadeiro, e os prejuízos que isso causa no dia a dia são concretos. O que muda é a origem, que está nas emoções não digeridas, nas pressões acumuladas, nos conflitos que, ao não encontrarem espaço para serem processados, acabam sendo vividos pelo corpo. Emoções como ansiedade, tristeza, culpa ou raiva podem acionar mecanismos físicos tão intensos que, repetidos e prolongados, se organizam como um transtorno. O corpo se torna, então, o lugar onde aquilo que não foi elaborado tenta encontrar uma forma de expressão.

Nesses casos, o papel do psiquiatra é essencial. É ele quem, com escuta qualificada e olhar clínico, pode distinguir se os sintomas se originam de condições médicas, de outros quadros emocionais como a ansiedade ou a depressão, ou se fazem parte do que chamamos de transtorno psicossomático. Além disso, é preciso avaliar o contexto mais amplo do paciente, considerando seu histórico, estilo de vida, rede de apoio e os padrões de pensamento e comportamento que podem estar envolvidos na manutenção desses sintomas.

Segundo os critérios do DSM-5, o diagnóstico do transtorno psicossomático requer que o paciente apresente ao menos um sintoma físico persistente, que gere impacto significativo em sua vida ou sofrimento, acompanhado de pensamentos excessivos sobre a gravidade do que sente, uma preocupação intensa com a própria saúde e muito tempo dedicado a essa preocupação, durante seis meses ou mais. Trata-se de uma condição complexa, que demanda cuidado contínuo, escuta empática e tratamento individualizado.

As estimativas mostram que entre 5% e 7% da população geral pode apresentar esse tipo de transtorno. Entre aqueles que vivem episódios agudos de sintomas físicos sem explicação médica, até 25% acabam desenvolvendo um quadro crônico. Embora possa aparecer em qualquer momento da vida, sua prevalência é maior entre mulheres jovens, principalmente entre os 20 e 30 anos. Ainda assim, há boas perspectivas: cerca de metade dos casos mais leves evolui com melhora espontânea, principalmente quando há apoio adequado e mudanças no estilo de vida.

A abordagem terapêutica mais recomendada é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que ajuda o paciente a compreender a relação entre seus pensamentos, emoções e reações físicas. Essa forma de tratamento possibilita, com o tempo, o desenvolvimento de estratégias para lidar com aquilo que o afeta, promovendo mais autonomia, consciência e qualidade de vida. O foco não está apenas em fazer desaparecer os sintomas, mas em reorganizar a vida como um todo, favorecendo uma relação mais acolhedora consigo mesmo.

Paralelamente à psicoterapia, é fundamental cuidar do corpo como parte desse processo. Alimentação equilibrada, sono reparador, atividade física regular e espaços de descanso e prazer são elementos fundamentais nessa construção de equilíbrio. Cuidar de si, nesse contexto, não é um luxo, mas uma forma de restaurar a integridade entre sentir e viver. Quando o corpo expressa aquilo que a palavra ainda não deu conta de dizer, é preciso aprender a escutá-lo com delicadeza, atenção e responsabilidade.

Se você, ou alguém próximo, tem vivido esse tipo de desconforto, saiba que há caminhos possíveis. O corpo não exagera, não inventa, não dramatiza. Ele tenta comunicar. E quando a mente silencia, o corpo sussurra, depois grita. Ouvi-lo é um gesto de coragem e de cuidado. Como diz o provérbio oriental, “aquilo que a alma cala, o corpo grita”. Talvez não haja tradução mais precisa para essa verdade. Ouvir o corpo é, muitas vezes, o primeiro passo para finalmente compreender a si mesmo.

 

*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.

Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.

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