Quem nunca deixou para depois um trabalho importante, a leitura de um artigo para a faculdade ou uma tarefa simples como dobrar as roupas? A procrastinação é o ato de adiar atividades relevantes, mesmo sabendo que isso pode trazer consequências. Embora comum, esse comportamento pode causar prejuízos significativos quando se repete com frequência, afetando diretamente o bem-estar emocional e o funcionamento diário.
Em muitos casos, procrastinamos por medo de falhar, por insegurança ou porque determinada tarefa nos parece difícil ou desconfortável. O cérebro, naturalmente inclinado a buscar recompensas imediatas, tende a preferir atividades mais prazerosas no curto prazo, como acessar redes sociais, do que se dedicar a algo que exige esforço e só trará benefício mais adiante. Essa tendência não indica necessariamente preguiça, mas sim um padrão cognitivo que pode se intensificar dependendo das circunstâncias emocionais e mentais de cada pessoa.
Quando esse adiamento se torna habitual, surgem sentimentos de acúmulo e de cobrança interna. A sensação de que há sempre algo pendente pode gerar frustração, angústia e, com o tempo, ansiedade. Em situações assim, o sofrimento costuma ser ampliado, pois quanto mais evitamos as tarefas, mais nos sentimos mal por isso. E quanto mais mal-estar, maior a tendência de adiar novamente, criando um ciclo difícil de romper.
A saúde mental pode ser profundamente impactada por esse comportamento. A mente entra em um estado de sobrecarga constante diante de prazos não cumpridos, decisões adiadas e autocobrança crescente. Diversos estudos apontam que pessoas com padrão crônico de procrastinação apresentam níveis elevados de estresse, além de maior propensão a sintomas ansiosos e depressivos.
A procrastinação frequente pode estar associada a transtornos mentais como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), quadros depressivos e transtornos ansiosos. No TDAH, é comum haver dificuldade de planejamento, organização e manutenção da atenção, o que favorece o adiamento recorrente. Já na depressão, a redução de energia psíquica e da motivação torna difícil até mesmo iniciar pequenas tarefas. Nesses contextos, a procrastinação não é um problema isolado, mas sim um sintoma que merece avaliação e cuidado especializado.
É importante distinguir um adiamento pontual, diante de uma tarefa específica, de um padrão que compromete áreas importantes da vida pessoal, acadêmica ou profissional. Quando a procrastinação se repete e gera prejuízo, é essencial buscar acompanhamento. A avaliação profissional pode identificar se há um transtorno mental subjacente e indicar intervenções adequadas, como a terapia cognitivo-comportamental, que atua na modificação de pensamentos automáticos e no fortalecimento da autorregulação.
Algumas estratégias práticas ajudam no enfrentamento desse comportamento. Dividir grandes tarefas em partes menores, estabelecer metas viáveis e reduzir estímulos externos são iniciativas úteis. Métodos como o Pomodoro, que propõem intervalos estruturados de foco, têm se mostrado eficazes. O reconhecimento das próprias limitações, sem autocrítica severa, também favorece a construção de uma rotina mais organizada e funcional.
Hoje já existem cartilhas específicas para pessoas com TDAH que incluem, inclusive, o uso da tecnologia como aliada. Uma cartilha desenvolvida em parceria entre a Associação Brasileira de Psiquiatria e a assistente virtual Alexa oferece orientações práticas para a criação de lembretes, agendamento de tarefas e manejo do tempo. Essa integração entre ciência e tecnologia tem ampliado o acesso a ferramentas que auxiliam o cotidiano de quem lida com esse tipo de desafio.
A Inteligência Artificial, de forma geral, tem se tornado um recurso útil para minimizar os efeitos da procrastinação. Muitas vezes, a maior dificuldade está no ato de iniciar. E é justamente nesse ponto que essas ferramentas oferecem suporte, ajudando a organizar demandas, sugerir rotinas e estabelecer um ponto de partida. Em muitos casos, dar início a uma atividade reduz significativamente a ansiedade em torno dela. A inércia é, frequentemente, o maior obstáculo.
Em casos mais persistentes, a procrastinação pode estar associada a sentimentos de desvalia, a uma autoimagem abalada ou a uma história marcada por frustrações e autocrítica. Esses fatores muitas vezes não são conscientes, mas moldam o comportamento de forma intensa. Buscar ajuda profissional é uma atitude de cuidado e responsabilidade, e pode ser o passo necessário para romper esse ciclo. Uma avaliação adequada permite que a pessoa compreenda suas dificuldades com mais clareza e identifique caminhos possíveis para a mudança.
Então, afinal, por que procrastinamos? Em grande parte, porque ainda não desenvolvemos as condições internas adequadas para compreender o que nos paralisa. Seja por medo, por autocrítica excessiva, por falta de estratégias ou por dores mais profundas que ainda não conseguimos nomear, adiamos o que precisamos enfrentar. Iniciar uma tarefa imediatamente, mesmo que de maneira imperfeita, costuma gerar uma sensação real de progresso, satisfação e alívio. Essa vivência de realização é, quase sempre, mais gratificante do que o conforto passageiro de postergar o início. Quando isso parecer difícil, lembre-se de que existem caminhos possíveis, apoio disponível e profissionais prontos para ajudar. Se precisar, peça ajuda.
*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.