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Antonio Geraldo: Por que a saúde mental deve ser prioridade no ambiente de trabalho?

Quando o ambiente profissional não é saudável, os efeitos podem ser devastadores

Nos últimos anos, a atenção à saúde mental no ambiente corporativo tem crescido, refletindo uma necessidade urgente de repensar as condições em que as pessoas trabalham. O trabalho ocupa uma parte significativa da vida adulta, e seu impacto vai muito além das horas dedicadas a ele. Quando o ambiente profissional não é saudável, os efeitos podem ser devastadores, influenciando não apenas o desempenho, mas também as relações pessoais e a qualidade de vida como um todo.

Muitos trabalhadores enfrentam rotinas intensas, deslocamentos demorados e condições adversas que, somadas às exigências diárias, criam um cenário de desgaste físico e emocional. A pressão excessiva, a sobrecarga de tarefas, a falta de reconhecimento e ambientes organizacionais hostis podem levar ao esgotamento mental, comprometendo a motivação e a produtividade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que, em 2019, 15% dos adultos em idade produtiva enfrentavam transtornos mentais, com estresse crônico e exaustão emocional entre as principais causas de afastamento no trabalho. No Brasil, entre 2007 e 2017, esses transtornos foram a terceira maior causa de licença médica, correspondendo a 52% dos benefícios sociais concedidos. Em outubro de 2020, os transtornos do humor representaram 55% dos dias de afastamento no país, evidenciando o impacto das condições laborais na saúde dos trabalhadores e a urgência de abordar o tema sem tabus.

Dentre os problemas mais frequentes vividos pelos trabalhadores está o chamado burnout, um fenômeno caracterizado pelo esgotamento físico e psíquico resultante do estresse crônico no trabalho. Ele não surge apenas pelo excesso de tarefas, mas também por fatores como pressão desproporcional, falta de reconhecimento, ambientes tóxicos e dificuldades na conciliação entre vida pessoal e profissional. O chamado burnout compromete não apenas o bem-estar do indivíduo, mas também sua capacidade produtiva, afetando o desempenho profissional e as relações interpessoais. Muitas vezes, os primeiros sinais são ignorados ou normalizados, e a busca por ajuda acontece apenas quando os sintomas já estão severos, o que reforça a importância de estratégias preventivas.

A pandemia de Covid-19 trouxe mudanças nos modelos de trabalho, como o home office e maior flexibilidade, mas não garantiu um ambiente equilibrado. A dificuldade de desconectar-se do trabalho e a ausência de limites entre vida profissional e pessoal seguiram afetando a saúde mental dos trabalhadores. Além disso, discriminação, assédio moral e desigualdade de oportunidades continuam a agravar as perdas psíquicas , reforçando a necessidade de uma postura ativa das empresas na promoção do bem-estar

A recente atualização da Norma Regulamentadora 01 (NR 01) do Ministério do Trabalho e Emprego trouxe um avanço importante ao exigir que as empresas avaliem e gerenciem os riscos psicossociais no ambiente organizacional. Isso amplia a visão da saúde ocupacional para além dos riscos físicos, reconhecendo que aspectos emocionais também são determinantes na qualidade de vida dos trabalhadores.

Entretanto, mais do que apenas cumprir exigências legais, as organizações precisam adotar uma cultura que valorize a saúde mental de maneira genuína, promovendo mudanças reais no dia a dia dos trabalhadores. Criar um ambiente de trabalho acolhedor, incentivar o diálogo aberto sobre saúde mental, oferecer suporte psicológico acessível, garantir equilíbrio entre vida profissional e pessoal e capacitar lideranças para reconhecer sinais de sobrecarga são algumas das atitudes que podem transformar a experiência dos profissionais e prevenir o adoecimento.

Além dessas ações, é fundamental que as empresas realizem consultorias regulares com um profissional médico-psiquiatra para avaliar as condições de trabalho e propor melhorias voltadas à saúde mental dos funcionários. Esse acompanhamento especializado pode fornecer insights importantes sobre fatores de risco dentro da organização e sugerir ajustes que promovam um ambiente mais saudável.

Também é essencial incentivar os trabalhadores a procurarem ajuda profissional assim que perceberem qualquer mudança significativa em sua saúde psíquica. Quanto mais cedo uma doença mental for identificada, maior a chance de um tratamento ser breve e eficaz, evitando que um problema inicialmente manejável evolua para um quadro crônico de difícil controle. A cultura organizacional deve reforçar que buscar apoio psiquiátrico ou psicológico não é sinal de fraqueza, mas sim um passo importante para garantir o bem-estar e a qualidade de vida.

Portando, priorizar a saúde mental no ambiente de trabalho não é apenas uma questão de evitar doenças, mas sim um investimento no crescimento sustentável da empresa. Organizações que promovem um ambiente equilibrado e humanizado observam redução do absenteísmo, maior engajamento, aumento da produtividade e retenção de talentos. Além dos benefícios tangíveis, como a diminuição dos custos com afastamentos e turnover, há ganhos intangíveis igualmente valiosos, como um clima organizacional mais colaborativo, equipes mais motivadas e maior capacidade de inovação.

Empresas que investem na saúde mental de seus colaboradores fortalecem sua reputação, constroem resultados mais sólidos e demonstram que o sucesso não precisa acontecer às custas do bem-estar de quem faz a organização crescer. Se você ou alguém que conhece enfrenta dificuldades no trabalho, buscar apoio profissional pode ser o primeiro passo para uma vida mais equilibrada. Quando as pessoas estão bem, o trabalho também prospera.

Temos atuado na Psiquiatria do Trabalho, oferecendo consultoria para diagnóstico e intervenção nas empresas, e ainda é surpreendente como o estigma segue sendo um grande obstáculo para a promoção da saúde mental no ambiente corporativo. Com a NR 01, esperamos que essa realidade mude e que mais organizações compreendam que cuidar da saúde emocional de seus trabalhadores não é apenas uma necessidade, mas um diferencial essencial para o crescimento sustentável. Neste âmbito, não é se precisar, é essencial pedir ajuda!

 

*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.

Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.

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