Quando o filme Uma Mente Brilhante foi lançado, ele não apenas emocionou o mundo, como também trouxe à tona uma realidade até então cercada de estigmas, desconhecimento e equívocos. A obra, baseada em fatos reais, narra a trajetória do matemático norte-americano John Nash, ganhador do Prêmio Nobel, que recebeu o diagnóstico de esquizofrenia no auge de sua carreira. Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, o que faz com que a mensagem de sua história, para mim, deixe de ser apenas simbólica para se tornar absolutamente real.
O filme foi vencedor do Oscar de Melhor Filme, além de outras três estatuetas, justamente por sua capacidade de retratar, de forma sensível, contundente e profundamente humana, não apenas os desafios impostos pela doença, mas, sobretudo, a possibilidade de superação, de ressignificação e de preservação da dignidade. Nash é a prova de que, mesmo tendo essa doença, embora não de forma permanente com os sintomas ativos, é possível construir uma trajetória profissional brilhante, manter sua autonomia e sustentar relações afetivas.
No Brasil, o dia 24 de maio foi oficialmente dedicado ao Dia Nacional de Conscientização sobre a Esquizofrenia, uma data que convida à reflexão e à disseminação de informações sobre uma das doenças psiquiátricas mais complexas da medicina. A esquizofrenia compromete de forma significativa a percepção da realidade, o processamento dos pensamentos, a organização da vida cotidiana e a capacidade de estabelecer vínculos interpessoais. Estima-se que cerca de 1% da população mundial tenha essa condição.
A esquizofrenia se caracteriza pela presença de pelo menos dois sintomas principais, sendo obrigatória a ocorrência de delírios, alucinações ou discurso desorganizado. Também podem ocorrer comportamento desorganizado ou catatônico e sintomas negativos, como embotamento afetivo, perda da motivação, empobrecimento da fala e da capacidade de sentir prazer.
Para confirmação diagnóstica, essas manifestações precisam durar no mínimo seis meses, com um mês em fase ativa. Delírios persecutórios e alucinações auditivas são os sintomas mais comuns, comprometendo de forma significativa o pensamento, as relações sociais e a organização da vida. Destaco que os surtos psicóticos podem ser confundidos com os efeitos do uso abusivo de álcool e outras drogas, que também podem agravar o quadro em pessoas predispostas.
Embora as alucinações auditivas sejam as mais prevalentes, também podem ocorrer alucinações visuais, olfativas, gustativas e, menos frequentemente, as chamadas alucinações cenestésicas. Estas são percebidas como sensações físicas sem origem real, como pressão, vibração, deslocamento de líquidos, calor, frio, formigamento ou a falsa impressão de que há algo caminhando sob a pele. Apesar de menos comuns, são reconhecidas na literatura psiquiátrica e, quando presentes, geralmente indicam quadros mais graves ou agudizados, trazendo intenso desconforto perceptivo.
A esquizofrenia não resulta de um único fator. Sua origem é multifatorial, envolvendo predisposição genética, alterações neurobiológicas e fatores ambientais. Estudos de neuroimagem demonstram disfunções nas conexões neuronais, muitas das quais se estabelecem ainda na vida intrauterina e se tornam mais expressivas durante a puberdade, fase de intensa reorganização cerebral.
A predisposição genética exerce papel relevante no risco de desenvolvimento da doença. Filhos de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia têm uma probabilidade média de aproximadamente 10% de também desenvolverem a condição. Contudo, fatores ambientais como traumas na infância, experiências de violência, privação socioafetiva, migração, estresse urbano crônico e sobrecarga social são igualmente determinantes, atuando como gatilhos para indivíduos predispostos.
Apesar dos avanços científicos e terapêuticos, o estigma permanece como uma das maiores barreiras no enfrentamento da esquizofrenia. A psicofobia, que é o preconceito contra pessoas que têm doenças psiquiátricas e também contra os profissionais que atuam no cuidado dessas condições, compromete não apenas o acesso ao diagnóstico e ao tratamento, como também bloqueia a possibilidade de o indivíduo e sua família buscarem o apoio e a ajuda profissional adequada. Combater esse estigma é uma urgência ética, sanitária e social, indispensável para garantir que mais pessoas possam acessar tratamento qualificado, alcançar estabilidade clínica e ter melhores desfechos em sua trajetória de cuidado.
Embora o filme Uma Mente Brilhante tenha colaborado para ampliar a visibilidade do tema, é necessário compreender que nem todos os quadros de esquizofrenia se manifestam da mesma forma ou com a mesma intensidade. Ter a doença não define o indivíduo, não resume sua biografia e, sobretudo, não limita sua capacidade de viver uma vida funcional, produtiva e, quando estabilizado clinicamente, socialmente integrada. Isso, desde que o tratamento psiquiátrico seja realizado de forma contínua, responsável e com os ajustes terapêuticos necessários, associado às intervenções psicoterapêuticas e a uma rede de apoio sólida, que inclui não apenas os familiares, mas também o suporte da sociedade em geral.
O tratamento da esquizofrenia é essencialmente psiquiátrico, geralmente com a utilização contínua de medicações antipsicóticas, indispensáveis para o controle dos sintomas, a prevenção de recaídas e a manutenção da estabilidade clínica. A Terapia Cognitivo-Comportamental, TCC, é uma abordagem psicoterapêutica coadjuvante de eficácia comprovada, especialmente no manejo de sintomas residuais, na reestruturação de pensamentos disfuncionais associados aos delírios e às alucinações, no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e na promoção da psicoeducação, favorecendo, de forma significativa, a adesão ao tratamento medicamentoso.
Falar sobre esquizofrenia é, mais do que um exercício técnico, um compromisso com a humanidade. Portanto, se há algo que a sociedade precisa assumir, é o de romper, de uma vez por todas, com os estigmas que marginalizam quem convive com a esquizofrenia. Em se tratando de doenças mentais, promover informação, garantir acesso ao tratamento adequado e fomentar redes de apoio são atos que, para além de humanitários, são éticos, civilizatórios e fundamentais para a construção de uma sociedade mais empática e menos adoecida.
Necessitamos que o estado mude a sua atitude preconceituosa e ofereça tratamento pela farmácia popular, ajudaria milhões de pacientes e familiares, que acabam tendo migração de classe social para baixo.
*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.