Antônio Geraldo: Há diferença entre Psicopatia e Transtorno da Personalidade Antissocial?

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A “psicopatia” é um tema que suscita muita curiosidade impulsionada pela indústria de entretenimento que produz seriados, filmes e documentários sobre histórias reais de crimes e casos de grande repercussão onde as pessoas que cometeram tais atos foram consideradas “psicopatas”. Mas esse assunto não é tão simples assim.

A “psicopatia” é frequentemente associada a comportamentos antissociais e violentos, falta de empatia e manipulação. Contudo, é essencial destacar que nem todas as pessoas que apresentam esses traços são psicopatas. A “psicopatia” é considerada uma característica de um dos transtornos da personalidade, a que chamamos de antissocial, que se caracteriza por padrões persistentes de pensamento e comportamento que diferem das normas sociais.

As características mais comuns incluem a falta de empatia, a manipulação, a impulsividade e comportamento antissocial. Em alguns casos, os indivíduos também podem apresentar comportamento agressivo ou violento, isso inclui ações que violam as normas sociais e legais.

A “psicopatia” não é considerada um transtorno mental, mas sim um conceito da psiquiatria forense. É possível encontrá-la dentro de alguns diagnósticos, como o Transtorno de Personalidade Antissocial. No DSM-5, manual usado por médicos psiquiatras como referência para o diagnóstico de doenças mentais, a “psicopatia” está relacionada ao Transtorno da Personalidade Antissocial. E também não está no Classificação Internacional de Doenças – CID 11, manual organizado pela OMS.

Devido ao estigma e a complexidade da avaliação dessas características, há uma divergência entre os estudiosos do tema. A “psicopatia” foi substituída no DSM-5 pelo Transtorno de Personalidade Antissocial, que se concentra principalmente nos aspectos comportamentais da “psicopatia”, como agressão, impulsividade e violações dos direitos dos outros, mas apenas minimamente em características de personalidade como insensibilidade, falta de remorso e narcisismo.

Por conta de um caso que teve grande repercussão, onde uma criança de apenas 9 anos invadiu um hospital veterinário e matou 23 animais, o assunto virou debate nas redes sociais e “diagnosticado” de forma leviana que a criança seria “psicopata”. Entretanto, o diagnóstico de “psicopatia” ou traços antissociais em crianças e adolescentes pode gerar estigmas perigosos e causar sérios prejuízos a elas e as suas famílias. De acordo com o CID-11, é improvável que o diagnóstico de transtorno de personalidade seja apropriado antes de 16 e 17 anos.

É importante reconhecer que nem toda conduta problemática é um sinal de “psicopatia”, mas pode ser um reflexo de um estágio de desenvolvimento. Pode ser normal que crianças e adolescentes apresentem comportamentos que violam normas sociais, mas esses comportamentos podem melhorar com o amadurecimento. Por isso, é importante que os pais estejam atentos a alterações significativas no comportamento da criança e do adolescente. De qualquer forma, é um alerta e deve ser levado para avaliação psiquiátrica.

Antes de completar 18 anos, não é adequado diagnosticar uma criança ou adolescente como “psicopata” ou com transtorno de personalidade, pois a personalidade deles ainda não está completamente formada. Nessa fase, falamos em traços de personalidade visto que desenvolvimento cerebral só está completo após a maioridade.

Na infância e adolescência, o diagnóstico para traços de personalidade como comportamento antissocial, falta de empatia, desrespeito aos direitos de terceiros e normas sociais, etc, que ocorrem de forma persistente, geralmente é o Transtorno de Conduta. Se esse tipo de comportamento estiver impactando negativamente o funcionamento social e familiar, é fundamental procurar ajuda médica psiquiátrica. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico adequado, melhor é o prognóstico e melhor será a vida no futuro.

Para o obscurantismo, o esclarecimento e o conhecimento, são essenciais e ajudam a romper estigmas.

 

Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG. Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL.

Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais. Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo®”, da Campanha ABP/CFM Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.

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