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Antonio Geraldo: É necessário falar sobre a psicofobia

Psicofobia vai muito além de comentários depreciativos. Ela é estrutural. Manifesta-se no desprezo institucional

Há 14 anos, eu tive a honra e a satisfação de fazer a última entrevista em vida do grande humorista Chico Anysio, quando ele compartilhou, com admirável franqueza, que fazia tratamento para depressão há mais de duas décadas. Ele ressaltou a importância desse cuidado para sua trajetória profissional e pessoal, e fez um apelo claro: o preconceito contra os transtornos mentais e seus tratamentos precisam acabar.

A partir dessa conversa, Chico me sugeriu algo que se tornou um marco: criar uma terminologia específica para nomear esse preconceito, à semelhança do que já existia para outras formas de discriminação, como a homofobia e a xenofobia. Assim nasceu o neologismo psicofobia, que descreve não apenas o preconceito contra pessoas com deficiências e transtornos mentais, mas também contra os profissionais que atuam no campo da saúde mental, em especial, os médicos psiquiatras e psicólogos, frequentemente estigmatizados ou ignorados em contextos onde sua atuação seria essencial.

Psicofobia vai muito além de piadas ou comentários depreciativos. Ela é estrutural. Manifesta-se no desprezo institucional, na escassez de políticas públicas eficazes, na ausência de uma rede de cuidado acessível, e até mesmo na exclusão de medicamentos psiquiátricos da lista da Farmácia Popular. Pasmemos, pois até o serviço de atendimento proposto, nega o modelo médico que já existe nas mais de cem especialidades médicas e áreas de atuação, sendo um serviço isolado para atender quem padece de doença mental.

Isso se torna ainda mais grave ao compararmos com outras doenças crônicas como diabetes ou hipertensão, cujos tratamentos de longo prazo são amplamente contemplados pelo SUS. A ausência de psicofármacos essenciais e de uso contínuo na farmácia popular e a limitação destes produtos no sistema público de saúde impede o acesso da população mais vulnerável a tratamentos eficazes, perpetuando o sofrimento e agravando quadros clínicos que poderiam ser controlados. Os benefícios da distribuição ampla desses medicamentos , claro que sob prescrição médica especializada, seriam imensos, não apenas para o indivíduo, mas para toda a comunidade.

Há, ainda, um fenômeno silencioso, mas preocupante: a negligência com a própria saúde mental nos check-ups regulares. É comum que, anualmente, a população busque cardiologistas, ginecologistas, urologistas e endocrinologistas como forma preventiva de cuidado com a saúde. Mas quantas pessoas incluem uma avaliação com o psiquiatra em seu check-up? A psiquiatria é erroneamente associada apenas a “casos graves” ou a “pessoas loucas”, quando, na verdade, é uma especialidade médica fundamental, capacitada para lidar com um vasto espectro de condições: do sono desregulado à dificuldade para emagrecer, da ansiedade persistente à infertilidade sem causa biológica aparente.

Muitos indivíduos evitam buscar esse atendimento por puro preconceito, alimentado pela ideia ultrapassada de que procurar um psiquiatra é sinal de fraqueza ou descontrole. Isso também é psicofobia. Assim como não hesitamos em consultar um cardiologista diante de uma dor no peito, deveríamos agir da mesma forma ao enfrentar sintomas emocionais ou comportamentais que comprometem nosso bem-estar.

Essa forma de discriminação atinge diretamente os profissionais que atuam para promover saúde mental, fazer prevenção das doenças mentais e a assistência. Psiquiatras e psicólogos lidam diariamente com o estigma que desvaloriza sua atuação, dificulta o acesso precoce ao cuidado e compromete a adesão dos pacientes ao tratamento. A resistência da sociedade em reconhecer o valor desses profissionais compromete a eficácia de toda a rede de atenção em saúde mental.

Para mudar essa realidade, é urgente promover políticas públicas inclusivas, ampliar o acesso aos cuidados para se ter uma boa saúde mental, garantir a distribuição de medicamentos, e investir em campanhas educativas que combatam o preconceito. Saúde mental é saúde. Sofrer de uma doença mental não é fraqueza, e procurar ajuda não é vergonha. É responsabilidade.

Falar sobre psicofobia é essencial para romper o silêncio, dar voz ao sofrimento e promover a empatia. Enquanto o preconceito persistir, milhares de pessoas continuarão adoecendo em silêncio. Que possamos normalizar o cuidado para termos e mantermos uma boa saúde mental tanto quanto já normalizamos o cuidado com o corpo. E se você estiver precisando de ajuda, não hesite: procure um médico psiquiatra.

Faça seu check up!

Sua saúde mental importa. Se precisar, peça ajuda!

 

*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.

Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.

 

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