Redação GPS
Texto: Mário Glória Filho
Nos últimos tempos, muito se tem escutado sobre a possibilidade de fazer psicoterapia com inteligências artificiais disponíveis via internet. Apesar de essas tecnologias terem potencial para melhorar nosso entendimento, diagnóstico e prognóstico do sofrimento psicológico, elas não possuem todas as habilidades necessárias para prover psicoterapia adequadamente. No atual momento é muito importante discutir com a comunidade a diferença entre uma conversa simulada por inteligência artificial e a psicoterapia.
Muito além de uma conversa simulada, o processo de psicoterapia requer um engajamento pessoal e disponibilidade para dar suporte emocional por parte do Psicólogo. A psicoterapia também é baseada em uma conceituação de caso e para que ela exista é necessário compreender a história de vida do paciente e sua forma de funcionamento – os padrões existentes e como eles se mantem. Também é necessário realizar uma anamnese, investigar o histórico de saúde prévia do paciente, quais medicamentos utiliza, quais médicos receitaram. Além disso o Psicólogo preocupa-se em ter acesso a rede de apoio direta do paciente caso haja uma emergência. Há também uma série de preocupações e cuidados com o gerenciamento da informação passada do paciente ao Psicólogo, sendo essas protegida pelo sigilo profissional previsto no Código de Ética do Psicólogo.
Sob a questão ética da psicoterapia provida por IA há ainda muito a ser discutido. Estudos comparativos mostram que psicólogos ofereceram intervenções seguras em mais de 90% dos casos, enquanto chatbots ficaram abaixo de 60%. Os chatbots podem dar respostas inadequadas em situações de crise, o que oferece sérios riscos ao paciente.
Pesquisas também indicam problemas de privacidade e proteção de dados sensíveis, viés algorítmico que pode levar a diagnósticos ou recomendações incorretas para determinados grupos e o potencial aumento de solidão, reforçando o isolamento social já que a interação com um Psicólogo humano é substituída por uma inteligência artificial. Outro ponto é a ausência de supervisão clínica obrigatória nos atendimentos providos por IA, o que compromete ainda mais a qualidade e a segurança do atendimento, especialmente em contextos complexos ou de alto risco. Uma falha grave nos atendimentos facilitados por IA é que a tecnologia não encaminha o usuários para um Psicólogo humano, deixando os pacientes ainda mais vulneráveis.
Além dos aspectos técnicos e éticos, a inteligência artificial ainda não é capaz de substituir o elemento humano na psicoterapia. Empatia e conexão pessoal são centrais para um processo terapêutico significativo. Promover saúde mental envolve construir um entendimento do outro, estabelecer uma relação de confiança, observar e compreender as emoções do paciente, refletindo-as de volta de forma sensível.
Também requer a capacidade de hipotetizar os estados mentais e emocionais do outro para oferecer compaixão genuína e compreensão. A sintonia afetiva em tempo real — o olhar, o tom de voz, as pausas, os silêncios — é o que permite construir um caminho de ajuda colaborativo e genuíno. Um Psicólogo humano é capaz de reparar rupturas na relação, navegar por emoções ambíguas e restaurar a confiança quando esta se encontra ameaçada. Este profissional também é capaz de estar atento a nuances culturais específicas de cada paciente.
A grande habilidade do Psicólogo Clínico é escutar, refletir, fazer perguntas e transformar! Não é dá respostas prontas simuladas por equações matemáticas! No fim das contas, psicoterapia não é apenas sobre técnicas ou protocolos — é sobre estar diante de alguém que realmente vê você. É sobre sentir-se seguro para dizer o que nunca foi dito, chorar o que ficou guardado, ousar sonhar com o que parecia impossível. Um algoritmo pode oferecer respostas rápidas, mas não pode segurar sua mão no silêncio certo, nem sustentar o olhar que diz: “eu estou aqui com você”.
O vínculo humano se constrói na delicadeza dos pequenos gestos: no reconhecimento de um suspiro, no ajuste de tom quando a dor se intensifica, na pausa respeitosa que dá espaço para a emoção existir. É nesse território de presença — tão sutil quanto poderoso — que a transformação acontece.
Ser psicólogo é entrar, com humildade, coragem e respeito, nas histórias mais íntimas de outra pessoa, e ali permanecer mesmo quando o caminho é incerto ou doloroso. É acreditar, junto com o paciente, que há sentido e possibilidade, mesmo nos momentos em que ele não consegue enxergar isso sozinho.
E é justamente essa coragem compartilhada, essa esperança sustentada em duas mãos, respeito e cuidado que nenhuma inteligência artificial conseguirá replicar.
Feliz Dia do Psicólogo!
Mário Glória Filho
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Referências
Spytska L. (2025). The use of artificial intelligence in psychotherapy: development of intelligent therapeutic systems. BMC psychology, 13(1), 175. https://doi.org/10.1186/s40359-025-02491-9
Aktan, M. E., Turhan, Z., & Dolu, I. (2022). Attitudes and perspectives towards the preferences for artificial intelligence in psychotherapy. Computers in Human Behavior, 133, 107273. https://doi.org/10.1016/j.chb.2022.107273
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Mário Glória Filho é Psicólogo (CRP 01/22761) pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub); Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília (UCB); Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Mestre em Psicologia Social pela Universidade de Brasília (UnB); Atende adultos em consultório particular e é colaborador do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo Comportamental (LAPICC) da Universidade de São Paulo (USP – Ribeirão Preto).
