Em entrevista conduzida por Jorge Eduardo Antunes, publisher do portal GPS Brasília, o renomado advogado e professor Ph.D João Paulo Todde, que é sócio-fundador, majoritário, Diretor da Divisão Tributária Estratégia e CEO da firma TODDE Advogados, respondeu a questões relacionadas à tributação de jogos de azar e novo arcabouço fiscal, além de apresentar explicações pontuais sobre a economia brasileira.
Todde contou detalhes de sua batalha contra os jogos online sem regulamentação, em que a falta de respaldo jurídico e de segurança nesse cenário impulsiona ações marcantes movidas pelo escritório. Na parte da reforma tributária no País, ele desataca a importância da reforma da tributação e como ela pode impactar a vida das pessoas. O advogado compartilha, ainda, insights sobre o empreendedorismo na advocacia, enfatizando a importância de uma abordagem empresarial na gestão dos escritórios jurídicos.
Confira a entrevista abaixo:
Você está capitaneando há algum tempo uma luta contra jogos de azar em diversas ações que está movendo. Esses processos têm sido expressivos dentro do escritório?
“Em relação aos jogos de azar, é importante saber o seguinte: existem os jogos de azar que hoje estão permitidos. O presidente Lula publicou um decreto logo no primeiro mês de seu mandato e permitindo aqueles jogos as famosas ‘bets’, mas vinculadas a jogos desportivos. Então, são jogos desportivos, aqueles que você acompanha o jogo e aposta se vai ter gol ou não e se vai ter falta, afins. Só que esses estão regulamentados, inclusive, a portaria define como vai ser tributado e qual tipo de imposto. Mas hoje, inclusive, está ocorrendo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigativa justamente por causa das fraudes que ocorreram dentro desses jogos esportivos. No entanto, o maior problema hoje que o Brasil está enfrentando é esse câncer que tem surgido e se espalhado rapidamente: os cassinos online. Trata-se justamente daqueles caça-níqueis, os joguinhos de tigres, joguinhos de moeda em que o indivíduo não tem nenhum respaldo jurídico, nenhuma segurança, sequer foram auditados para verificar se realmente possuem chances reais de vitória.” Ph.D. João Paulo Todde
Existe alguma oportunidade, chance de conquista ou de ganho nesses jogos?
“Isso não é o mais importante, o importante é que primeiramente esses jogos são ilegais, o que os torna sem fiscalizações, não auditáveis, e não tributáveis de nenhuma forma. Essas empresas estão sediadas fora do Brasil, grande parte nas ilhas Cayman, nas Ilhas Canárias, Bahamas, dentre outros locais. Tem elas nos Estados Unidos, inclusive Rússia, China, Índia. Então, a gente tem já mapeado algumas dessas empresas, mas todas elas com sede fora do País. Acredite ou não, dentro da Inglaterra, inclusive, há uma das maiores empresas do mundo hoje com mais de R$ 60 bilhões de faturamento. Hoje, esse tipo de jogo, especificadamente, ilegal no Brasil, já está faturando $2 bilhões anuais em dólar, segundo mapeamento mundialmente. E o resultado disso é desastroso, porque as pessoas não só perdem seu patrimônio, sua dignidade, sua saúde física e mental, elas não têm nenhuma segurança jurídica, elas não têm nenhum respaldo de legalidade ou de licitude. Além disso, como efeito psiquiátrico e psicológico de dependência do jogo e de suicídio em razão do alto índice de depressão atingindo por essas pessoas. Hoje uma única empresa tem registrado em torno de 100 suicídios mês”.
É bom explicar essa divisão, porque dentro do site de bets também há uma área de cassino. Estamos falando da mesma coisa?
“Elas têm nomes diferentes, são empresas diferentes. Elas têm registros diferentes. Essas de apostas desportivas são registradas no Brasil, em sua maioria. Elas têm, claro, sedes fora do Brasil, mas têm operações internas. As outras caça-níqueis não. Hoje existe um mal que muita gente não sabe: uma empresa indiana. Ela produziu um sistema White Label, em que você ou qualquer um pode entrar no site dela na Índia, retirar uma cópia, publicar no Brasil e iniciar uma operação ilegal desse “caça níquel”. Então, na verdade, você está jogando aqui, no Brasil, com uma falsa empresa, criada especificamente para apropriar-se do dinheiro do appstador, sem nenhuma chance de vitória. Eles divulgam dentro dos portais do Instagram, Facebook, tiltok dentre outras redes sociais virais. Isso é desastroso, porque não há nenhum contrato, nenhum controle, nenhuma formatação nem de punição. Por isso, começamos a mover em torno de 1000 ações, somente no nosso escritório, voltados para a demonstração do ferimento ao Código do Consumidor e do Código Penal”, visando a penalização dessas casas, de seus gestores e de seus divulgadores, como também a indenização por dano material e moral.”
Quais casos mais marcantes estão relacionados a essas ações?
“Temos inúmeras situações, inclusive, porque uma delas, por exemplo, o indivíduo até ganhou, mas não consegue retirar o dinheiro de dentro da plataforma, o que chamamos de falsa vitória, pois é simulada para indentivar o appstador a aportar mais recursos financeiros, entretanto, não consegue fazer o saque. Outros ele tirou parte do dinheiro, mas outra parcela simplesmente desapareceu, ou seja, a empresa se apropriou. Muitas vezes, o valor foi apropriado indevidamente pela própria plataforma, outros a plataforma simplesmente desapareceu depois dos jogos, depois dos valores investidos. Essas são ações que se assimilam à clássica atuação de fraude e pirâmide financeira, crime contra o sistema financeiro, inclusive, contra a economia popular, lavagem de dinheiro e apropriacão indébita. Temos casos de denúncia em que o indivíduo realmente só perdeu e aí tem os jogos reiterados. Não estou falando de mil ou duas mil pessoas, estou falando de 2 milhões. Há pessoas que venderam suas casas, seus carros. Algumas delas tem um relato especial que venderam órgãos humanos, como a córnea, o que também é ilegal no Brasil, para poder ter o recurso e apostar. O grande problema é que começa a envolver camadas mais profundas das organizações criminosas, que se aproveitam da ausência do Estado nesse tipo de setor. Um dos grandes desafios nas ações relacionadas a esses crimes é conseguir encontrar e mapear onde os recursos estão. Então, temos utilizado alguns braços do Estado, como Banco Central, Coaf e Ministério Público Federal e Ministérios Públicos Estaduais, os quais têm nos auxiliado também nessa luta. Por exemplo, no estado de São Paulo tivemos uma grande vitória, em que houve bloqueio de patrimônio, inclusive, de influenciadores que estavam estimulando esse tipo de jogo”.
Na contramão, também há influencers que estão abraçando a conscientização da população brasileira em relação a essa situação criminosa, que é incentivar o jogo ilegal no Brasil?
“Uma campanha forte para alertas sobre nisso é de um influencer aqui de Brasília chamado Daniel Abem, que tem agido pelo bem das pessoas. Essas conscientizações feitas pelos bons influencers têm sido positivas. Muitos influencers de grande renome têm aderido, falado e reverberado sobre isso, tentando evitar que outras pessoas caiam nessa cilada. O poder do vício de um jogo no cérebro humano é exatamente na mesma proporção do usuário de entorpecentes como a cocaína”.
Vamos entrar no segundo assunto, que é a reforma tributária. O que o Brasil pode esperar da nova reforma tributária?
“Foi instaurada a Frente Parlamentar Mista na Câmara dos Deputados. E eu tive a honra até de fazer o discurso inaugural. Há cinco anos, essa mesma frente parlamentar foi instaurada também hà época, pelo Deputado Federal Luís Miranda. Sobre o sistema tributário brasileiro, ele foi recepcionado. Ele não foi reformado na Constituinte de 88, quando deveria ter sido. Pelo contrário, era um tema tão complexo e tão desarmonioso entre a questão do pacto federativo dos Estados, União e municípios, que o constituinte decidiu dar quatro anos, a contar da promulgação da nova Constituição Federal para que fosse reformado o Código Tributário Nacional, ou seja, o Sistema Tributário Nacional. E o que aconteceu é que até hoje, ou seja, 40 anos? Não conseguimos fazer a aprovação. Mas a reforma avançou e já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e recentemente pelo Senado, e tão logo confirmado pela Câmara irá para promulgação pelo Presidente. Os principais problemas a serem “resolvidos” é retirar a carga tributária do consumo. O Brasil é um país de uma massiva arrecadação tributária, diante de sua alta carga tributária, mas é um país extremamente pobre. Se você considerar que arrecada muito, distribui mal e empobrece a cadeia produtiva. Pagamos o mesmo preço de um veículo aqui, de sete a 10 vezes mais caro do que esse mesmo veículo produzido nos países vizinhos como Argentina, Paraguai e Chile. O mesmo veículo que os mexicanos importam do Brasil, nós brasileiros pagamos até quatro vezes mais caros.”
Essa é uma conta que não conseguimos entender, porque tem empresa que arrecada muito e é altamente fiscalizada. Mas, ao mesmo tempo, a fiscalização não é eficiente. Atualmente, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional está focada nos devedores da época da pandemia que nem se recuperaram ainda. Por exemplo, há devedores que já estão sob ameaça de perder bens, enquanto há empresas que estão sonegando impostos. Qual a sua análise disso?
“Esse é um tema interessante. Nosso escritório é especializado na chamada negociação especial e extraordinária, que é aquela feita diretamente com a PGFN, com a Receita Federal, em que grandes devedores com volumes de R$ 5 milhões até bilhões. A PGFN e a Receita estão mudando a sua visão em relação a estrutura de arrecadação. Claro, eles devem arrecadar, querem arrecadar, mas a gente também sabe que não adianta destruir a empresa, ou inviabilizá-la. Não adianta matar a galinha, você precisa que ela continue pondo ovos. Então, temos conquistados uma percepção muito mais sensível quanto à essa temática, visando realmente manter a capacidade da empresa de operar regularmente, permitindo inclusive que ela cresça. Muitas dessas empresas têm problemas fiscais não por causa do tributo em si, mas por causa de uma desorganização, um crescimento exacerbado ou, nesse caso, que a gente tem vivido muito nos últimos três anos com a recessão absurda que tivemos com a pandemia. Eu estou falando de empresas que ficaram fechadas oito meses, nove meses”.
Você acredita em imposto único?
“Eu acredito no IVA, por exemplo, criado na França, na década de 40, e o resto do mundo acabou aderindo, o qual estamos adotando com essa nova reforma, prezando pela não tributação da produção, mas pelo valor agregado, ou seja, pela renda. E é diferente também quando se fala sobre, por exemplo, renda por renda, a qual o “lucro” vem da aplicação pura do recurso financeiro, sem gerar qualquer valor agregado.”
E quando se fala de volume de dinheiro de quem não produz?
“Na verdade, o pobre é quem paga os juros, que alimenta a cadeia de investimento financeiro não produtiva. O indivíduo que fatura R$ 200 a R$ 300 milhões sem fazer nada, mantendo seu dinheiro parado, em uma conta aplicativa, não alimenta o mercado, ele não gera produto, ou qualquer valor econômico ou financeiro para a sociedade. Ele não cria renda a não ser para si mesmo. Então, essas contas têm que ser majoritariamente tributadas. A reforma não visa a tributar o contribuinte, funcionário, servidor, público, empresário. O objetivo é tributar de fato os ricos não pela riqueza que ela produz, mas pela riqueza que ele deixa de produzir.”
Vamos falar sobre o empreendedorismo dentro do escritório de advocacia. Vimos nascer uma série de escritórios de advocacia como o seu, com estrutura, com planejamento e com uma visão empreendedora. É possível o advogado ser empreendedor?
“Na verdade, o advogado, por essência, tem que ser empreendedor. Na advocacia, não é só a aplicação de leis nessa busca da hermenêutica, ou seja, há aplicação de legislações sobre casos, principalmente de gestão e captação. Mas precisei e me dediquei a entender como isso funcionava. Tive a oportunidade de trabalhar num escritório que, na época, era o maior escritório do Brasil, com 680 advogados. E eu entendi que não era um escritório, era uma empresa, uma firma. Então, quando a função da operação, ela passa a ser de gerência, de empresa, você entende que não é o processo judicial em si que deve alimentar o escritório/firma de advocacia. Então, a advocacia bem sucedida não trabalha com processos, tão somente, quer dizer, processos judiciais, mas com processos em amplo espectro, como fusões, cisões, incorporações, negócios, além de inúmeros outros extrajudiciais.”