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Abstracionismo multidimensional: saiba mais sobre Jaildo Marinho

Escrito por Edson Caldeira

 

“Eu não tinha consciência do meu destino, mas desde cedo havia em mim uma necessidade de ser artista”. Com essa reflexão, Jaildo Marinho remonta sua jornada quando indagado sobre suas origens e o êxito profissional alcançado. A ironia do discurso reside na surpresa do acaso. Nascido em Santa Maria da Boa Vista, uma pequena cidade no sertão de Pernambuco, o escultor cultivou o amor pela arte. Com coragem, talento e seu jeito espontâneo, ele consolidou carreira em Paris, o berço dos grandes movimentos artísticos. 

Embora sua biografia seja tão fascinante quanto suas criações, o deslumbre da capital francesa é pano de fundo para suas conquistas. O artista afirma que elementos de sua terra natal, a pequena comunidade do Vale do São Francisco, são os verdadeiros protagonistas de sua trajetória. “Na minha infância, o acesso à arte era praticamente inexistente. Lembro-me da minha avó, uma verdadeira artista aos meus olhos, transformando banhas de animais em sabão branco. Aquilo para mim já era uma obra de arte, uma escultura minimalista”.

Começava ali a visão embrionária do pequeno artista. Para ele, era mágico testemunhar as habilidades de uma tia em produzir balas e pirulitos a partir do melaço de açúcar, e observar o cuidado meticuloso durante o processo de embalar e vender o produto numa tábua de madeira toda furada. As feiras locais repletas de artesanato, os indígenas com suas cerâmicas, potes e utensílios de madeira, e as visitas às olarias para ver a fabricação de blocos e telhas, tudo isso contribuiu para a sua apreciação do trabalho manual e da arte.

Foto: Luciana Lombardi

No entanto, todas essas referências nostálgicas alinham-se ao conceito amargo e paradoxal do “vazio” do sertão, que vai além da cartografia. “Na lei da física, o vazio sempre está cheio. Mas quando falamos em sentimentos humanos, vazio é aquele momento de tristeza. Assim como fome, falta de cultura e miséria são “vazios”. Então, minha ideia foi pegar o conceito de vazio e transformar em arte. Nas minhas pinturas, a parede não é mais um suporte, mas sim parte integrante”, explica o artista ao exemplificar que seus quadros, quando colocados nas paredes, não se limitam a um espaço, mas sim a vibração da luz. 

A partir do momento que foi para a escola, teve seu primeiro contato com artistas, desde os mais famosos da Grécia antiga até mais contemporâneos, como Portinari, Di Cavalcanti, Belmiro de Almeida e Cícero Dias – com quem iria realizar o sonho de partilhar uma amizade no futuro. A inquietude na infância o fez descobrir o poder multiforme da argila e, aos 12 anos, já trabalhava em um Centro de Estudos de Gemas e Minerais, dirigido pelo governo de Pernambuco. Mas a clarividência acidental do pequeno garoto ganha contornos muito mais interessantes quando ele se recorda dos passeios em sua cidade à Serra do Cruzeiro. “Essa serra era uma grande montanha de ametista com túneis cheios de cristais. Quando eu recebi o convite para fazer a exposição no Museu de Arte Moderna do Rio, em 2017, o que veio na minha mente foi essa grande cristalização. Então, transformei a mostra num geodo de ametista, e ao mesmo tempo pude usar referências do passado e homenagear todas aquelas belezas naturais da minha infância”. 

Na adolescência, Jaildo direcionou seu desenvolvimento artístico para o âmbito intelectual e conceitual. Aos 16 anos, ingressou no curso ministrado por João Batista Queiroz na Universidade Federal de Pernambuco, onde aprofundou seus conhecimentos em escultura por três anos, explorando técnicas de fundição e entalhe. Nessa jornada, as obras de Paul Cézanne exerceram uma influência marcante, especialmente suas representações de paisagens com uma abordagem moderna, rica em variações de tons, sombras e luz.

Além disso, em sua obra é perceptível a influência da escultura abstrata multidimensional da polonesa Katarzyna Kobro, assim como o uso inovador de formas geométricas e cores vibrantes de Sonia Delaunay. Jaildo ressalta também a importância de Sophie Taeuber: “Ela é, para mim, a artista mais significativa. Sua habilidade de adaptar-se tanto ao espaço emocional quanto ao físico é fascinante. Porque uma obra de arte, em sua essência, tem o propósito de enriquecer, embelezar e despertar sensibilidade”. 

Je suis un artiste

A satisfação na voz do artista é perceptível quando ele fala da época de transição do Brasil para a França. Longe de ser um arrivista, Jaildo confessa que o processo foi natural quando se instalou em Paris, em 1993, com apenas 22 anos de idade. “O sonho de todo artista é ir para Paris, onde se encontravam e se encontram os intelectuais. E eu nunca fui atrás de nada. O próprio trabalho foi abrindo portas de maneira espontânea e automática. Não foi um processo fácil, aprender a cultura, a língua, ir em busca dos movimentos que estão acontecendo, conhecer os colecionadores e outros artistas e se entrosar. Isso leva um certo tempo, mas fui bem acolhido por amigos e tive sorte”, confessa. 

Seja sorte ou destino, a chegada a Paris o aproximou de um de seus ídolos, o artista Cícero Dias. A partir daí, entrou em círculos de amizades com grandes críticos, pensadores e filósofos. Nesse meio tempo, aprendeu o Joi de vivre francês na companhia do venezuelano Jesús Rafael Soto, um dos precursores da arte cinética, e construiu um elo de amizade com o famoso poeta Lêdo Ivo, que o convidou para fazer uma exposição na Academia Brasileira de Letras. 

Desde os anos 2000, Jaildo Marinho é um nome conhecido no meio artístico. Suas conquistas incluem instalações no Palais de La Porte Dorée e Palais Omnisports de Paris-Bercy e diversas exposições em galerias como Galerie Nery Marino, Meyer Zafra, sendo agora representado pela Galerie Denise René. 

Foto: Luciana Lombardi
Foto: Luciana Lombardi

Apesar de compor diversas obras e esculturas de arte, o artista franco-brasileiro garante que sua favorita está em Brasília. Em 2023, em comemoração aos 130 anos do Tribunal de Contas da União, ele inaugurou a escultura Jangada Brasil, atualmente instalada no jardim do Instituto Serzedello Corrêa (ISC), a escola superior do TCU. “Minha ideia foi fazer a jangada como símbolo brasileiro, porque três pescadores saíram de Fortaleza e fizeram 2.700 quilômetros para falar com o presidente da época para reivindicar seus direitos trabalhistas. Eu acho que isso tem um peso imenso na nossa história e na nossa constituição”, sintetiza.

Sobre o futuro, Jaildo é paradoxal em dizer que o tempo corre muito rápido para o número de objetivos que deseja atingir. Atualmente, produz um projeto com o Museu do Louvre, mas confessa, em tom leve e tranquilo, que se tem uma coisa que o menino do interior do Pernambuco que se alimentava com suas próprias lágrimas sabe fazer é ter paciência. “As coisas foram acontecendo, pouco a pouco. Tudo é um conjunto. Quando você está concentrado no seu trabalho, fazendo a sua pesquisa, o mundo vai se abrindo para você. E a partir daí, você vai lembrando do seu mundinho de antes, e que o seu mundinho te dava uma fonte inesgotável de inspirações e de ideias”. 

Redação GPS

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