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A Pequena Sereia de Brasília. Ela existe e reside no espelho d’água sem água

Chefes de estado presentearam a capital em sua inauguração. A Sereia veio da Dinamarca, repleta de pompa, e desfrutou de seu auge até mergulhar no profundo esquecimento

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Muito provavelmente você já ouviu falar da história da **Pequena Sereia**, aquela que virou animação no cinema, não? Provavelmente sabia que a história original pertence ao famoso escritor de contos de fadas dinamarquês, **Hans Christian Andersen**. Talvez não saiba que existe uma belíssima escultura de bronze da sereiazinha sentada em uma pedra na entrada do porto de **Copenhagen**, às margens do mar Báltico, desde 1931. Poucos brasileiros conhecem, apesar da escultura ser o **principal ponto turístico** da capital dinamarquesa.

Agora, o que quase ninguém sabe é que **temos** aqui em **Brasília** uma **réplica** idêntica a ela, que foi presenteada pela **Sociedade dos Amigos do Brasil** na **Dinamarca** quando da inauguração de nossa capital em 1960. Sim, um presente tão especial, tão importante, tão bonito e valioso é ignorado pela população que nunca teve a oportunidade sequer de saber de sua existência. Milhares de brasilienses e turistas passam diariamente ao lado da bela escultura e não têm a menor ideia de sua existência, do seu valor histórico e de sua representatividade da amizade entre nós e a população dinamarquesa.

![Foto: Unsplash](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/A_Pequena_Sereia_Foto_01_76b33c027f.jpg)

A escultura original da Pequena Sereia é o ícone indiscutível e símbolo maior não só de sua capital, mas de toda a Dinamarca. Foi um presente de **Carl Jacobsen**, filho do fundador da marca de cerveja dinamarquesa **Carlsberg**. Conta-se que, após ver uma apresentação de balé sobre o conto de Andersen, Carl, apaixonado pelo que havia visto, convidou o escultor **Edvard Eriksen** para esculpir em bronze o corpo da bela protagonista do espetáculo, a bailarina **Ellen Price**. Porém com a recusa de Ellen de posar nua, o artista acabou por esculpir o rosto de Ellen, como era o desejo de Carl, mas usou sua própria esposa, Eline, como “dublê de corpo”.

Quando da **inauguração** de Brasília, governos de alguns países e grupos organizados de estrangeiros ofereceram **presentes** ao Brasil como um gesto de cortesia, mas também como forma de deixar uma **marca** na cidade tão moderna que surgia. Os espanhóis presentearam os sinos da catedral que lamentavelmente acabaram encalhados no navio que os traziam da Espanha. Da França veio o controverso **Solarius**, popularmente chamado de “chifrudo”, da Itália a Loba do Buriti, aquela que contei a história do sumiço [aqui](https://gpslifetime.com.br/materia/a-loba-sumiu-que-fim-levou-o-presente-de-um-barao-italiano-para-a-nova-capital). Ah, uma curiosidade: assim como a Loba de Brasília foi mutilada em certa época, a escultura da Sereia de Copenhagen também. Teve sua cabeça e um dos braços arrancados algumas vezes. **A depredação de monumentos não é exclusividade nossa**.

Em 1960 na Dinamarca, em uma cerimônia cheia de pompa, festa e discursos, a Sociedade dos Amigos do Brasil presenteou Brasília, aos cuidados do **Ministério da Marinha**, com uma réplica de sua mais famosa escultura. Feita toda em bronze, com meio metro de altura, a Pequena Sereia brasileira é idêntica à original que há mais de cem anos descansa sobre uma rocha no cais de Langelinie em Copenhagen. Em agradecimento, no dia em que a bela escultura completou 50 anos, em 1963, o Brasil ornou a Pequena Sereia com um belíssimo colar de cravos brancos e vermelhos e fitas verdes e amarelas.

No conto de Christian Andersen, a jovem sereia se apaixona por um príncipe humano que se perdeu no mar. Com olhar triste, ela, sentada numa pedra, espera a volta de seu amado. Já a nossa pobre sereiazinha brasiliense também teve, desde sua chegada ao Brasil, uma história **não muito feliz**.

Por mais de cinco anos, a escultura ficou abandonada e esquecida. Naturalmente magoados e **ofendidos** com o descaso, um dinamarquês membro da tal Sociedade dos Amigos do Brasil precisou vir aqui em 1965, e, como um detetive, vasculhar e encontrar o caixote esquecido no subsolo do **Palácio da Alvorada**. Só então, o **Ministério da Marinha** construiu um pequeno espelho d´água pra ela, bem em frente a entrada de sua sede, na Esplanada dos Ministérios. Finalmente, em 13 de dezembro de 1965 foi inaugurada a escultura com uma solenidade em comemoração à Semana da Marinha. Já no ano seguinte, nossa Pequena Sereia recebeu a visita da **Princesa Margarida da Dinamarca** (hoje, Rainha Margarida II)

Confesso que mesmo morando há décadas em Brasília, só fui no Ministério da Marinha para conhecer e fotografar a Sereia em 13 de dezembro de 2020. Nem os marinheiros que faziam a segurança do local sabiam me dizer do que se tratava aquela peça em bronze. Até porque a placa com o texto do oferecimento gravada na rocha em que a Sereia está sentada não estava lá. Nela estaria escrito: _“Ano de 1960 — Sereiazinha doada ao Brasil pelos Amigos da Dinamarca, em admiração à iniciativa de Brasília, recordando a tradicional cortesia da Marinha de Guerra do Brasil para com a Sereiazinha de Copenhague, sob os auspícios do Governo Real da Dinamarca pela Sociedade dos Amigos do Brasil na Dinamarca”_.

Se você não conhece, vale muito a pena ir lá fazer um afago na triste Sereiazinha, já que ela permanece no jardim do Ministério da Marinha, bem abandonadinha, **esquecida e sem água no espelho**, quem sabe esperando que algum príncipe candango apareça para levá-la pra um local com mais destaque que ela tanto merece.

E agora, escrevendo esta coluna para o **GPS|Lifetime**, me dei conta de uma incrível coincidência: eu estive lá para conhecer a Pequena Sereia no dia exato do aniversário de 55 anos de sua inauguração, sem ter a menor ideia disso. **Há coisas que não se explicam em Brasília**.