“Gênio”, “bruxo dos sons”, “mago da música”, “um dos maiores músicos do planeta” são apenas alguns dos apelidos que Hermeto Pascoal recebeu ao longo de seus mais de 70 anos de carreira, dedicada a gêneros como jazz, samba e forró. A notícia de que o compositor e multi-instrumentista morreu, aos 89 anos, foi revelada no último sábado (13) por meio de uma publicação feita em seu perfil no Instagram.
“Com serenidade e amor, comunicamos que Hermeto Pascoal fez sua passagem para o plano espiritual, cercado pela família e por companheiros de música. No exato momento da passagem, seu Grupo estava no palco, como ele gostaria: fazendo som e música. Como ele sempre nos ensinou, não deixemos a tristeza tomar conta: escutemos o vento, o canto dos pássaros, o copo d’água, a cachoeira, a música universal segue viva. Quem desejar homenageá-lo, deixe soar uma nota no instrumento, na voz, na chaleira e ofereça ao universo. É assim que ele gostaria”, disse o comunicado.
De acordo com a família, o artista estava internado no Hospital Samaritano Barra, no Rio de Janeiro, desde o dia 30 de agosto, para tratar complicações respiratórias decorrentes de fibrose pulmonar. O quadro evoluiu para falência múltipla de órgãos e a morte foi constatada às 20h22 do dia 13 de setembro de 2025. O artista deixa seis filhos, 13 netos e dez bisnetos.
O velório será realizado no dia 15 de setembro, segunda-feira, na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, em Bangu, próximo ao bairro Jabour, onde o músico morou grande parte de sua vida. A despedida será aberta ao público.
Trajetória
Hermeto nasceu em 22 de junho de 1936 no povoado Olho d’água, localizado na região de Lagoa da Canoa, em Alagoas. Desde cedo mostrou habilidade musical, aprendendo a tocar acordeão, flauta e saxofone. O primeiro instrumento que ganhou de seu pai, o Seu Pascoal, foi uma sanfona de oito baixos. Por ser albino, não podia trabalhar sob o sol do sertão, o que o aproximou ainda mais da música. Com seu irmão, José Neto, que também é albino, eles formaram a dupla Os Galegos do Pascoal.
Na adolescência, mudou-se para Recife, onde começou a atuar em rádios, e posteriormente seguiu para Rio de Janeiro e São Paulo, integrando o circuito musical brasileiro. Nos anos 1960, ganhou projeção nacional ao integrar o Quarteto Novo, grupo que marcou a época ao unir ritmos nordestinos a elementos do jazz. Em 1970, conquistou o cenário internacional ao participar do álbum Live-Evil, do trompetista norte-americano Miles Davis.
Em 2025, Hermeto Pascoal teve sua história contada no documentário O Menino d’Olho d’Água, dirigido Lirio Ferreira e Carolina Sá, que explora as diferentes facetas do artista. O filme foca em três diferentes recortes: uma performance recente de Hermeto, aos 88 anos, que capta sua genialidade artística em pleno vigor; uma exploração de suas lembranças de infância no sertão de Alagoas, revelando a origem de suas influências musicais; e uma conversa intimista com o artista, em que ele compartilha sua música e reflexões sobre seu processo criativo.
A produção está disponível no Prime Video. Veja o trailer aqui.
Legado e reconhecimento
Apelidado de “bruxo dos sons”, o multi-instrumentista ficou conhecido por explorar novas sonoridades a partir tanto instrumentos tradicionais quanto objetos do cotidiano e elementos da natureza, como água e canto de pássaros, para criar composições.
Sua obra ultrapassou fronteiras, e Hermeto se apresentou em diversos festivais internacionais, como o Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, e até mesmo o recente The Town, em São Paulo. Ao longo da carreira, gravou diversos álbuns, tanto solos quanto em grupo, consolidando-se como uma das principais referências da música instrumental brasileira e universal. É autor de mais de dez mil composições, que transitam entre o popular, o erudito e o experimental, sempre com forte presença da improvisação.

Hermeto Pascoal com o prêmio de Melhor Artista Instrumental no Prêmio da Música Brasileira
Nos últimos anos, recebeu importantes reconhecimentos da indústria musical. Em 2023, ganhou o título de Doutor Honoris Causa da Juilliard, prestigiada universidade de artes de Nova York. Em 2024, lançou o álbum Pra Você, Ilza, em homenagem à sua falecida esposa, que lhe rendeu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Jazz Latino/Jazz. Em 2025, venceu o prêmio de Melhor Artista Instrumental no Prêmio da Música Brasileira.
Por muitos anos, seu trabalho foi até mesmo objeto de estudo em provas de vestibular, aparecendo no edital de exames como o Programa de Avaliação Seriada (PAS), de Brasília.
Assim como a música, a personalidade de Hermeto Pascoal também era única. Para celebrar o seu aniversário de 60 anos, ele decidiu compor uma canção por dia, durante um ano. As faixas, posteriormente, foram convertidas no livro Calendário do Som. Já em 2008, o artista manifestou, por meio de um documento bem colorido, feito por ele mesmo, a sua vontade de liberar o direito de uso de sua obra – e assim foi feito.
Ainda em 2025, nos meses de julho e agosto, o compositor saiu e turnê pela Europa com sua banda Hermeto Pascoal & Grupo, passando por cidades na Espanha, Alemanha, Holanda, França, Finlândia, Noruega e Reino Unido.