Em um mundo em que a juventude é frequentemente associada à busca por reconhecimento, vaidade e ascensão nas redes sociais, a história de Kamilla Cardoso, 21 anos, chama a atenção por seguir na direção oposta. Ex-Miss Teen Sol Nascente, ela abandonou os holofotes dos concursos de beleza para vestir o hábito e abraçar uma vida de fé, renúncia e dedicação ao próximo. Hoje, atende pelo nome de Irmã Eva e é uma das figuras mais conhecidas da Comunidade de Vida Apostólica Nossa Senhora Aparecida e Santa Catarina, ligada à Igreja Católica Ortodoxa Siriana.
Um novo caminho
A transição começou ainda na adolescência, quando a pressão estética e os bastidores competitivos dos concursos começaram a cobrar um preço alto.
“Era um mundo encantado, em que nos tratavam como princesas. Mas por trás disso havia uma cobrança constante por perfeição, que me causava ansiedade”, lembra Kamilla, que desistiu de seguir carreira na moda ao chegar à etapa nacional de um concurso.
A perda precoce do pai, aos nove anos, também foi um divisor de águas. A família, natural de Minas Gerais, havia se mudado para o Distrito Federal em busca de uma vida melhor, mas a ausência paterna trouxe instabilidade emocional e um longo período de depressão. Foi na fé que ela encontrou consolo.
“Comecei a ir à igreja, a orar. Um dia, vi uma madre e senti como se uma luz a envolvesse. Ali, me imaginei naquele caminho”, conta.
Da beleza para a missão
Aos 17 anos, ingressou no noviciado. Desde então, trocou os saltos altos por sandálias simples e assumiu os votos de castidade, pobreza e obediência. Mesmo assim, continua vaidosa, dentro de sua nova realidade.
“Se eu me arrumava antes, por que não agora? A diferença é que agora é para Jesus”, diz ela, que já enfrentou julgamentos e até importunações por sua aparência.
Irmã Eva se tornou conhecida nas redes sociais após ser filmada vendendo terços em um bar de Goiânia. A cena, incomum para muitos, viralizou. “Por eu ser nova, as pessoas se surpreendem, querem tirar foto. Algumas apoiam, outras criticam, mas sigo firme.”
Vida comunitária e transformação social
A jovem religiosa vive atualmente na Chácara da Gruta, em Ceilândia (DF), sede da comunidade liderada pelo padre José Ribamar R. Dias. Lá, a rotina é intensa: começa cedo com o preparo do café e se estende por atividades que incluem evangelização, aulas, atendimento a famílias e acolhimento de animais. “As crianças dos projetos sociais têm uma energia que renova a alma. E o contato com os bichos também me dá paz”, afirma.
A Comunidade da Caridade, como é conhecida, se tornou referência em ações sociais que combinam evangelização com cuidado prático. São mais de 18 projetos que beneficiam diretamente mais de mil famílias em situação de vulnerabilidade. Entre eles, aulas de karatê e futebol, distribuição de cestas básicas, atendimentos psicológicos e odontológicos, e uma escolinha com apoio espiritual e educacional.
Além de Ceilândia, a atuação da comunidade se espalha por diversas regiões do DF e Entorno, como Paranoá, Santa Maria, Sol Nascente, Itapoã, Santo Antônio do Descoberto, Águas Lindas e Alexânia.
Um refúgio de fé
A chácara onde vivem as religiosas se tornou, inclusive, um destino de peregrinação. Fiéis visitam o local em busca de milagres após relatos de uma aparição mariana em uma gruta da propriedade, a quem deram o nome de Nossa Senhora do Sol Nascente.
“Antes, eu era filha única, sozinha. Hoje, tenho irmãos e irmãs. Aqui, ninguém passa fome, ninguém está abandonado. A Comunidade acolhe, protege e transforma. E é esse amor que me move todos os dias”, conclui Irmã Eva, com o olhar sereno de quem trocou o brilho das passarelas pela luz da fé.