Nossa Catedral de Brasília está, sem dúvidas, entre as mais bonitas do mundo. Foi o projeto dela que deu o festejado prêmio Pulitzer a Oscar Niemeyer. O local de sua construção foi indicado no plano de Lúcio Costa e Oscar topou a ideia de projetar uma igreja moderna e inovadora, no estilo construtivista brasileiro, depois muito copiado.
Nossa catedral, arredondada, era um escândalo, no bom sentido, para a época. Se diferenciava da igreja tradicional, retangular, geralmente em forma de cruz, com fachada frontal e fundos. O campanário com os sinos, pensado para ficar isolado da igreja.
Ela causou assombro entre os arquitetos, tanto que por várias vezes serviu de inspiração, desde a caixa d´água de Campinas, São Paulo, até para a Catedral Metropolitana de Liverpool na Inglaterra, bastante mais feia que a nossa, diga-se de passagem.
A pedra fundamental da obra da Catedral foi instalada em setembro de 1958. No dia da inauguração, em abril de 1960 estava apenas com as colunas em concreto prontas. Com o fim do mandato de Juscelino Kubitschek, a obra parou. Depois planejaram inaugurá-la por completo em maio de 1970. E assim se fez. Mas, sem os sinos. E é agora que vai começar nossa história!
Lá em Cabo Verde, arquipélago africano, existe a bela praia de Atalanta, que os locais chamam de praia do Cabo de Santa Maria que tem um trambolhão metálico e oxidado encravado em suas areias, e por isso mesmo, virou meio que atração turística. São os destroços do cargueiro Cabo Santa Maria, encalhado ali há décadas.
Mas, o que raios tem esse navio a ver com sinos?
Nossa catedral precisava ser inaugurada e precisava de doações para a obra. A colônia espanhola no Brasil se mexeu e promoveu, a partir de junho de 1960, uma campanha em todo o Brasil, capitaneada pelo embaixador espanhol da época (Juan Sabriá) para arrecadar a grana para confecção dos caríssimos sinos que, ao final, doariam para Brasília: “No te preocupen con las campanas! Dejen con nosotros!”.
Tudo planejadinho e nos conformes para a entrega dos gigantescos sinos em 1966 fabricados na famosa fundição de sinos de Miranda de Ebro. Mas a grana ficou difícil e só conseguiram terminar em 1968. E como transportar esses gigantes e pesadíssimos sinos para o Brasil nessa época? Foi então contratado um cargueiro super moderno da LINEAS YBARRA de nome CABO SANTA MARIA que fazia uma linha regular entre a Europa e Buenos Aires, transportando badulaques pros hermanos argentinos.
E lá puseram o carrilhão que nossa Catedral aguardava, para ser deixado numa escala no porto de Santos: “Ofrenda de los enspañoles residentes de Brasil, en testimonio de su amor a esta generosa tierra y la hospitalidad de sus gentes…”. Gravado nos sinos vinham os nomes Santa Maria, Pinta, Nina e Pilarica, homenagem às duas caravelas e nau utilizadas por Cristóvão Colombo em sua descoberta da América. O quarto sino homenageava a Senhora do Pilar.
O enorme cargueiro de 130 metros e quase 5 mil toneladas partiu de Gênova, Itália, levando pra Buenos Aires 38 tripulantes, e passageiros e uma carga de desde alimentos, bebidas, fármacos, máquinas, material de construção até carros esportivos e presentes do governo espanhol para a Argentina.
Certa noite, 1° de setembro de 1968, estão lá os marinheiros naquele tédio danado do oceano… Um vinhozinho aqui, outro acolá.. revendo um episódio atrasado de La Casa de Papel na TV do navio… o cargueiro encalhou na praia de Atalanta, na ilha de Boavista em Cabo Verde. O navio, encalhado, estava em perfeito estado, demonstrando algum erro humano mesmo – é claro que a história da Casa de Papel é brincadeirinha, mas a do vinho, nem tanto.
Os técnicos das Lineas Ybarra tentaram de tudo. Enviaram altos rebocadores, os mais modernos da Europa, mas, necas de pitibiribas. Desistiram e lá ficou o gigante cargueiro pra eternidade. Sim, está lá até hoje!
A companhia de seguros então resolveu vender o navio com tudo que tinha dentro. Com isso, tiveram que tirar toda a gigantesca carga manualmente, transportar para o outro lado da ilha, até o porto, e carregar em um outro navio. E não havia sequer estrada na ilha. A comida e, obviamente as bebidas, fizeram a farra da população local por anos. Toda a população, incluindo mulheres e crianças, de alguma forma participou da incrível empreitada.
Mas e os nossos sinos??? Não dava pra adiar a inauguração da Catedral em 1970. E ao mesmo tempo não havia mais tempo para fazer toda a operação dos sinos.
Lascou-se! E agora?
A Catedral de Brasília foi inaugurada em 1970 sem o campanário. A única catedral do planeta sem sinos. O governo da Espanha tomou a decisão então fazer novos e idênticos sinos às pressas na mesma fundição. Os originais, depois, levaram de volta pra serem refundidos na mesma forja que os havia feito. Com o cobre dos sinos que seriam os da nossa Catedral fizeram vários outros sinos menores que badalam até hoje em pequenas igrejas por toda a América Latina.
Os novos sinos chegaram a Brasília somente em 2 de julho de 1972. A Cúria Metropolitana chamou a Construtora Rabello pra erguer o campanário, projeto de Oscar Niemeyer. Só tinha um problema: A Cúria não tinha mais capital para esta obra.
Por anos e anos os gigantes badaladores dormiram caladinhos na sede da Rabello no Setor de Indústrias, enquanto os bispos faziam uma campanha de arrecadação entre empresas e turistas para levantar a grana necessária. Apesar de tanta pressa e de fazerem os espanhóis se virarem nos trinta pra mandarem os sinos, somente em outubro de 1976, com carreata e tudo, os sinos foram levados à Catedral, ainda sem o campanário. E os pobres coitados ficaram ainda mais um ano encostados. Loucos pra soltarem sua voz!
Por fim, em 1977, no dia 12 de outubro, o campanário, pronto, foi inaugurado pelo arcebispo Dom José Newton, mas só foram badalar, em dezembro desse mesmo ano, na missa do galo celebrada na Catedral.
Há muitos mitos sobre a história dos sinos originais. Um deles é que teriam afundado nas Ilhas Canárias ou nos Açores e estariam até hoje no fundo do mar. A verdade é que estavam no navio CABO SANTA MARIA, que hoje em dia é uma das grandes atrações turísticas de Cabo Verde. A praia inclusive é conhecida hoje como Praia do Santa Maria (mas com nome oficial de Atalanta).
Se buscarem praia de Atalanta, Boavista, Cabo Verde no Maps ele aponta para o navio). Última curiosidade: A Praia de Santa Maria continua com o nome oficial de Praia de Atalanta. Este nome foi dado, por uma incrível coincidência, porque ali também encalhou e afundou um navio, o Atalanta, que vinha da Dinamarca trazendo carga para o Porto de Santos.