Costumo dizer, em entrevistas e encontros com amigos, que **nós venezuelanos viemos do futuro**. Não é uma frase vazia nem exagerada: nos últimos 23 anos, **a vida política da Venezuela passou por tantos processos, a maioria deles autoritários disfarçados de democracia,** que para nós é comum antecipar situações que podem parecer inverossímeis em certos países.
Falar em liderança política num momento tão importante para o Brasil, país que me acolheu durante oito anos da minha infância, é uma grande responsabilidade. Fico admirado com a diversidade de partidos, propostas e opiniões que coexistem graças à pluralidade que permite a democracia no Brasil. O debate político, no Congresso e nas ruas, acontece amparado pela tranquilidade de se viver em um país onde ainda a liberdade de expressão é respeitada e valorizada. Porém, há quem queira criar leis para limitar as vozes dissidentes.
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**Pertenço à geração que nasceu em democracia, mas cresceu em ditadura.** A mesma geração de **Juan Guaidó**, deputado democraticamente eleito e atual presidente interino da Venezuela, que assumiu aos 35 anos as competências do Poder Executivo em fevereiro de 2019, como estabelecido pela nossa Constituição. O mesmo que tem sido reconhecido pelas democracias mais sólidas da comunidade internacional.
**Guaidó, sem dúvida, é o caso mais emblemático da importância da liderança jovem na política da Venezuela, mas não o único.** Desde o início dos anos 2000, pela primeira vez estudantes de diversas universidades públicas e privadas da Venezuela começaram a se unir e organizar numa rede que tinha por fim combater as arbitrariedades cometidas pelo então presidente Hugo Chávez. **Ameaças à liberdade de expressão, às empresas privadas e à autonomia universitária foram os alarmes que ativaram a necessidade de conformar um movimento de jovens a nível nacional** e exercer o nosso direito a protestar de forma organizada e também pacífica. Infelizmente, nossa incursão na política chegava tarde. O processo ‘revolucionário’ que levou a Venezuela ao caos e a miséria de hoje, já tinha começado.
Em 2002 decidimos acompanhar setores tão diversos como os sindicatos, à câmara dos empresários, meios de comunicação e funcionários da nossa estatal de petróleo, PDVSA, na sua convocatória da greve geral em todo o país, conhecida como Paro Cívico Nacional. Foi uma greve histórica, tanto pela sua duração -de dezembro de 2002 até fevereiro de 2003- quanto pela diversidade de setores que aglutinou. O nosso movimento ia tomando cada vez mais força. Na época, já se vislumbravam os futuros líderes da política venezuelana: Juan Guaidó, Juan Requesens, Gaby Arellano, David Smolansky, Miguel Pizarro… a lista é longa. A consolidação definitiva do _Movimiento Estudiantil Nacional_ chegou em 2007, quando o empenho de Chávez em mudar 69 artigos da nossa Constituição bateu de frente com a vontade popular expressada em um NO rotundamente maioritário. Foi a primeira derrota incontestável sofrida pelo ditador.
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**A minha geração se recusou a deixar o nosso futuro nas mãos dos líderes da velha política e, conscientes do nosso poder, ocupamos espaços e fundamos novos partidos políticos para fazer as mudanças que a nossa realidade, cada vez mais complexa, nos exigia**. Muitos dos fundadores do _Movimiento_ atenderam o chamado da sua vocação pelo serviço público como prefeitos, vereadores e deputados. A eleição da Assembleia Nacional de 2015, permitiu que Juan Guaidó, Gaby Arellano, Juan Requesens, Miguel Pizarro y Manuela Bolívar, entre muitos outros, lhe devolvessem à nossa Assembleia o caráter solene que nunca deveu perder. **Infelizmente, nós também somos a geração da cicatriz**: temos sido marcados pela repressão, o encarceramento, o exílio forçoso e até a morte, todos crimes executados por uma das ditaduras mais cruéis que a América Latina jamais conheceu. A deputada Gaby Arellano vive hoje desterrada na Colômbia. O deputado Juan Requesens foi preso em 2018 e condenado em 2022, sem provas, a 8 anos de prisão. David Smolansky, antigo prefeito do município El Hatillo, teve de fugir em 2017 pela fronteira de Pacaraima para chegar até Washington onde é o Comissionado da Organização dos Estados Americanos – OEA para a crise migratória venezuelana.
Hoje, nas ruas de Lima, Bogotá, São Paulo, Madri ou Nova Iorque, não é estranho escutar o sotaque venezuelano. **Somos mais de 6,8 milhões morando fora do nosso país e carregando o mesmo sonho:** voltar a ser a nação livre, próspera, que gerava riqueza para os inversores nacionais e estrangeiros e apaixonava os visitantes com seu jeito amigável e descontraído. Lembrem-se: **eu venho do futuro e aprendi que a democracia deve ser constantemente cuidada**.
A política deve se nutrir de novas lideranças motivadas pelo desejo de fazer do seu país o melhor, o mais próspero. Combater o populismo, acompanhar constantemente o desempenho dos seus governantes e condenar qualquer pretensão de ideologização dos órgãos do Estado. Os jovens do Brasil têm a grande oportunidade de garantir que o seu país continue sendo uma nação onde a democracia e a liberdade individual sejam os pilares nos quais descansem a sociedade e as suas instituições.
*_Tomás Silva Guzmán, ministro conselheiro da embaixada da Venezuela no Brasil_