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A desordem urbana chamada Estádio Mané Garrincha

Arena 360, administradora do espaço, cerca áreas públicas, dificulta vida dos usuários e lucra sem ter gasto um único centavo
Torcedores são obrigados a caminhar pelo meio da terra e do mato
Torcedores são obrigados a caminhar pelo meio da terra e do mato. Fotos: Jorge Eduardo Antunes

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No dia 4 de fevereiro de 2020, o Estádio Mané Garrincha deixou definitivamente de ser um problema do Governo do Distrito Federal (GDF) e passou para a administração da então Arena BSB SPE S/A, hoje rebatizada de Arena 360. Às vésperas de completar quatro anos da entrega das chaves, a empresa privada ainda não desembolsou um único centavo pelo espaço – reza o contrato que, em 2026, serão pagos R$ 5,05 milhões anuais, além de 5% do faturamento do complexo, pelos próximos 30 anos. Mas, ao menos, esperava-se ver um bem público em pleno funcionamento e respeitando as normas da cidade.

Não é bem isso que se vê. Hoje, o Mané Garrincha ganhou um namimg right. Essa, talvez, seja a única evolução do estádio, da qual apenas a empresa Arena 360 se beneficia, já que o contrato rende boa soma à empresa em toda a sua vigência. O morador de Brasília e os eventuais usuários de outros estados, porém, têm de encarar os muitos problemas ocasionados pela gestão do espaço, como barreiras que impedem o livre acesso, cobrança de valores absurdos para estacionamento, falta de obras e infraestrutura precária.

O que se percebe é que a concessão foi um negócio da China para a Arena 360s. Mesmo prejudicado pela pandemia de 2020, a empresa viu o caixa engordar com o namimg rights e com ações pouco ortodoxas no espaço que abriga o estádio Mané Garrincha, o ginásio Nilson Nelson e o centro aquático Cláudio Coutinho. Uma delas foi o reaproveitamento de um puxadinho utilizado durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, transformado no Mané Mercado. O projeto, feito a toque de caixa, durou três meses e acabou incorporando definitivamente a estrutura com cara de provisória ao complexo.

Outra aberração foi o fim da livre circulação pela região. Hoje, o terreno público cedido em Contrato de Concessão pela Terracap está completamente cercado – mas apenas onde é interessante. Torcedores que compram os caros ingressos para o Setor Norte do estádio sabem bem disso.

Torcedores caminham por meio de matagal antes e após os jogos
Torcedores caminham por meio de matagal antes e após os jogos, na ligação entre o Mané Mercado e o Setor Norte

Quem pagou absurdos R$ 40 pelo estacionamento, almoçou no Mané Mercado e foi assistir Bangu 2 x 2 Vasco no último domingo (28), passou por um festival de horrores. Impedidos de usar a área interna do complexo para mover-se, adultos, idosos e crianças foram obrigados a passar em uma trilha com subidas e descidas, com mato alto, buracos fundos e água empoçada, mesmo com a explosão dos casos de dengue na cidade.

O mafuá de infláveis, localizado ao lado das quadras de tênis, foi desmontado após meses enfeiando a vista de um dos mais belos prédios da capital, a sede do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Mas o show de horrores continua, com um estacionamento de ônibus urbanos bem à vista dos conselheiros. Não é o único. Há outros, que completam o circo que se transformou um espaço público.

O Le Cirque está instalado em pleno estacionamento do estádio
O Le Cirque está instalado em pleno estacionamento do estádio, ofuscando inclusive a visão do Mané Garrincha

E por falar em circo, no vale-tudo do Mané Garrincha há espaço para um deles, o Le Cirque. Mesmo adequado aos tempos modernos, ele se esparrama com suas tendas por um dos estacionamentos. Também há lugar para painéis de anúncios, uma das pragas urbanas da capital. No complexo há pelo menos três deles, todos desobedecendo a legislação por mostrarem imagens em movimento perto de vias onde carros passam.

A utilização do estádio mais caro da Copa do Mundo de 2014 – estima-se que o Mané Garrincha tenha custado mais de R$ 1,5 bilhão – não pode se ater apenas a partidas de futebol, especialmente pelo praticado no DF, hoje relegado à Série D, última divisão do futebol nacional, à participação de dois times na Copa do Brasil e ao Candangão, torneio de tiro curto. Shows de porte e eventos podem e devem fazer parte da rotina do local, e é até saudável que se anuncie um Carnaval por lá. Mas o que dizer de todas as utilizações fora de propósito do espaço?

Painéis publicitários também foram colocados no espaço do complexo
Painéis publicitários também foram colocados no espaço do complexo, com animações que podem atrapalhar os motoristas

No mínimo que o que está sendo executado na área é bem distante da promessa feita na assinatura do contrato de concessão. Na época, a administração da Arena 360 projetava “trazer novos 10 milhões de turistas para Brasília”. Na avaliação, isso iria potencializar a cadeia hoteleira, empresas aéreas, taxistas e restaurantes. Nada disso ocorreu. Mas antes de começar a pagar o que reza o contrato, a Arena 360 pede, isso sim, mais prazo para pagar – uma prorrogação em um jogo que já deveria valer. 

Menos de cinco anos depois, as reformas e a revitalização no espaço, incluindo paisagismo e adequações em todo o equipamento, não andaram. A área do estádio está feia, bloqueada e com aspecto degradado. Mas o cofre está cheio, graças a bons shows e jogos trazidos pelos produtores. Parece ser apenas o que importa, pois até o momento da publicação desta reportagem, a Arena 360 não respondeu os pedidos de esclarecimentos enviados na última terça-feira (30). O espaço segue aberto para a manifestação da empresa.