A saúde mental é uma parte intrínseca da nossa jornada como seres humanos, e as condições que a afetam são mais comuns do que imaginamos. No entanto, mesmo com sua alta prevalência, muitas pessoas que vivem com transtornos mentais enfrentam diariamente o estigma – um preconceito ainda muito enraizado na nossa sociedade.
Em 2011, entrevistei o saudoso humorista Chico Anísio e ele me confidenciou que fazia tratamento para depressão há muitos anos. Falamos como o preconceito afeta indivíduos com quadros psiquiátricos e os profissionais que cuidam dessas pessoas também. Após muito estudar sobre o tema, percebemos que era necessário dar um nome a este preconceito e assim surgiu o neologismo psicofobia, que é o preconceito contra os padecentes de doenças mentais.
A psicofobia é alimentada pela incompreensão e falta de informação científica. Essa mentalidade negativa contribui para a exclusão social e a discriminação, permeando todos os aspectos da vida, desde o ambiente doméstico até o local de trabalho, passando pela escola e até nos serviços de saúde.
Apesar de falarmos mais sobre a importância da saúde mental e apesar dos avanços que conquistamos nesse campo, o estigma em relação às pessoas que sofrem de alguma doença mental, e das formas de tratamentos ainda persistem. Por isso, ainda precisamos falar muito sobre este tema e buscar formas de combater o preconceito.
As doenças mentais, como depressão, ansiedade, bipolaridade e esquizofrenia, TDAH, autismo, quadros demenciais, etc, são condições médicas sérias que requerem intervenção profissional. O não tratamento dessas condições pode levar a uma série de complicações, incluindo o agravamento dos sintomas, comprometimento da qualidade de vida e até mesmo riscos à vida.
Um dos aspectos mais prejudiciais do estigma em relação à doença mental é a associação pejorativa entre doença mental e violência. As pessoas que sofrem de doenças mentais muitas vezes são rotuladas como “loucas”, “instáveis”, “perigosas” ou “violentas”, o que pode levar à discriminação e ao isolamento social. Esse estigma cria uma barreira para aqueles que buscam ajuda, pois o medo do julgamento e da rejeição pode impedir que eles procurem o tratamento necessário.
Além disso, o preconceito em relação à medicação para aqueles que padecem de doenças mentais contribui para a estigmatização dessas condições. É fundamental entender que esses medicamentos são ferramentas eficazes no tratamento de várias doenças mentais, assim como outros medicamentos são para outras doenças. Negar o papel essencial da medicação é a anticiência e, dizer que o foco é só na medicação também é preconceito.
A psiquiatria acredita na complexidade do tratamento, que varia desde a reeducação alimentar, atividade física regular, reestruturação da maneira de ser e de viver, associada a psicoterapia médica ou psicológica faz toda a diferença.
Precisamos também alertar para o uso indiscriminado de medicamentos e mesmo de psicoterapias, os dois têm efeitos colaterais importantes. Propagandas que oferecem soluções rápidas para emagrecimento, curas milagrosas e outros remédios sem acompanhamento correto de um psiquiatra, podem levar a complicações severas. Muitos medicamentos utilizados no tratamento de doenças mentais têm potencial para causar dependência quando usados de forma inadequada ou não supervisionada.
O preconceito em relação às doenças mentais pode se manifestar de várias formas, desde estereótipos negativos e discriminação até o medo e a vergonha de buscar ajuda. Essa estigmatização cria uma cultura de silêncio em torno das doenças mentais, onde as pessoas hesitam em falar abertamente sobre seus dilemas, sofrimentos e alterações do comportamento ou procurar tratamento por medo de serem julgadas ou rotuladas.
Como resultado, muitas pessoas que precisam de ajuda não recebem o apoio necessário. Elas podem se sentir isoladas e desamparadas, o que agrava ainda mais seus sintomas e aumenta o riscos de suicídio.
No Brasil, assim como em muitos outros países, o suicídio é uma preocupação de saúde pública crescente. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o país registra mais de 15 mil casos por ano. Esses números alarmantes destacam a urgência de abordar a questão do suicídio e os fatores que contribuem para ele, incluindo o preconceito em relação aos transtornos mentais.
O preconceito é uma questão séria que tem consequências significativas para a saúde e o bem-estar das pessoas afetadas. Para combater esse estigma, é fundamental promover a conscientização, a educação e acesso gratuito ao tratamento. Atualmente no Brasil, não temos medicamentos para depressão, transtornos alimentares e outras doenças do tipo nas farmácias populares. Ao oferecer apoio e garantir acesso ao tratamento às pessoas que sofrem de transtornos mentais, podemos ajudar a prevenir o suicídio.
*Dr. Antônio Geraldo da Silva é médico psiquiatra, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo. É Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo”, da Campanha ABP/CFM Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.