*Por Nilma Lino Gomes
O reconhecimento da beleza da nossa **diversidade cultural, étnica e racial** não tem sido suficiente para dissipar as **desigualdades históricas** construídas desde os tempos coloniais. Os mais de 300 anos de escravidão, a violenta exploração e posterior abandono da população negra, o genocídio dos povos indígenas e a construção da sociedade de classes são fatores que **inviabilizam o pleno exercício da cidadania**. Mesmo nos momentos mais democráticos não fomos capazes, como nação, de atacar frontalmente o **racismo**. Ainda que o seu reconhecimento como **crime inafiançável** e imprescritível tenha sido um grande passo na construção da democracia, a ordem legal não tem sido suficiente para desmontar a máquina racista.
A desigualdade econômica, social, racial, de gênero e de orientação sexual faz parte da estrutura social do nosso país. Portanto, **viver e ser educado**, no Brasil, em uma perspectiva democrática de educação significa, do ponto de vista escolar, aprender desde a educação infantil até o ensino superior que convivemos com um **histórico de opressões e violências** que recaem com maior contundência sobre certos coletivos sociais e étnico-raciais. E numa democracia plena, **ninguém deveria ficar de fora** dos direitos civis, sociais, políticos, humanos e econômicos, principalmente **devido a sua raça/cor**, à sua diferença. Se isso acontece, significa que ainda falta muito para atingirmos a emancipação, a igualdade e a equidade no projeto democrático que estamos construindo.
Um dos impedimentos para a realização desse projeto é a presença do **racismo estrutural** em nossas instituições e relações sociais. Por racismo estrutural identificamos um longo **processo político e histórico** que cria e mantém as condições para que mecanismos de **subordinação e exclusão** de determinados grupos racialmente identificados sejam **naturalizados e justificados**. Assim compreendido, o racismo estrutural encontra no mito da democracia racial, na ideologia do branqueamento e na desigualdade de classes e de gênero, formas de se **espraiar e se radicar** nas estruturas, na cultura, nas mentalidades, nos comportamentos e nas ações.
Em um país racista, **não basta dizer que queremos uma educação democrática** e com qualidade social para que negras e negros tenham o direito de permanecer na escola com dignidade desde a educação básica ao ensino superior. E para que os não negros aprendam a ser antirracistas. Há que se **mexer nas relações de poder**, nos espaços de representação política, no mercado de trabalho, bem como nas diretrizes e nas bases da educação. Há que se **modificar currículos**, formação de professoras e professores, inovar os processos de gestão. E, simultaneamente, é necessário lutar pela **democratização da sociedade** e pela **garantia de direitos**, principalmente para os excluídos, dentre os quais, encontra-se a população negra.
É com essa perspectiva de **denúncia e anúncio** que devemos compreender o sentido da legislação brasileira relativa à educação para as relações raciais. Mais do que **ensinar a história e a cultura dos afro-brasileiros e dos africanos** em disciplinas específicas nas escolas da educação básica, a Lei 10. 639/03 (que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e sua regulamentação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana e um **plano nacional específico para a sua implementação**.
A partir dos artigos 26 A e 79 B, o CNE adensou e estipulou áreas de abrangência, responsabilidades e instruiu formas de implementar essa legislação em toda a educação básica e na formação inicial de professoras e professores.
Não é somente do ensino que se trata essa mudança da legislação. Ela diz respeito a **articulação entre educação democrática e antirracista**. A LDB explicita um importante princípio educacional: toda educação democrática deve ser antirracista e **toda educação antirracista deve ser democrática**.
Por quê? **Porque vivemos em um país ao mesmo tempo diverso e desigual**. Há mais riqueza nesta diversidade do que o racismo nos deixa enxergar. Há mais desigualdade do que o racismo nos deixa compreender. Mas, como educadoras e educadores, sabemos que não se democratiza e nem se constrói o antirracismo na educação se não o fizermos na sociedade. Nossos projetos de reconstrução e transformação do Brasil precisam **incorporar o enfrentamento ao racismo em todas suas profundas e complexas articulações**. Mas, é preciso lembrar Paulo Freire: a educação não é suficiente para mudar a sociedade, mas sem seu concurso, não haverá mudanças. Que lugar tem a educação na construção de uma sociedade democrática e antirracista?
![Nilma Gomes / Foto: cortesia](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/nilma_gomes_f7e36ad9d0.jpeg)
*Ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Professora Emérita da UFMG. É consultora da Fundação Santillana para Políticas Antirracistas.