Se já é angustiante apenas ver as imagens do terremoto que ocorreu na última terça-feira em Taiwan, imagina sentir o tremor, literalmente, na pele? O terremoto, de magnitude acima de 7, foi o maior sofrido pelo país nos últimos 25 anos. Até o momento, 12 mortes foram confirmadas, 42 pessoas estão desaparecidas e milhares de pessoas ficaram feridas devido ao abalo. Na capital, Taipei, residem 2,6 milhões de pessoas, entre elas, algumas centenas de brasileiros. A redação do GPS | Brasília conversou com um deles, que já morou na Capital Federal e que trabalha há dois anos como diretor do Escritório de Representação do Brasil em Taiwan.
Miguel Magalhães tem 68 anos e mora em um apartamento no 14º andar de um prédio localizado no centro da capital, perto do edifício Taipei 101, que possui 101 andares e é o símbolo mais conhecido da cidade. Tanto no Taipei 101, que já foi considerado o prédio mais alto do mundo entre 2004 e 2009, como no edifício em que o diplomata reside, o terremoto foi bastante sentido, mas não causou danos na estrutura. Isso porque Taiwan se preparou bastante ao longo dos anos para esse tipo de incidente.
Por trabalhar com representação diplomática, Miguel já morou em muitos lugares diferentes, inclusive em Brasília. Natural do Ceará, ele deixa claro como ama o Brasil, mas ressalta que gosta do trabalho que vem fazendo na Ásia e se mostra preparado para representar o Brasil em situações como essa.
Confira agora, na íntegra, a entrevista que Miguel Magalhães concedeu a nossa equipe descrevendo os momentos apavorantes que ele vivenciou com o terremoto e também contando um pouco sobre como é morar em Taiwan.
Vamos começar pelo principal… Onde você estava na hora do terremoto? Qual foi sua reação?
Eu estava saindo do quarto e indo para a sala de jantar quando o prédio começou a ser sacudido violentamente, mas tão violentamente que era impossível ficar de pé. Eu tentei apoiar-me nos móveis em volta, mas acabei sendo obrigado a me sentar no chão. Após cerca de um minuto e meio, e isso é muito tempo para um terremoto, eu consegui me levantar e correr para ver como estava a minha família no andar de cima do apartamento. Estávamos todos, evidentemente, muito assustados, na verdade, apavorados. Embora a reação instintiva seja de sair correndo, eu sabia que não podia pegar elevador. Nessas horas, elevador é muito perigoso. E descer 14 andares de escada num recinto fechado não me pareceu boa alternativa, não. Ficamos no apartamento, assim mesmo, e aí começamos a notar os estragos causados pelo assustador terremoto.
Qual foi o prejuízo material que você e sua família tiveram?
Olha, várias peças de porcelana, copos quebrados, uma estante grande de alumínio completamente destruída, com dezenas de livros arremessados no chão. Quadros caídos, também aparelho de som, de TV, além de outros objetos. Gavetas abertas, também portas de armário, com os conteúdos atirados no solo. Aí lembramos de pegar sacola, famosa sacola de terremoto e tufão, que contém itens de pronto-socorro, água e alimentos para dois dias.
Depois de perceber os estragos, qual foi sua primeira atitude?
A energia elétrica voltou após meia hora de corte. Pelo celular, eu comecei a buscar maiores esclarecimentos sobre a situação, porque o WI-FI sumiu e a TV em chinês não era exatamente uma opção viável como fonte de informações. Comuniquei-me imediatamente com os funcionários da representação brasileira aqui e depois de saber que estavam todos bem, começamos a entrar em contato com os membros da comunidade brasileira residente em Taiwan. Foi aí que eu soube que, felizmente, não havia vítimas brasileiras, condição que perdura até hoje.
O país já começou a agir para reparar os danos do último terremoto?
Os taiwaneses já começaram a reparar os danos causados nas linhas de trem e metrô. E também já estão limpando os escombros dos prédios afetados. E o Corpo de Bombeiros continua na busca dos 42 desaparecidos. Na cidade de Hualien, por exemplo, que fica bem perto do epicentro, 53 prédios desabaram. E os especialistas em sismologia dizem que o número de 42 pessoas desaparecidas é surpreendentemente pequeno em relação à magnitude do terremoto.
Você considera Taiwan preparada para esse tipo de desastre natural?
Taiwan começou a se preparar melhor para terremotos depois do grande abalo de 1999, que causou mais de 2.400 mortes, 11 mil feridos e cerca de 100 mil desabrigados. Desde então os taiwaneses mudaram as normas de construção civil para prédios, escolas e residências e passaram a realizar exercícios regionais de preparação para desastres naturais, que além dos frequentes tremores de terra, também há tufões.
Que tipo de tecnologia Taiwan possui para a prevenção dos terremotos?
Além das inovações nas construções que eu citei, os taiwaneses inventaram um sofisticado sistema de aviso prévio de terremotos. Mas, na verdade, não funciona muito bem, como ficou demonstrado nos últimos dias, quando não houve nenhum aviso prévio dos vários terremotos que se seguiram após o maior deles.
Você disse que morou em muitos países. Já sentiu um terremoto como esse antes?
Ao longo desses 40 anos que tenho de carreira, morei já em lugares onde abalos sísmicos acontecem com frequência, tais como Los Angeles, Tóquio, São Francisco e Bagdá. Aqui em Taipei já foram, nos últimos três anos, vários terremotos, mas nunca senti um tão forte quanto esse do dia 2 de abril.
Como é morar em Taiwan?
Taipei é uma metrópole com milhões de habitantes, onde se misturam as áreas modernizadas com vizinhanças antigas. Cidade tipicamente asiática, com alta densidade populacional, Taipei oferece excelente culinária. Tanto que um dos cumprimentos informais mais comuns aqui é um que significa: “Você já comeu hoje?”
Nas duas últimas décadas, é bom talvez destacar que Taiwan se tornou importante no mundo, economicamente falando, graças à tecnologia desenvolvida pelos taiwaneses na fabricação de chips, que são insumos indispensáveis para qualquer produto com componente eletroeletrônico. Isso vai de automóveis e celulares a mísseis submarinos. O crescimento econômico dessa ilha evidentemente elevou o padrão de consumo dos taiwaneses, mas consequentemente o custo de vida em geral, principalmente os preços de aluguel de imóveis. E como você sabe, estrangeiros geralmente têm. Tem que pagar mais do que os locais.
Pretende voltar ao Brasil? Desastres naturais como esse aumentam a vontade de voltar para casa?
Eu estou fora do Brasil há mais de oito anos e, sendo diplomata, trabalhar no exterior chega a preencher vários anos da carreira. Eu vim para a Taiwan, transferido pelo Itamaraty, de Bagdá, onde fui embaixador do Brasil junto ao Iraque. O meu retorno está nas sábias mãos do Itamaraty, mas mudanças repentinas são sempre complicações desnecessárias. E um terremoto como esse, ainda que apavorante, não será motivo para antecipar a minha saída daqui. Gosto do que eu faço e, na ausência de reclamações, acho que não devo estar me saindo tão mal, né?