Apátrida por 26 anos até chegar ao Brasil, onde conquistou a nacionalidade, Maha Mano é uma das ativistas de Direitos Humanos mais respeitadas do mundo. Naturalizada brasileira, Maha reside em Paris, onde atua como facilitadora da Organização das Nações Unidas (ONU) e palestrante internacional. Sua trajetória de vida é marcada por desafios únicos. Nascida em Beirute, Líbano, enfrentou a falta de direitos básicos devido às leis de nacionalidade daquele país. Ela lançou um livro chamado “Maha Mamo: A luta de uma apátrida pelo direito de existir”, que reflete sua história e busca pelos direitos.
Veja a entrevista completa abaixo:
Fale sobre a sua trajetória de vida. Onde você nasceu? (GPS)
“Eu sou a Mahamamo. Nasci em Beirute, Líbano. Minha mãe é muçulmana, meu pai é cristão. O casamento inter-religioso na Síria é ilegal. Quando eles se conheceram na Síria, eles se mudaram da Síria para o Líbano. N Líbano, eles se casaram. O casamento nunca foi registrado. Eles tiveram três filhos. Minha irmã, eu e meu irmão, nascidos no Líbano, não é libanês, porque você é libanês somente se seu pai é libanês. Ao mesmo tempo, a gente não podia ser sírio. Nascemos apátridas. Com isso, vem todos os desafios que uma pessoa sem tem nacionalidade, sem tem RG, sem CPF. Apátridas significam as pessoas que não têm registro oficial. Assim que eu cresci, vivi por 26 anos no Líbano tentando sobreviver. Queria ser médica, infelizmente, não deu porque não tinha documento, então, não consegui me matricular na universidade. Felizmente, teve uma universidade no Líbano que aceitou me ajudar, aceitou que eu realizasse meus estudos lá. Eu consegui estudar sistema de informação e tenho mestrado em administração”. (Maha Mano)
Como você se transformou em uma ativista internacional de Direitos Humanos?
“Na verdade, eu não me transformei, mas achei o meu caminho da vida, a minha missão de vida. Então, na minha chegada aqui no Brasil, eu comecei a lutar pela minha existência, para ter os meus documentos. Nesse caminho, eu perdi meu irmão, que foi assassinado numa tentativa de assalto. Entendi, naquele momento, que paara mim eu não queria morrer também como apátria, porque quando você nasce, você não tem uma certidão de nascimento, você morre, você não tem certidão de óbito. Então, a sua existência foi uma sombra. No caso do meu irmão, a gente teve sorte que ele conseguiu a certidão de óbito, porque estávamos aqui, no Brasil, como refugiados. O Brasil hoje virou um exemplo para o mundo inteiro com a lei que a gente tem. Então, para mim, aquele momento foi a descoberta de que eu quero lutar, eu quero existir, eu quero pertencer, eu quero ter a minha nacionalidade. E quando eu consegui a minha nacionalidade e a da minha irmã, me senti 100% satisfeita. Mas existem ainda 10 milhões de pessoas no mundo inteiro que não têm nacionalidade. Quem vai dar voz para eles? Foi assim que eu fui me transformando primeiro numa palestrante motivacional. Depois, fui lutando pelos direitos humanos. Então, não tem uma coisa separada da outra. É assim que eu me tornei uma ativista internacional de direitos humanos.”
Fale um pouco sobre a sua luta em defesa dos direitos humanos? Em quais países você já atuou? Quais causas foram mais marcantes?
“Em 2014, a Organização das Nações Unidas lançou uma campanha chamada ‘I Belong, eu pertenço’, que é Dark Noir. Entrei em contato e me tornei a voz e a imagem dessa campanha no mundo inteiro. Então, comecei a participar muito dos eventos da ONU no Brasil, depois, comecei a viajar. Fui para Curaçao, Trindade e Tobago, Turquia, Genebra, Bélgica, Holanda, Costa Rica, Panamá, Chile, Argentina, foram muitos países onde eu compartilhei a minha história, onde consegui contribuir um pouco com mudanças das leis, onde realmente eu consegui ver que a minha história fez diferente na vida das pessoas. Elas escutam a história e sabem que esse é uma questão humanitário, não é nem política, nem religiosa”
O que significou para você se tornar a ativista internacional de Direitos Humanos, símbolo da Acnur, da ONU, da campanha I Belong?
“A minha participação desde o primeiro dia nesse campanha I Belong virou, eu era a imagem, eu era o símbolo, eu participava muito, eu virei o 50% do trabalho que eles precisam fazer porque é colocar o rosto humano, deixar as pessoas realmente se sentirem, realmente se simpatizar, ver que não, a gente não somos só números, a gente somos humanos, a gente tem potencial e a gente existe e a gente contribui além de existir. Então esse foi realmente o meu trabalho. Hoje a gente está em 2023, faz nove anos que essa campanha existe, ano que vem já acaba a campanha e a gente começa outras atuações. Esse ano eu esteve em Genebra semana passada moderando o primeiro painel que é feito de apátridas e de pessoas que foram apátridas no mundo inteiro, então a gente era cinco pessoas fazendo esse painel, eu moderando com só apátridas. Participação só de apatridia. Então, na sede da ONU do Acnur, em Genebra, isso significou muito para mim, porque significa que eu consegui fechar um ciclo de uma pessoa que via Acnur como símbolo muito longe a moderar um evento lá.”
Você foi apátrida por 26 anos, sem direito a nenhum direito básico. Conta um pouco sobre essa experiência e como ela reflete no seu trabalho.
“Fui apátrida por 26 anos no Líbano, sem ter nenhum direito básico no Líbano, mas eu achava ‘meus jeitinhos, os favores’, porque têm sempre no mundo pessoas que acreditam no bem, pessoas que acreditavam que eu não tenho nada a ver com o que aconteceu na minha história. Eu não escolhi meus pais, eu não escolhi nascer, apesar que eu escolheria de novo meus pais de qualquer jeito. Acredito que as leis foram escritas por seres humanos, e seres humanos erram. Então, não é a culpa nem do Líbano, nem da Síria. A culpa está em simplesmente ter caído naquele gap pequeno que nos tornou apátridas.”
Hoje você é naturalizada brasileira? Por quantas vezes já veio ao Brasil e qual foi o maior período que permaneceu aqui?
“Sim, hoje eu sou naturalizada brasileira, 100% brasileira, casada com uma brasileira. Eu a conheci em Belo Horizonte, quando eu cheguei. Hoje, trabalho com um palestrante global, então, viajo muito, especialmente, para o Brasil. Com a Covid-19, mesmo com aquela paralisação mundial, as palestras nunca pararam porque eu fiquei fazendo online. Em razão do trabalho da minha esposa, a gente se mudou para os Estados Unidos, depois para Paris, mas isso não impede nada que a volta ao Brasil para rever os amigos, a família. Se Deus quiser, passarei a Natal e o Ano Novo no Brasil com família, porque hoje, com a nacionalidade brasileira, eu consigo voar o mundo, consigo viver uma vida normal igual a qualquer outro brasileiro, buscando oportunidades, buscando uma vida melhor para mim e para minha família.”
No Brasil, em quais frentes os direitos humanos você tem atuado?
“Em três pilares. O primeiro envolve os refugiados, porque quando eu cheguei eu era refugiada. O segundo são os apátridas. Em terceiro, são os imigrantes. Então, esse é o meu trabalho mais importante para tentar sensibilizar as pessoas a entenderem a questão da inclusão e pertencimento. Incluir as pessoas que são diferentes não significa que você está tirando o mérito dos outros, mas significa que você consegue ganhar com isso, contribuir, trazer para você mais cultura, mais informações.”