Diante de críticas ao PL 2.338/2023, que regulamenta o uso de inteligência artificial (IA) no país, o relator da proposta, senador Eduardo Gomes (PL-TO) apontou que fará novas audiências para ampliar o debate e disse que vai buscar um texto de convergência sobre o tema. A afirmação foi feita em audiência pública na manhã desta quarta-feira (1º), na comissão temporária criada para analisar o texto elaborado por uma comissão de juristas, em que o projeto voltou a ser criticado.
Entre as questões recorrentes estão, por um lado, o critério para a classificação de riscos para a sociedade, que não consideraria as especificidades de cada setor — o que é visto como um entrave para o desenvolvimento de aplicações —; e, por outro, brechas que podem levar à discriminação de grupos minoritários.
Eduardo Gomes reforçou que o trabalho da comissão de juristas foi fundamental para dar o ponto de partida para o debate no Congresso Nacional e que IA é um tema que está em constante transformação:
“Vamos buscar a convergência. IA é o primeiro assunto que você conversa com o especialista hoje e dois meses depois ele sabe menos. Vamos intensificar o reconhecimento e a participação de todos os expositores. […] Promoveremos mais dois ou três debates virtuais com todos para que a gente possa chegar a um texto “, sugeriu o senador.
Durante a audiência requerida pelo senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) para debater os impactos da inteligência artificial nos setores da indústria, agricultura, público, financeiro e Judiciário, especialistas apresentaram suas discordâncias ao projeto.
Coordenador de Governança em Ciência, Tecnologia e Inovação da Rede Governança Brasil (RGB), Walter Marinho apontou que testes sobre o uso da IA em julgamentos com base em dados existentes evidenciou a existência de vieses preconceituosos.
“Nós temos um case que, em determinadas regiões onde havia um grande número de crimes, ela [a aplicação de IA] automaticamente sugeria que as pessoas daquelas regiões poderiam ter uma maior chance de cometer crimes. E automaticamente ela condenava essas pessoas com penas maiores do que pessoas de outras regiões com crimes iguais. Daí a importância de uma revisão humana”, apontou.
A intenção debatida no Judiciário, de acordo com o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, é a de avançar em uma aplicação que garanta uma análise rápida de dados e que facilite a redação dos textos dos magistrados e não criar robôs que tomem essas decisões.
“A ideia não é ter um robô julgando casos, mas ajudando no levantamento com base na jurisprudência do próprio magistrado e de outros tribunais. Não é possível ficar para trás nessa matéria”, disse.
Alto risco
Para o Presidente do Conselho de Inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Giovanni Cerri, a atual redação do projeto, que classifica todas as aplicações na área da saúde como de alto risco, impede o avanço do uso da IA no setor.
“A Anvisa já estabeleceu diferentes níveis de enquadramento para aplicativos com IA. Se considerarmos todas as aplicações como de alto risco, vamos inviabilizar parte da pesquisa e da aplicação da IA na saúde. Vamos retardar o processo”, criticou.
A professora do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) Crisleine Yamaji também considera que o texto aborda a IA predominantemente pelo lado dos riscos e não dos benefícios. O texto, segundo ela, é um modelo importado que não se aplica à realidade brasileira.
“Praticamente todos os setores produtivos estão dentro de alto risco. Quando se faz isso, a gente pressupõe que o uso da IA é negativo. É preciso permitir uma flexibilidade para que os próprios setores possam categorizar e estabelecer monitoramentos, sem burocratizar demais”, avaliou.
Também participaram do debate na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA) o coordenador do Grupo de Governança e Regulação de Dados da Zetta, Daniel Stivelberg; o presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Estado do Rio de Janeiro (Assespro-RJ), Robert Janssesn; o gerente da Unidade de Difusão de Tecnologias da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Bruno Jorge Soares; e Marco Antonio Lauria, membro do Conselho da Associação Internacional de Inteligência Artificial (A2IA).
Fonte: Agência Senado