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Marcelo Adnet faz seu primeiro papel dramático em ‘A Divisão’

 

A terceira temporada da série A Divisão, que chegou ontem, sexta-feira, ao Globoplay, traz um reforço no elenco: o ator Marcelo Adnet. Ele será Armando Albuquerque, um poderoso executivo de gravadora que será vítima de um sequestro. Na história – que se passa no início dos anos 2000 -, criada por José Junior e José Luiz Magalhães, Armando passa cinco semanas no cativeiro.

Ele será salvo pela equipe da DAS (Divisão Antissequestro) comandada pelos policiais Carlos Mendonça ( interpretado por Silvio Guindane) e o investigador Juliano Santiago (Erom Cordeiro), os protagonistas da história.

O personagem exigiu de Adnet, conhecido por atuar em comédias, uma preparação intensa, segundo contou ao Estadão. A ordem do diretor Lipe Binder era ser o mais realista possível, uma marca da série. Adnet foi além. Para atingir o resultado que desejava neste primeiro grande papel dramático, ele teve contato com ex-sequestradores, egressos do sistema prisional. O encontro foi organizado por José Junior, fundador do AfroReggae, – ONG que promove a inclusão e a justiça social por meio da arte. Esse contato foi fundamental para ele entender os detalhes de um sequestro.

Além da participação na série, Adnet continua no canal SportTV, como comentarista de jogos em fins de semana. Trabalha ainda, sob o comando da diretora Patrícia Pedrosa, na retomada do núcleo de humor da TV Globo, além de estar no programa Sobre Nós Dois, que comanda no GNT ao lado de Sabrina Sato.

Na infância e na adolescência você deve ter acompanhado grandes casos de sequestro, como o de Abílio Diniz e do irmão de Zezé di Camargo e Luciano. Como lembra desse período?

 

Morar no Rio (Adnet foi criado no bairro de Botafogo) é conviver com grandes problemas urbanos, sobretudo desigualdade social e violência. Tenho uma memória forte dessa época. Foi o mundo que eu conheci como realidade. A DAS conseguiu erradicar esse tipo de sequestro. Mas a violência não diminuiu: ela se sofisticou, foi para outros lugares, se estruturou. Hoje vivemos uma violência 2.0.

Você já conhecia essas questões ou foi buscar informações para atuar?

 

Eu tinha um conhecimento como qualquer cidadão interessado no assunto. Sou jornalista, sempre tive interesse em conhecer o que me cerca. Para a série, me inteirei bem sobre o assunto. O José Júnior organizou uma reunião para mim com ex-sequestradores que atuaram na década de 1990. Essas pessoas foram presas, ficaram cerca de uma década na cadeia e foram soltas. Elas saem condenadas pela sociedade, não conseguem emprego. Uma parte de nós julga: essa pessoa fez um mal, foi cruel com alguém. Por outro lado, ela já passou pela cadeia, não está mais envolvida, está a fim de se reintegrar. Mas ali aprendi os pormenores dos sequestros, a falta de interesse em maltratar as vítimas. Ex-sequestradores me contaram sobre o pai do Romário, por exemplo. Ele pediu cigarro, cerveja e um baralho para jogar. Eles atenderam. Isso serve para controlar a vítima. Na série, pude trabalhar com atores e orientadores, profissionais empregados pelo AfroReggae que fazem a reintegração de quem não está mais no crime. Para aumentar mais ainda o realismo, fizemos as cenas de cativeiro em um barraco no Morro do Borel que um dia já serviu de cativeiro. Havia uma carga emocional forte lá.

De que modo isso foi importante para seu trabalho?

 

Eu, como ator, consigo imaginar como é se apaixonar, como é se frustrar em uma relação amorosa, estar doente, deprimido, eufórico, triste. Mas nunca fui sequestrado. Era uma papel que exigia uma preparação especial. Como é que se comporta um sequestrado? Sei lá… A preparadora de elenco, a Isadora Ferrite, também me ajudou muito.

De que maneira?

 

Como um comediante vai fazer um personagem que em 80% dos capítulos está em um cativeiro? Tive que me entregar totalmente. Enquanto a equipe trocava a luz, eu ficava deitado no colchonete, algemado em um botijão de gás. O clima era pesado e bom para um ator. Entrei em transe. Foi muito intenso. Me animalizei. O sequestrado se torna uma pessoa assustada , perde suas referências. Pensei realmente que estava ali, sequestrado.

Foi seu papel mais forte como ator até agora?

 

A Divisão foi, sim, a minha experiência mais forte como ator. E confesso: espero que me abra portas na dramaturgia. Às vezes, os atores de comédia ficam isolados.

Era algo que você estava esperando para fazer, então?

 

Sim. Esperava, e nunca chegava. Foi preciso o olhar carinhoso do José Junior e do Erick Bretas (diretor de Produtos Digitais e Canais Pagos da Globo). Tenho também vontade de fazer dramaturgia ou comédia em inglês e espanhol. Uma forma de falar com o mundo.

Você faz um executivo de gravadora, em uma época pré digital, em que eles mandavam em tudo, eram influentes…

 

Sim, outro mundo. São duas coisas que não existem mais: essa figura de diretor de gravadora e os sequestros como a gente conhecia. Os dois mercados, o musical e o criminal, evoluíram e se transformaram.

Na série, ninguém é apenas mocinho ou vilão. Como você, agora, enxerga esses dois lados?

 

Na equipe também havia ex-policiais , prestando consultoria e vivendo com esses egressos. Para mim, um cara de fora, do outro lado do muro que divide a sociedade, é algo que causa admiração. Achava impensável olhar para um ex-sequestrador. Mas, você senta com os caras e eles são dóceis, carinhosos. Fica uma dúvida: como eu os classifico? Eles são ou foram sequestradores? Será que estou sendo muito permissivo? Não há verdades fáceis.

Essa experiência vai te ajudar como ator e compositor de samba enredo para escolas de samba?

Muito, e também como cidadão. A cultura não vem dos salões. Vem dos becos e vielas. O viver da elite não inspira composições ‘sambísticas’. Compus agora um samba para a Unidos da Tijuca, que é a escola que tem ligação com o Borel, sobre as navegações portuguesas. É uma crítica. Tem um trecho que diz “pesa a Vera Cruz na consciência. Quem deve o perdão, que sare a ferida”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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