“Minhas pernas sempre doeram, mesmo quando eu estava magra. Eu pensava que era culpa minha”. Esse relato faz parte de milhares de mulheres que convivem com uma condição ainda pouco conhecida: o lipedema. Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), cerca de 11% das mulheres podem ser afetadas por essa doença crônica e progressiva, marcada pelo acúmulo anormal de gordura nos membros inferiores, dor, sensibilidade e hematomas frequentes.
Apesar da prevalência, o lipedema ainda é confundido com obesidade ou retenção de líquidos, o que atrasa o diagnóstico e o tratamento. Em entrevista ao GPS|Brasília, o nutricionista funcional Renato França explica como a abordagem integrada — especialmente a nutricional — pode transformar a qualidade de vida dessas pacientes.
1. O que é o lipedema e por que ele ainda é tão pouco reconhecido? [GPS|Brasília]
“O lipedema provoca acúmulo de gordura em áreas específicas do corpo, geralmente nas pernas e quadris, acompanhado de dor e sensibilidade aumentadas. Não está relacionado apenas a excessos alimentares e não responde bem a dietas convencionais. A falta de formação médica sobre o tema e a confusão com sobrepeso fazem com que muitas mulheres passem anos sem diagnóstico. Segundo a SBACV, o desconhecimento é um dos maiores obstáculos para o tratamento adequado.” [Renato França]
2. Quais profissionais devem de forma conjunta no tratamento?
“O tratamento ideal é multiprofissional. O médico vascular diagnostica e acompanha a evolução, podendo indicar cirurgia em casos específicos. O nutricionista atua na modulação da inflamação e no suporte digestivo. A fisioterapia dermato-funcional ajuda no controle do edema e melhora da circulação. O educador físico adapta treinos para preservar articulações e fortalecer a musculatura, favorecendo a saúde vascular. O psicólogo apoia autoestima e adesão ao tratamento. O trabalho em equipe de forma organizada e complementar potencializa os resultados clínicos e emocionais.”
3. Como a nutrição funcional e a saúde digestiva ajudam no tratamento do lipedema?
“A nutrição funcional vê o corpo como um sistema interligado. No lipedema, cuidar do intestino é essencial para absorver nutrientes, auxiliar na regulação da inflamação sistêmica e equilibrar a microbiota. Estudos mostram que pacientes com lipedema apresentam inflamação persistente — a chamada inflamação crônica subclínica — e maior sensibilidade à dor, fatores que podem ser modulados com ajustes na dieta e correção de deficiências nutricionais. Essa base focada em saúde digestiva e modulação inflamatória é o ponto de partida para definir os ajustes alimentares mais adequados a cada paciente.”
4. Existe uma dieta “certa” para o lipedema? O que a ciência já observou sobre padrões alimentares?
“Não existe uma única dieta que funcione para todas as pessoas com lipedema. Cada organismo reage de forma diferente aos alimentos, e intolerâncias ou sensibilidades podem agravar sintomas. Por isso, protocolos genéricos raramente são eficazes — o ideal é uma abordagem individualizada, com exames e acompanhamento para identificar e remover gatilhos alimentares específicos. Ainda assim, estudos e revisões recentes apontam que alguns padrões alimentares podem trazer benefícios para parte das pacientes. Entre eles, destacam-se:
• Low carb (incluindo versões cetogênicas): ao reduzir carboidratos refinados e a carga glicêmica, pode haver melhora na dor, no edema e na sensação de peso nas pernas, além de auxiliar no controle da resistência à insulina, comum no lipedema.
• Dieta mediterrânea: rica em azeite de oliva, peixes, frutas, vegetais, leguminosas e oleaginosas, está associada à redução de inflamação e melhora da qualidade de vida em condições crônicas, com relatos positivos também em lipedema.
Apesar dos resultados promissores, é fundamental lembrar que o que funciona para um grupo pode não funcionar para todos. A individualização é a chave para um plano alimentar seguro, eficaz e sustentável.”
5. Quais são as recomendações gerais que costumam ajudar no tratamento?
“Mesmo com um plano personalizado, alguns pontos servem como base para a maioria das pacientes:
• Reduzir ultraprocessados, açúcar refinado e excesso de sódio.
• Priorizar alimentos frescos e antioxidantes, como frutas vermelhas, vegetais coloridos e oleaginosas.
• Manter hidratação adequada (cerca de 35 ml de água por kg de peso corporal).
• Usar especiarias como cúrcuma, gengibre e chá-verde, respeitando tolerâncias individuais.
• Suplementações como ômega-3, vitamina D, curcumina, boswellia serrata, quercetina, magnésio, peptídeos de colágeno podem ser benéficas, mas o ideal é que sejam tomadas com orientação profissional de nutricionista ou médico.
O lipedema não é apenas uma questão estética — é uma condição médica que impacta profundamente corpo e mente. Dar visibilidade a essa doença é um ato de cuidado, ciência e empatia. E quando a nutrição funcional entra em cena, ela não apenas alivia sintomas: ela devolve autonomia e bem-estar, sempre respeitando a individualidade de cada paciente. Se você sofre com os sintomas do lipedema, comece a cuidar do que está ao seu alcance seguindo as dicas gerais e procure acompanhamento especializado para nortear os próximos passos para te ajudar a melhorar sua qualidade de vida, estética e reduzir as dores.”