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Antonio Geraldo: O que significa ter altas habilidades?

Para muitos, o termo “altas habilidades” ainda remete a uma ideia superficial de genialidade

Recentemente, o humorista Whindersson Nunes revelou ter recebido um diagnóstico de altas habilidades, o que, segundo ele, o ajudou a compreender diversas camadas de sua trajetória, inclusive os episódios depressivos enfrentados ao longo da vida. Desde a infância, relatou perceber-se diferente dos demais, como se sua maneira de pensar, sentir e existir destoasse do ambiente ao redor.

Para muitos, o termo “altas habilidades” ainda remete a uma ideia superficial de genialidade ou a um talento inato facilmente identificado por notas altas ou desempenho escolar exemplar. No entanto, a realidade é mais complexa e, por vezes, dolorosa. A superdotação não se resume ao raciocínio lógico ou à capacidade intelectual acima da média, mas envolve um funcionamento global sensível, intenso e profundo.

Crianças e adultos com altas habilidades apresentam, com frequência, uma hipersensibilidade sensorial, emocional e moral. Sons, luzes, texturas, ruídos e até palavras podem ser percebidos de maneira ampliada, provocando desconfortos muitas vezes invisíveis. Soma-se a isso uma sensibilidade emocional refinada: uma percepção aguçada dos estados internos e do ambiente, empatia intensa e resposta afetiva profunda a estímulos sutis.

Essas pessoas também demonstram, desde cedo, uma alta exigência ética e estética. Sofrem diante de incoerências morais, de ambientes desumanizados, de gestos vazios ou relações sem verdade. Buscam sentido, na vida, nas relações, nos projetos, e quando não o encontram, podem entrar em estados de desconexão ou frustração intensas.

Esse modo de ser tão elaborado, no entanto, cobra seu preço. O excesso de pensamento, a empatia exacerbada, a percepção constante de descompasso com o mundo e a dificuldade de expressar tudo isso em um ambiente que não acolhe, frequentemente resultam em colapsos. Crises existenciais, burnout afetivo, esgotamento funcional sem sinais externos gritantes. São pessoas que “funcionam” para o mundo, mas desmoronam por dentro.

Há também uma profundidade simbólica marcante: a capacidade de elaborar o mundo subjetivamente com densidade afetiva, tendência à introspecção reflexiva, pensamento abstrato e sensível. Muitas vezes raciocinam por imagens, metáforas e associações simbólicas, o que configura um pensamento complexo, não linear, que pode ser confundido com desorganização ou distração, quando, na verdade, revela sofisticação cognitiva.

Apesar dessa potência, muitas dessas pessoas enfrentam a sensação de inadequação: sentem-se diferentes desde muito cedo. Como se estivessem sempre deslocadas, sendo “demais” para alguns ambientes, ou sentindo-se “fora do lugar”. Para sobreviver, aprendem a se adaptar. Mas a adaptação nem sempre é saudável, muitas vezes, ela vem em forma de camuflagem social: escondem suas características, diminuem sua expressividade intelectual, evitam expor ideias por medo de parecer arrogantes ou de sofrerem rejeição.

A autocrítica intensa também é frequente. Mantêm um alto padrão interno, são perfeccionistas, e têm dificuldade de validar o próprio desempenho. Sente-se “nunca o suficiente”, mesmo diante de reconhecimentos externos. Isso alimenta a ansiedade, o sentimento de insuficiência e, muitas vezes, um sofrimento que se agrava com o tempo.

Ao mesmo tempo, manifestam uma criatividade divergente incomum: uma produção simbólica rica, interesse por múltiplas linguagens, como escrita, arte, música, estética e uma visão original do mundo. É como se enxergassem o que muitos não veem, e traduzissem o mundo interno e externo de forma poética, simbólica, criativa e transbordante.

Para pais, educadores e profissionais da saúde, o desafio está em enxergar um “algo além”. Não se trata apenas de oferecer mais estímulo ou conteúdo avançado, mas de garantir vínculos afetivos sólidos, ambientes respeitosos, escuta genuína e oportunidades de desenvolvimento integral. A inteligência, nesses casos, precisa ser cuidada com afeto, com ética e com estratégia, como se fosse uma potência delicada que carrega, junto com o brilho, o risco do apagamento.

Por isso, é essencial observar com atenção. Uma criança que demonstra profundo interesse por temas complexos, que se emociona com facilidade, que se incomoda com injustiças ou que prefere o silêncio à superficialidade pode estar apenas pedindo espaço para existir com plenitude. E quanto mais cedo esse espaço for garantido, mais chances ela terá de florescer sem precisar esconder quem é. Se precisar, peça ajuda!

Antonio Geraldo: O que significa ter altas habilidades?

*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.

Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.

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