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Produtividade em excesso: por que estar exausto virou símbolo de status

Na sociedade da performance, estar ocupado virou sinônimo de sucesso, mas o que isso está custando à saúde mental?

Já reparou como, ao perguntar “tudo bem?”, a resposta mais comum tem sido “na correria”? Estar cansado virou quase um mantra coletivo — e, mais que isso, um símbolo de prestígio. Quanto mais cheia a agenda, mais admirável a pessoa. Mas será que precisamos mesmo estar sempre fazendo, rendendo, entregando?
 
Para o psicólogo Flávio Nunes, essa relação quase obsessiva com a produtividade é fruto de um processo que mistura cultura, história e identidade. “A busca incessante por produtividade, que transformou o ‘estar ocupado’ em símbolo de status, é um fenômeno complexo com raízes profundas em nossa história e psique”, afirma. A ideia de que o nosso valor está ligado ao quanto produzimos se espalhou em praticamente todas as esferas da vida, do trabalho à vida pessoal, das redes sociais aos relacionamentos.
 
Sob a ótica de nomes como os teóricos Carl Jung e Byung-Chul Han, Nunes explica que vivemos em uma sociedade que cobra desempenho o tempo todo. Ser eficiente, proativo e resiliente virou obrigação. O problema é que, nesse ritmo, a pausa passou a ser vista como falha e o descanso, como culpa.
 
A glamorização do esgotamento
 
A consequência disso é um número crescente de pessoas vivendo em estado de exaustão permanente. “A pressão constante para atender às expectativas, a dificuldade em estabelecer limites e a internalização de um senso de inadequação podem levar a quadros de ansiedade, depressão e, em casos extremos, burnout e até suicídio”, alerta o psicólogo.
 
Ao contrário do cansaço que passa com uma noite bem dormida, o burnout é persistente. Traz desesperança, irritabilidade, distanciamento emocional e até sintomas físicos. E não se trata apenas de um problema pessoal. “O burnout não é apenas um problema individual, mas sim um reflexo de problemas estruturais e organizacionais que promovem o esgotamento”, explica. 
 

Foto: Reprodução/Pexels

 
Quantas vezes você já sentiu culpa por desacelerar, mesmo sabendo que precisava? Segundo Nunes, isso acontece porque fomos ensinados a ver o descanso como tempo perdido. Essa ideia, embora sutil, se espalha como norma social e, hoje, encontra nas redes sociais um combustível perfeito, onde o sucesso é editado em tempo real: rotinas produtivas, corpos ativos, vidas aceleradas. 
 
Pressões
 
Além da pressão digital, os ambientes de trabalho e estudo reforçam esse ciclo. Metas inalcançáveis, jornadas sem pausas, prazos apertados e a exigência de estar sempre disponível fazem parte dessa cultura. 
 
A saída, segundo Nunes, passa por mudanças institucionais. “É fundamental que as organizações adotem práticas mais saudáveis, como a promoção do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o incentivo ao descanso e à desconexão, a valorização do bem-estar dos colaboradores e a criação de um ambiente de trabalho mais colaborativo e menos competitivo”, analisa. 
 
Certos grupos sentem essa cobrança de forma ainda mais intensa. Mulheres, por exemplo, costumam conciliar trabalho e vida doméstica e materna, enquanto lidam com cobranças estéticas e emocionais para dar conta de tudo. Já os jovens enfrentam um mercado instável e uma urgência de sucesso precoce, amplificada pelas redes.
 
Cada geração, explica o psicólogo, lida com a produtividade de formas diferentes. Enquanto os baby boomers cresceram com a ideia de que trabalho duro era sinônimo de valor, millennials e centennials já começam a buscar mais equilíbrio e propósito — mesmo sob pressão.
 
Existe excesso de produtividade saudável?
 
Sim. E ela começa por reconhecer os próprios limites. Nunes afirma que é possível manter uma rotina produtiva sem adoecer, desde que se construa um equilíbrio entre trabalho, descanso e prazer. Algumas dicas práticas incluem:
 
– Definir prioridades e aprender a dizer não;
– Fazer pausas reais ao longo do dia;
– Cuidar da saúde mental e física com alimentação, sono e movimento;
– Delegar tarefas e não se sobrecarregar;
– Cultivar hobbies e momentos de lazer;
– Praticar atenção plena, desconectando do “modo automático”.
 
A psicologia pode ajudar — e muito — nessa jornada. Terapias como a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), a psicanálise e a psicologia positiva oferecem ferramentas para repensar crenças sobre performance, sobre como lidar com a culpa e sobre resgatar um sentido.
 
Mas, para mudar essa mentalidade, é preciso ir além do individual. “A transformação da mentalidade produtivista é um processo complexo e gradual, que requer o engajamento de todos os setores da sociedade”, afirma Nunes. 
 
Ele ainda defende ações em larga escala, como políticas públicas que promovam bem-estar, valorização do tempo livre, redes de apoio e uma nova narrativa sobre sucesso, que também inclua o silêncio e a pausa.

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