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COP27: governo “esquece” floresta e foca em Brasil “da energia verde”

**_Por Anna Beatriz Anjos, da Agência Pública_**

Na **27ª Conferência do Clima na ONU, a COP27**, que começa em dez dias em Sharm el-Sheikh, no Egito, o Brasil pela primeira vez estará representado em **três pavilhões independentes**: o do governo federal, o da sociedade civil e o dos governadores amazônicos – este último, uma iniciativa inédita.

Enquanto o **estande do governo de Jair Bolsonaro** deve apresentar o Brasil como “_o país das energias verdes_” diante da crise energética causada pela guerra na Ucrânia, conforme declarações recentes do **ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite**, o “_Hub da Amazônia Legal_” terá como foco o **desenvolvimento sustentável da floresta amazônica** por meio de iniciativas de bioeconomia e do lançamento de um plano regional de combate ao desmatamento e às queimadas, que impulsionam as emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Já o espaço da sociedade civil, o “_Brazil Climate Action Hub_”, que ocorrerá pela terceira COP consecutiva, sediará novamente **debates com cientistas, ativistas, representantes de povos indígenas e populações tradicionais, empresários e políticos**.

Os pavilhões do governo federal e dos Estados amazônicos devem ficar um de frente para o outro na Blue Zone, local onde se dão as negociações entre os países. De acordo com fontes ouvidas pela Pública, isso pode evidenciar a ausência de centralidade, na programação do governo, da **floresta amazônica**, um dos principais ativos ambientais do Brasil que ao mesmo tempo sofre com **crescentes taxas de desmatamento** nos últimos anos. O governo chegou a pedir ao consórcio que se integrasse ao seu estande, mas o grupo declinou por já ter pronto o planejamento de seu local de exposições, segundo apurou a reportagem.

Embora a guerra tenha de fato mexido na geopolítica do gás e do petróleo – a Rússia, grande exportadora de ambos os produtos, cortou recentemente o fornecimento de gás à Europa em resposta às sanções econômicas que vem sofrendo do bloco de países vizinhos desde a invasão da Ucrânia –, a opção do governo federal por apresentar o **Brasil como grande fornecedor de energias verdes** pode escantear o ponto fraco da agenda climática do país. “_Vai ser exatamente um estande sobre o aspecto em que o Brasil não tem problema de emissões (de gases do efeito estufa)_”, afirma a **ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira**, uma das principais negociadoras do Acordo de Paris, convidada recentemente a integrar um seleto grupo de conselheiros da presidência da COP27.

Teixeira explica que a principal questão do país em relação ao clima “_não é a energia_”, mas as mudanças de uso da terra, que abrangem o desmatamento e são responsáveis por 46% das **emissões de gases de efeito estufa** no Brasil. Logo depois vem a agropecuária, com 27% das emissões, e só então o setor de energia, com 18%. “_O Brasil deveria estar indo lá, em vez de esconder as florestas, revelar como de fato vai acabar com o desmatamento_”, reforça.

![País deveria falar como vai acabar com desmatamento, diz ex-ministra Izabella Teixeira (Foto: Edilson Rodrigues Agência Senado)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/Edilson_Rodrigues_Agencia_Senado_caebda8645.jpg)

Ela avalia que, se há a pretensão de colocar o **foco em energia**, seria imprescindível o governo sinalizar “_por onde vai descarbonizar, porque (cerca de) 50% da matriz energética [brasileira] ainda é carbonizada_”. O **setor de transportes** é determinante para essa discussão, pois utilizou, em 2021 (os últimos dados disponíveis), 32,5% de toda a energia do país, seguido pela indústria (32,3%), residências (10,9%) e outros. “_Vai apostar mais em biocombustível? Vai também apostar mais na eficiência (energética)? Vai trabalhar na eletrificação de veículos leves? Substituir a frota de diesel por etanol nos caminhões, vai fazer toda uma troca tecnológica de caminhões no Brasil?_”, questiona a ex-ministra.

A **Agência Pública** enviou perguntas sobre o assunto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), que organiza a programação da área de exposição do governo federal, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

**Ministro**

Apesar de o MMA ainda não ter divulgado informações oficiais sobre a agenda do evento, o **ministro Joaquim Leite** tem dado declarações públicas sobre o assunto nas últimas semanas.

Em encontro com empresários promovido pela **Câmaras Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) e Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil)** no dia 14 deste mês, Leite disse que “_essa conferência vai olhar muito para a energia, que é um desafio global com a crise energética que está ocorrendo_”. “_Nossa energia está sendo olhada pelos outros países como uma oportunidade de investimento. O que temos desenhado como estratégia é levar o Brasil das energias verdes e as oportunidades de consumo dessa energia_”, declarou. No fim de setembro, durante entrevista ao programa estatal **A Voz do Brasil**, ele havia afirmado que o foco do governo na COP27 estaria nas “_energias verdes brasileiras, a indústria e o agro sustentável_”, e que o estande do país seria o “_maior da história_”, com 300 m².

Nesta semana, o ministro reforçou a expectativa em relação ao que a gestão Bolsonaro deve levar para o Egito: um vídeo postado na última terça-feira (25) em seu perfil no Twitter, narrado em inglês, coloca o Brasil como “_protagonista nesta nova economia verde_”, destacando seu **potencial na geração de energias renováveis**, sobretudo nos modais solar, eólico e biomassa.

A peça traz o dado segundo o qual 84% da matriz elétrica brasileira é limpa, o que era verdade em 2020, mas mudou em 2021, quando, diante da **crise hídrica que acometeu o país**, o governo acionou usinas termelétricas, que queimam combustíveis fósseis para produzir eletricidade, provocando o **aumento das tarifas**. Os números do ano passado refletem esse cenário e indicam uma diminuição na presença das renováveis na geração de energia elétrica, chegando a 78,1%.

Na última quarta-feira (26), Leite divulgou no Twitter uma inserção da campanha de Bolsonaro que **promete criar campos eólicos offshore – ou seja, afastados da costa – no Nordeste**. Na semana passada, a pouco menos de 20 dias do início da COP27, os ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia publicaram duas portarias que regulamentam a atividade.

**Resultados das urnas**

Para além da programação do pavilhão do governo, **existe incerteza em relação ao contexto político brasileiro durante a COP27**. De acordo com os especialistas ouvidos pela Pública, a depender do resultado das eleições presidenciais do próximo domingo (30), o Brasil pode percorrer caminhos diferentes na conferência.

Se houver a **reeleição do presidente Bolsonaro**, a COP27 deve seguir roteiro similar ao da edição do ano passado. Em Glasgow, na Escócia, a sociedade civil se contrapôs à narrativa do governo federal a partir do “_Brazil Climate Action Hub_”, que, com uma programação diversa, ajudou a apontar as falhas do discurso oficial que buscava descrever o Brasil como país responsável em relação ao meio ambiente sob Bolsonaro, embora os dados indicassem o desmonte dos órgãos de fiscalização e a alta do desmatamento na Amazônia.

Uma das **críticas** mirou o fato de o governo ter ido à COP26 sem a taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal medida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e normalmente divulgada durante as conferências do clima – quando publicizados dias após o fim da reunião, os números mostraram alta de 21,97% em relação ao período anterior.

![Estande da sociedade civil concentrará cientistas, ativistas, representantes de povos indígenas e populações tradicionais, empresários e políticos (Foto: Brasil Brazil Climate Hub/Divulgação)](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/Brasil_Brazil_Climate_Hub_Divulgacao_996ceaecae.jpg)

**Já caso o ex-presidente Lula se eleja**, a expectativa é, segundo apurou a reportagem, que um ou **alguns representantes de uma eventual equipe de transição viajem ao Egito para iniciar a interlocução com a comunidade internacional**. Já devem estar lá pessoas que contribuíram com a campanha e com o plano de governo de Lula nas áreas de meio ambiente e clima, como a própria **Izabella Teixeira, a ex-ministra do Meio Ambiente e deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) e o deputado federal reeleito Nilto Tatto (PT-SP)**, membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara.

Tatto avalia que, se a eleição de Lula ocorrer, a COP27 seria “_um momento oportuno_” para sua equipe de transição “_chegar lá e assumir o compromisso de que o Brasil vai retomar a agenda interna para cumprir os compromissos que assumiu na agenda internacional do clima_”. O país está devendo nesse quesito: **os dados mais recentes indicam que as emissões brasileiras cresceram 9,5% em 2020**, ano em que a pandemia prejudicou fortemente a atividade econômica no mundo todo e causou uma redução inédita de quase 7% nas emissões globais.

Em um eventual governo Lula, a política climática nacional e internacional do Brasil também deve mudar. O ex-chanceler Celso Amorim, conselheiro de Lula para as relações exteriores, disse à **Pública** que **clima e meio ambiente voltarão a ser centrais na política externa brasileira**. “_Isso é o que fará o Brasil deixar de ser vilão, e o Brasil vai ser herói nessa área. Posso lhe garantir, não será fácil chegar lá. Mas é preciso que isso deixe de ser visto como um passivo da política externa. Isso será um ativo, porque colocará o Brasil, inclusive, no centro das discussões sobre governança global_”, destacou. Ele sugere que, se o ex-presidente vencer o segundo turno, proponha já para o próximo ano uma **cúpula de nações amazônicas no âmbito da Organização Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)**, com possível abertura para países de outras regiões com “_interesse direto_” na preservação da floresta.

Para **Adriana Abdenur, integrante do Comitê de Política de Desenvolvimento da ONU e diretora executiva da Plataforma CIPÓ**, além da retomada da OTCA, se Lula sair vitorioso da disputa eleitoral, o Brasil deveria voltar a apostar no multilateralismo, “_promovendo inovações na agenda climática que tenham uma forte pegada do Sul global, a partir das experiências, demandas e preocupações dos países em desenvolvimento, inclusive no que diz respeito à atual escassez de financiamento climático que será tão essencial para que países mais pobres possam implementar justiça e transição ecológicas_”.

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