Algumas organizações da sociedade civil e coletivos jurídicos manifestaram, nesta quinta-feira (26), apoio à conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a juíza Renata Gil, após a divulgação de uma nota oficial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) sobre a recente promoção de um magistrado por merecimento.
A reação veio em resposta à forma como a orientação técnica da conselheira foi tratada pelo TJDFT, que, segundo as entidades, desqualificou publicamente a atuação de uma mulher investida em cargo institucional de destaque. Para os signatários da nota de repúdio, a postura do tribunal representaria um “retrocesso” na luta por paridade de gênero no sistema de justiça brasileiro.
Embora o TJDFT tenha informado que irá refazer a lista de promoção em conformidade com a Resolução CNJ nº 525/2023, os coletivos apontam que a Corte distorceu os fatos ao afirmar que já estaria cumprindo as determinações do CNJ, desconsiderando as diretrizes expressas por Renata Gil no processo.
A resolução em questão estabelece que, nos tribunais onde não há equilíbrio de gênero entre os magistrados oriundos da carreira da magistratura, as promoções por merecimento devem ser realizadas alternadamente entre vagas abertas a inscrições mistas e vagas exclusivamente destinadas a mulheres, até que se atinja a paridade de 40%-60%.
“Ao desconsiderar a orientação de uma conselheira mulher, investida da função de garantir a efetividade das normas de equidade no Judiciário, o TJDFT ultrapassa os limites do debate jurídico e incorre em prática discriminatória”, destaca o documento.
As entidades também alertam que relativizar a autoridade da conselheira atenta contra o próprio Estado de Direito e que o Brasil possui compromissos constitucionais e internacionais para a promoção da igualdade de gênero.
“Reafirmamos publicamente nosso apoio à atuação firme, técnica e corajosa da conselheira Renata Gil, que tem sido incansável na defesa da paridade de gênero como princípio estruturante da magistratura brasileira. Deslegitimar sua atuação é deslegitimar o avanço institucional em direção a uma Justiça mais representativa e democrática”, diz o texto.
Para os coletivos, a autonomia dos tribunais não pode servir de pretexto para manter desigualdades históricas nem ser usada como justificativa para o descumprimento de normas obrigatórias.
Entre os signatários da nota estão entidades como Elas Pedem Vista, Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ/DF), Grupo Mulheres do Brasil, Blacksisters in Law, Amigas da Corte, Quero Você Eleita, entre outros.
Leia na íntegra:
“Nota em apoio à conselheira do CNJ Renata Gil
Os coletivos e organizações abaixo-assinados, comprometidos com a promoção da equidade de gênero no sistema de justiça, vêm a público manifestar preocupação com a nota oficial divulgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), em 25 de junho de 2025, a respeito da recente promoção de magistrado por merecimento.
Apesar de o TJDFT ter anunciado que cumprirá a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborando nova lista de promoção por merecimento em conformidade com a Resolução CNJ nº 525/2023, é necessário manifestar indignação quanto à forma como a orientação da conselheira Renata Gil foi interpretada e publicamente desqualificada pelo Tribunal. Tal atitude revela uma tentativa de esvaziar a autoridade de uma mulher em posição institucional de destaque — o que configura um grave sinal de resistência à equidade de gênero no Judiciário.
A nota do TJDFT incorre em grave distorção dos fatos ao afirmar que a Corte teria cumprido integralmente a Resolução CNJ nº 525/2023 e respeitado as decisões do CNJ, ao mesmo tempo em que ignora a orientação expressa da conselheira Renata Gil. A Resolução, em seu artigo 1º-A, é clara ao determinar que, no acesso aos tribunais de 2º grau que ainda não alcançaram a proporção de 40% a 60% por gênero, no tocante aos cargos destinados à magistratura de carreira, as vagas por merecimento devem ser preenchidas por meio de editais abertos de forma alternada para inscrições mistas (homens e mulheres) ou exclusiva para mulheres, observadas as políticas de cotas instituídas pelo CNJ, até que se atinja a paridade de gênero no respectivo tribunal.
Ao desconsiderar a orientação de uma conselheira mulher, investida da função institucional de garantir a efetividade das normas de equidade no Judiciário, o TJDFT ultrapassa os limites do debate jurídico e incorre em uma prática discriminatória. Reafirmamos publicamente nosso apoio à atuação firme, técnica e corajosa da conselheira Renata Gil, cuja trajetória tem sido marcada pela defesa incansável da paridade de gênero como princípio estruturante da magistratura brasileira. Deslegitimar sua atuação é também deslegitimar os avanços institucionais em direção a uma Justiça mais representativa e democrática.
A tentativa do TJDFT de esvaziar o alcance da Resolução e relativizar a autoridade da conselheira atenta contra o próprio Estado de Direito, além de violar os compromissos assumidos pelo Brasil na promoção da igualdade de gênero. Reiteramos que a promoção da equidade de gênero na magistratura não é uma escolha, mas sim uma obrigação constitucional e convencional do Estado brasileiro, que assumiu compromisso internacional com a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.
A autonomia dos tribunais, por sua vez, não pode ser utilizada como escudo para a perpetuação de desigualdades históricas nem como justificativa para o descumprimento de normas de observância obrigatória.
Brasília, 26 de junho de 2025.
Assinam:
Elas Pedem Vista; Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica – ABMCJ/DF; Coletivo Maria Firmina de servidores/as públicos/as negros e negras; Associação Brasileira Elas no Processo – ABEP; Elas Movimentam; Associação Tax & Women; Associação das Mulheres Defensoras Públicas do Brasil – AMDEFA; Amigas da Corte; Quero Você Eleita; Paridade no Judiciário; Grupo Mulheres do Brasil; Elas no Orçamento; Blacksisters in Law; Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas – ABMCJ.”