A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado (CRA) aprovou o Projeto de Lei (PL 2903/2023), que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Foram 13 votos favoráveis e três votos contrários. Agora, o projeto irá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de tramitar no plenário da Casa.
O projeto define que serão passíveis de demarcação apenas áreas ocupadas por povos indígenas na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O texto manteve o projeto aprovado na Câmara dos Deputados em 30 de maio.
A relatora do projeto, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), afirmou que o debate sobre o tema está maduro após 16 anos de discussão no Congresso e que é urgente um marco regulatório sobre o assunto. “A promulgação da Constituição estabelece data de salvaguarda para reconhecimento e demarcação das terras indígenas. A Constituição Federal garante o direito à propriedade”, afirmou Soraya na votação, ao defender parecer favorável ao projeto.
A base do governo foi contrária ao projeto. Antes da votação, a Funai, o Ministério da Justiça e representantes de povos indígenas defenderam maior tempo para discussão do tema e se manifestaram contrários à aprovação do texto pelo colegiado.
Inconstitucionalidade levantada
Lideranças indígenas ouvidas nesta quarta-feira (23) no Senado disseram que uma eventual aprovação, pelo Legislativo, do marco temporal para demarcação de terras indígenas seria, além de inconstitucional, um rompimento do País com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o País é signatário. Ela trata da definição sobre quem são os povos indígenas e tradicionais, e elenca uma série de obrigações dos governos, no que se refere a reconhecimento e proteção de valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais desses povos.
“Esta audiência não deve ser vista como a consulta prevista na Convenção 169 da OIT, que prevê consulta prévia aos povos indígenas para a definição de quem são os povos indígenas e tribais”, disse o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna, na abertura da audiência da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado.
Karipuna disse que há muito desconhecimento, por parte dos não indígenas, sobre o modo de vida e, também, de produção dos povos indígenas. “Ao contrário do que se diz, os povos indígenas produzem, sim, em seus territórios”, disse ele, ao usar como exemplo a produção de açaí, por algumas etnias.
Segundo a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, o projeto de lei que trata do marco temporal (PL 490/2007, que após aprovação pela Câmara passou a tramitar como PL 2.903/2023 no Senado) é inconstitucional.
“Existe nele um vício legislativo, que é você colocar uma interpretação; uma inovação; uma emenda. Digo emenda porque a proposta do texto faz alterações nos dispositivos constitucionais. Essas alterações não poderiam ser aprovadas por meio de lei ordinária”, afirmou.
Ela explica que além de afetar os direitos fundamentais dos povos indígenas ao usufruto exclusivo de suas terras, o texto, se aprovado, dá “uma nova roupagem em relação às indenizações de boa-fé e impõe um marco temporal a partir do dia 5 de outubro de 1988. Ou seja, ele altera a nossa Constituição no artigo 231”, argumentou
“Isso é um vício legislativo que não deveria ser tratado numa lei ordinária que requer um quórum mais simples. Deveria requerer uma PEC [Projeto de Emenda Constitucional], que tem uma garantia a mais, por ter de ser discutida em dois turnos e em quórum mais apropriado e absoluto”, complementou. (Com Agência Brasil)