Raphael Oliveira Durante o lançamento do projeto GPS|Poderes, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Roberto Barroso, fez um alerta contundente sobre os impactos éticos e democráticos da inteligência artificial (IA). Em fala marcada por reflexões profundas, Barroso destacou que o avanço da IA está provocando uma revolução silenciosa, que desafia os fundamentos da civilização liberal, como o livre-arbítrio e a autonomia da vontade.
O mundo em que estamos vivendo é um em que diagnósticos por imagens já são predominantemente feitos por inteligência artificial. E uma pesquisa recente revelou que os diagnósticos feitos por IA tiveram mais acertos do que os feitos por médicos humanos”, afirmou o ministro.
Barroso usou um exemplo provocador para ilustrar o impacto dessas tecnologias na vida pessoal. “Se uma jovem ou um jovem tiver dois pretendentes e estiver em dúvida, o Google é capaz de fazer a escolha melhor do que os próprios interessados apenas cruzando as informações que já tem sobre cada um deles”, disse. Ao comentar a frase, o ministro registrou, com humor, o que escreveu na margem do livro que lia: “Prefiro ela sozinha”. Mas reforçou: “Essa é uma transformação ética muito profunda.”
Para ele, a possibilidade de que algoritmos façam escolhas mais racionais do que os próprios indivíduos coloca em xeque o princípio do livre-arbítrio, base da tradição ocidental desde Santo Agostinho. “A partir do momento em que as escolhas existenciais das nossas vidas puderem ser tomadas com mais qualidade fora da gente, essa é uma transformação ética muito profunda.”
O presidente do STF também demonstrou preocupação com os impactos da IA nas democracias contemporâneas. Segundo ele, as redes sociais, impulsionadas por algoritmos, não apenas identificam as vontades dos usuários, mas começam a moldá-las. “Plataformas ajudadas por inteligência artificial são capazes de interferir no nosso cérebro para criar gostos e interesses. Isso não é mais ficção científica”, detalhou.
Ele alertou ainda para os riscos da desinformação em massa, potencializada por tecnologias como o deepfake, que tornam possível manipular vídeos com falas falsas de qualquer pessoa, inclusive autoridades, sem que seja possível perceber a fraude a olho nu. “Somos ensinados a acreditar naquilo que vemos e ouvimos. O dia que não pudermos mais acreditar, a liberdade de expressão terá perdido inteiramente o sentido”, acrescentou.
Apesar das preocupações, Barroso também reconheceu, no lançamento do GPS|Poderes/ os avanços positivos da IA, sobretudo no campo da linguagem. Ele mencionou o uso de tradutores com IA e citou um caso real: um professor português teve sua aula traduzida para o mandarim, com a própria voz sendo reproduzida com fidelidade. “Isso é a superação da Torre de Babel”, celebrou. “A linguagem vai deixar de ser uma barreira.”
O projeto GPS|Poderes visa aprimorar a transparência e o entendimento das decisões entre os Três Poderes da República. A fala do ministro Barroso serviu como um chamado à reflexão sobre os caminhos que estamos trilhando, entre avanços fascinantes e dilemas éticos sem precedentes.
