Áudios inéditos revelados neste domingo (23) pelo Fantástico, da TV Globo, mostram o envolvimento de militares e civis no plano para tentar um golpe de Estado a partir da derrota eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) em 2022. O conteúdo foi extraído de celulares e computadores apreendidos durante investigações da Polícia Federal.
Na última semana, Bolsonaro e outras 33 pessoas foram denunciadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de abolir o Estado democrático de direito no Brasil.
Os áudios revelam conversas entre envolvidos no esquema. Há registros de militares em postos de comando incitando a participação popular na tentativa de golpe.
“O povo tá nas ruas, pedindo pra que haja uma outra eleição, de forma que possa ser cobrado de uma forma mais clara. Só quem tem quatro estrelas no ombro não tá vendo isso?”, afirmou um interlocutor desconhecido ao tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, que na época estava no comando das Operações Terrestes do Exército, em Brasília.
Um dos áudios mostra Almeida afirmando: “A gente não sai das quatro linhas. Vai ter uma hora que a gente vai ter que sair. Ou então eles vão continuar dominando a gente”. Num outro momento, ele recebe um áudio de alguém não identificado pela PF: “Tá com medo de ficar pra história, de dizer que fomentou um golpe? É a hora da gente, cara”.
Quando os militares não tinham poder para resolver obstáculos do plano, eles apelavam que os pedidos chegassem até Bolsonaro. Num trecho, o general Mario Fernandes, preso desde novembro do ano passado, diz para o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do então presidente:
“Parece que existe um mandado de busca e apreensão do TSE ou do Supremo, em relação aos caminhões que estão lá. Já andou havendo prisão realizada ali, pela Polícia Federal. Se o presidente pudesse dar um input ali pro Ministério da Justiça, pra segurar a PF. Eu tô tentando agir diretamente junto às Forças. Mas pô, se tu pudesse pedir pro presidente ou pro gabinete do presidente atuar. Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro, como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG”.
A expectativa de civis e militares de que os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica endossassem o golpe aparece em algumas passagens. Fernandes diz em um áudio: “Algumas fontes sinalizaram que o comandante da Força foi ao Alvorada, para sinalizar ao presidente que ele podia dar a ordem. Pô, se o senhor tá com o presidente agora e ouvir a tempo, porra, blinda ele contra qualquer desestímulo. Isso é importante”.
A frustração com a resistência de duas das Forças (Exército e Aeronáutica), o que impediria o prosseguimento do plano, é relatada num áudio do coronel George Hobert Oliveira Lisboa, então assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República:
“Agora tá ficando muito claro que o Alto Comando do Exército tá se fechando em copas, talvez com uma maioria contra a decisão do presidente. Mas pensando em primeiro lugar na instituição, no próprio Exército, quando deveria estar pensando em primeiro lugar no Brasil. Eu sei o quanto o senhor está comprometido com essas ações, o risco que todos nós estamos correndo participando dessa frente”.
Também consta numa declaração dada pelo tenente-coronel Sérgio Cavaliere ao coronel Gustavo Gomes: “Acabei de falar com o Cid, cara. Ele falou que não vai ter nada. Tá pronto, só que ele não vai assinar porque o Alto Comando está rachado e não quer encampar a ideia. Então, é isso aí, tio. Deu ruim, tá? Acabei de falar com o nosso amigo lá, ele falou que não vai rolar nada. O Alto Comando não vai topar. A Marinha topa, mas só se tiver outra Força com ela, porque ela não aguenta a porrada que vai tomar sozinha”.
Outro áudio mostra o coronel Bernardo Corrêa Netto dizendo ao coronel Fabrício Bastos. “Presidente só faria (o decreto do golpe) se tivesse apoio das Forças Armadas, porque ele tá com medo de ser preso. Falei com ele agora de manhã”.
À TV Globo, a defesa do general Mario Fernandes disse que ainda não teve acesso completo ao conteúdo resultante das quebras de sigilo e que a denúncia apresenta apenas trechos desconexos. Os advogados de Cid não quiseram se manifestar, e a reportagem não conseguiu contato com a defesa dos demais citados.