“Assim não dá mais”. Na tarde do dia 1º de janeiro, acordei rompida como o ano que se foi. O cabelo? Nós náuticos. A coluna? Só o pó. A pele do meu rosto bradava às margens plácidas por independência de mim. Até a areia que contra a própria vontade grudou-se à barra do meu vestido reclamava do desconforto.
A ressaca de ano novo faz a gente prometer absurdos. “Nunca mais eu vou beber” e “Esse ano vou mudar de vida” se destacando entre os clássicos. Não é a toa que o Dry January (ou Janeiro Seco, o equivalente americano de “vou parar até o Carnaval”) é tão abraçado nos EUA. Ao redor do mundo, fígados, rins e pulmões cansados pedem “Basta!”.
Entre os anos de 2020 e 2023, o mercado global de bem-estar movimentou cerca de US$6,3 trilhões, com uma taxa de crescimento de 37% — números que seguem otimistas na entrada de 2025. Só na prateleira de suplementos alimentares, por exemplo, é esperado fazer-se US$ 252 bilhões nos próximos 12 meses, e olha que isso é sem contar o tapete de yoga! O suco verde pós-pilates, o raspador de língua… É, investir na saúde tem seu preço e dá seu lucro — mas e se dessa vez a mudança não for só do bolso pra fora? De acordo com o relatório Top Global Consumer Trends 2025, da empresa de análise de dados Euromonitor International, a moda agora é viver mais (e melhor).
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Nem tudo que reluz é clorofila: os prazeres e paradoxos da ‘nova era wellness’
Não dá pra dizer que os sinais não estavam no ar: desde a pandemia, a caçada pelo bem-estar mental, físico e emocional colonizou um mundo de novas prioridades. Saúde mental virou pauta nos ambientes de trabalho, enquanto que a rotina de exercícios saiu da pejorativa esfera da vaidade e ganhou status de necessidade. Cuidar de si não era mais um luxo, era um modo de sobrevivência.
Já vacinados e repreendidos do mal da ‘velha corona’, não fomos capazes de ‘chacoalhar’ essa busca pelo Nirvana. Na Netflix, o documentário O Homem Que Quer Viver Para Sempre (2025) acompanha a rotina de Bryan Johnson, um multimilionário da tecnologia que dedica sua vida e fortuna à busca por imortalidade. Da hora que acorda ao toque de recolher, o dia de Bryan é preenchido com exercícios, terapias, dietas e restrições do mais alto calibre — tudo por uma bagatela de US$10 milhões anuais nos mais avançados e controversos tratamentos (incluindo a polêmica transfusão de plasma sanguíneo). O cara tem até um boné que estimula o crescimento de cabelo! Mas calma — também existe chance pra quem não dispõe de tantos zeros na conta. Um estudo do Global Wellness Instituteaponta que 85% dos consumidores buscam alternativas acessíveis para o bem-estar, recorrendo a soluções caseiras, comunidades terapêuticas e práticas tradicionais, como a meditação e a fitoterapia. A mais recente fronteira? Roupa com saúde.
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Jacquemus Fall/Winter 2025
Em 2024, a grife de sportswear Lululemon apresentou um desenvolvimento financeiro superior ao da Gucci. A angelina Alo Yoga está no meio de uma extensa expansão internacional (que inclui loja no Brasil, bem ali no JK Iguatemi!). A roupa do futuro não é cromada no estilo Jetsons, mas inteligente, sensível e reativa. Relógios que monitoram o movimento e anéis que registram a qualidade do sono já são uma banalidade. Agora, a mira está em popularizar itens como jaquetas, calças e outros trajes em constante comunicação através da Internet of Things (IoT) — ou ao menos foi o que disseram especialistas no fórum de estratégia fashion da Federação Coreana de Indústrias Têxteis, sediado dia 21 de janeiro em Seoul.
Conforto, respirabilidade e até benefícios terapêuticos, como tecidos infundidos com ingredientes ativos para a pele, são a febre do momento. Parcerias entre casas tradicionais e marcas esportivas vêm consolidando um estilo híbrido que une sofisticação e funcionalidade, enquanto a ascensão da moda regenerativa e sustentável reforça o compromisso do setor com um estilo de vida que prioriza longevidade e bem-estar integral.
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Com mais de 2,5 milhões de unidades vendidas mundialmente em 2024, o Oura Ring, da empresa Oura Heath, utiliza de dados como temperatura corporal, frequência cardíaca, oxigenação do sangue e outros índices para oferecer insights detalhados sobre a qualidade de vida do usuário
Longevidade, aliás, é um oponente de peso nesse jogo. No tempo presente, idosos representam a parcela populacional com maior poder aquisitivo, além de maior disposição para investir em saúde. Um relatório da World Data Lab prevê que até 2050 o número de pessoas acima de 60 anos dobrará globalmente, chegando a 2 bilhões. No Brasil, a faixa etária já movimenta cerca de R$ 1,8 trilhão por ano, sendo responsável por 24% do consumo nacional. A “melhor idade” também é melhor para os negócios, e agradá-la é de suma importância para quem quer permanecer no topo.
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Backstage da Balmain na Semana de Moda de Paris, 2024
Apesar de toda essa tração na locomotiva verde, nem todo mundo quer subir a bordo desse trem. No mês passado, a Elle UK publicou uma matéria sob a chamada “Is This The End Of Our Wellness Era?”, declarando que “fumar voltou à moda, restaurantes veganos estão lutando para sobreviver e que uma energia ‘caótica’ está tomando conta”.
A bandeira anti-wellness não é só uma rebelião contra a massificação do self care, mas também uma crítica ao elitismo que passou a cercá-lo. O bem-estar se tornou uma vitrine de status, uma ordem social que, ao normatizar a qualidade de vida, torna-se paradoxalmente a fonte de um cansaço generalizado. Uma fadiga resultante da ideia de que a produtividade deve estar presente até, ironicamente, nos momentos de relaxamento. O hedonismo, nesse sentido, surge como uma resposta libertadora: a libertação de permitir-se prazeres sem culpa. Como tudo que é justo, a resposta se encontra em algum lugar do meio.
A gente está com fome de experiências, de diversão — de mais festas de arromba e menos festas de “arroba”. De tempo ao lado de quem importa, fazendo aquilo que traz boas sensações. Afinal, não seria a máxima do bem-estar, a sensação de estar bem? Sozinho, acompanhado, debaixo das cobertas ou das luzes quentes de uma boate cheia… A nova era wellness é ssobre o “eu sinto” acima do “eu sinto que devo”, sobre sinceridade e autoconhecimento. Sobre buscar seu sentido de “melhor” e curar o que te aflige – independente do remédio.