GPS Brasília comscore

Mar vermelho: porque a onda do fisherman style é um indicador da crise econômica mundial

Quando o caos se torna a norma ambiental, financeira e social, a água (e tudo que mora nela) traz a promessa de nova vida — e, de quebra, um novo look para o verão

Em meados de 1940, lã e seda eram dificílimas de se encontrar. A Segunda Guerra Mundial levou com ela os valores básicos da humanidade, a paz e também o luxo. A severa instabilidade econômica se expressou nos mais ínfimos hábitos do dia a dia, vide o “adeus” aos tecidos nobres e o “olá” aos materiais sintéticos. A alegria do vestir há muito havia recebido o golpe —sangrava desde a Grande Depressão que sucedeu a Crise de 29. Cores austeras e silhuetas pautadas na praticidade substituíram o glamuroso estilo “melindrosa”, e o utilitarismo se tornou a norma no guarda-roupa mundo afora. 

Nas décadas seguintes, a reindustrialização pós-guerra e a implementação do Plano Marshall reergueram a moral e o poder aquisitivo. O American Way Of Life resgatou a joie de vivre, 5 dólares era grana pra dedéu e o New Look Dior a máxima do bom-gosto. Ufa! Revolução sexual, segunda onda do feminismo, contracultura pacifista… “Make Love, Not War” era o mantra barulhento da juventude sexo, drogas e Rock n’ Roll — mas a farra não durou. Nossos pais e avós deram com a cara no chão, encarando em 1973 o início de uma crise energética marcada pela escassez de petróleo, aumento no preço da energia e, novamente, uma produção têxtil com forte influência de tramas artificiais, como poliéster e nylon. 

Crianças, saiam do playground a gangorra socioeconômica dos séculos XX e XXI não é para os fracos. Crise atrás de crise, penitência atrás de sacrifício, 25 centavos não compra mais nem um chiclete. O colapso do sistema imobiliário em 2008 gerou um efeito dominó que pegou a galera toda, e o lockdown do coronavirus também não pegou leve com o mercado. Tá todo mundo no mesmo barco, e o mar não está pra peixe.

Em 2025, a rebarba de uma catastrófica pandemia inclui binariedade política, segregação social e uma penca de lutas por motivos errados. O de cima sobe, o de baixo desce, todo mundo quer fugir. Para onde? Para o mar, de preferência! De acordo com avançadas plataformas de busca e pesquisa de dados, a nova tendência de moda e comportamento está no profundo. Como na Bíblia, a salvação anda sobre as águas.

Mar vermelho: porque a onda do fisherman style é um indicador da crise econômica mundial

O crescimento de setores secundários do luxo configura a teoria do Lipstick Índex, cunhada pelo presidente da Estee Lauder, Leonard Lauder: “quando a economia está de mal a pior, a venda de artigos de luxo acessíveis vai de vento em popa” (para parafrasear), explicando assim a razão do crescimento nas vendas de cosméticos (vide o charmoso nome “Índice do Batom”) durante períodos de recessão. Mesmo nunca tendo sido abraçada pelos economistas como um confiável indicador da saúde econômica, a conjectura de Lauder tem certo cabimento.

Nos últimos anos, grandes players do setor premium têm investido de forma ampliada em small luxury goods, como chaveiros, porta-trecos, acessórios de cabelo e outros artigos de entrada, ao passo que aumentam quase anualmente os valores de bolsas, sapatos e itens mais estabelecidos — e essa movimentação não se restringe ao cenário fashion. Entre talheres, também se percebe essa busca pela sofisticação sensorial, o “luxo nas pequenas coisas”, por assim dizer. Até 2032, é esperado que o mercado de frutos do mar em conserva (que passou por um baita rebranding!) supere os USD 60 bilhões. De acordo com a Bloomberg, produtores de caviar latino-americanos não viam crescimento tão grande em sua demanda por exportação desde 2019. A lendária loja de departamentos Fortum & Mason, conhecida Inglaterra afora por sua seleção gastronomia de alto padrão, reportou um crescimento anual de 13% na procura pelas ovas. O povo quer sentir o cheiro de sofisticação, provar nem que seja uma gota de requinte.

Quando questionado pela Harper’s Bazaar UK, Leonid Shutov atribuiu a renascença da iguaria no gosto popular ao público Gen Z e sua constante caça não apenas por experiências, mas também por bem-estar. “É uma das poucas indulgências com tanta tradição que de fato fazem bem para a sua saúde”, disparou o fundador do Bob Bob Ricard, um dos mais prestigiosos caviar bars de Londres. A “geração saúde” converteu o pão em esturjão e transformou o vinho de volta em água. 

Dentro desse tão particular cenário sóciofinanceiro, todos os caminhos levam à fuga. Estourar a bolha, mergulhar no escapismo, romantizar o tempo de uma vida simples à beira do mar. Sem caixa de e-mails lotada, sem ultraprocessados repletos de sódio, sem ter que responder DMs no Instagram ou tomar suplementos de Vitamina D. Queremos água, pois água é vida! Se os tetrápodes soubessem o quão complicada a terra seria, não teriam saído dos oceanos quase 400 milhões de anos atrás. Não tem problema! Nem que seja através da imaginação do vestir, a gente pode dar um “tibum”.

Mar vermelho: porque a onda do fisherman style é um indicador da crise econômica mundial

Em tempo de refrescar o verão brasileiro, a tendência do estilo pescador toma comando do timão trazendo doses necessárias de fantasia e aconchego. Sardinhas, lagostas, peixes em conserva. Gorros grandes, tricôs maiores ainda, listras, cores e um cheiro de sal no ar. A bolsa Sardini da Bottega é hit há tempos, assim como a hiper-bordada Tommy Bag da Staud. Saem as Birkins, entram as Birkenstocks. Botas Hunter e calças capri, trench coats e windbreakers. A silhueta clássica abraçada pelo Quiet Luxury ganha sal e pimenta, incorporada a uma receita saborosa de autenticidade. Dar pinta de “endinheirado” não é mais a praia da vez — muito melhor um bom livro de bolso (recomendo O Velho e o Mar, um clássico de Hemingway) e o celular no ’não perturbe’. Esse é o verdadeiro luxo, a real commodity em escassez. Tempo, silêncio e comida boa no prato fundo.

QUER MAIS?

INSCREVA-SE PARA RECEBER AS NOTÍCIAS DO GPS BRASÍLIA!

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

Veja também

Historicamente, o surgimento e a explosão dos ultraprocessados coincidem com …

GPS Brasília é um portal de notícias completo, com cobertura dos assuntos mais relevantes, reportagens especiais, entrevistas exclusivas e interação com a audiência e com uma atenção especial para os interesses de Brasília.

Edição 42

@2024 – Todos os direitos reservados.

Site por: Código 1 TI

GPS Brasília - Portal de Notícias do DF
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.