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Ronda da moda: especial Mary Quant, a libertária dos anos 60

Mais do que moda, a estilista que popularizou a minissaia participou de um contexto cultural de libertação feminino

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Na última semana, o fato que mais marcou o mundo da moda, certamente, foi a morte de Mary Quant. A responsável por popularizar a minissaia foi embora aos 93 anos, mas muito mais do que a peça de roupa, Mary popularizou a oportunidade e a liberdade das mulheres usarem e serem quem elas quiserem — não só fora, mas dentro do Brasil.  

 

“Quant faleceu ontem, no último 13 de abril, aos 93 anos, e fez seu nome em uma década de pura contracultura. Foi de encontro à tradicional estética feminina dos anos 50 e defendeu o estilo ‘tomboyish’. Para ela, o feminino eram as pernas. E o busto? Virou ‘flat’, reto, folgado, sem muito volume, coberto por camisas e adornado por gravatas”, comentou a mestre em Jornalismo de Moda, pela London College of Fashion, Rachel Sabino.

 

Segundo a especialista, a moda de Quant acompanhou movimentos importantes da história da liberação feminina. Na época, houve, por exemplo, a invenção e a popularização da pílula anticoncepcional, nos Estados Unidos, a partir de 1960. Além de movimentos tão icônicos quanto, cita Rachel: “As revoluções estudantis na França em maio 1968; os figurinos improvisados do cinema brasileiro em plena ditadura militar, como em O Bandido da Luz Vermelha, do diretor Rogério Sganzerla, estrelado por Helena Ignez”.

 

Para além da popularização da minissaia, Mary também deu à luz ao macacão curto e à capa de chuva vermelha de plástico com gola branca. Como explica Rachel Sabino, Mary Quant formou muito o contexto de sua época no âmbito da moda. A estilista pegou o momento cultural e social dos anos 1960 e, por meio das peças, conseguiu transmitir e comunicar tudo o que estava acontecendo de forma concreta e libertária.

 

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Foto: Victoria and Albert Museum

 

Além disso, trouxe uma mudança significativa de silhueta nas roupas femininas. “Observando a silhueta dos anos 50, percebe-se uma silhueta muito feminina, sendo que a feminilidade estava no busto. Você tinha a cinturinha fina, o peito marcado e a saia abaixo do joelho e no meio da canela. A influência disso vem do New Look, de Dior, em 1947, pós-guerra”, contextualiza Rachel Sabino. 

 

“O que a Mary Quant fez foi inverter a feminilidade em termos de moda. Ela achata o busto da mulher, ou seja, o busto não é mais marcado. Além disso, a visionária fecha essa parte também, com a diminuição do uso do decote. É bem perceptível e interessante, ainda, porque Mary inclui na moda para mulheres, influências do vestuário masculino. Tudo isso constrói o seguinte: toda a feminilidade que antes estava no colo e no busto, desce para as pernas”,  finaliza.

 

A jornalista, que é brasileira, mas mora em Londres disponibilizou ao GPS Lifetime um tour que fez no Victoria and Albert Museum, que recebeu uma exposição, em 2019, sobre a icônica estilista. Confira:

 

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Mary criou ou popularizou a minissaia?

A especialista Rachel Sabino chama atenção para um erro comum quando se fala de Mary Quant. A estilista não criou a minissaia, mas popularizou. Quem, de fato, desenhou a minissaia foi André Courrèges, um designer francês, famoso por uma moda futuristica que acompanhou a Era Espacial, período que abrange as atividades relacionadas à corrida espacial na Guerra Fria. 

 

“Como Mary era mulher, ela conseguiu popularizar a minissaia, afinal ela usava as próprias criações. Então as mulheres começaram a usar também e se identificar com a estilista”, explica a jornalista de moda.

 

A influência de Mary no Brasil 

A irreverência de Mary Quant chega ao Brasil em meio a Ditadura Militar, momento do país em que, sob forte censura e obrigatoriedade dos “bons modos”, homens e mulheres sofriam pressão para se adequar aos costumes postos “guela baixo”. 

 

O regime ditatorial não poderia ser, no entanto, mais ineficiente e nada bem-vindo à população que estava ligada ao futuro. A mulher brasileira daquela época, de acordo com Rachel, “era livre, sedutora, bem mais independente se comparada à década anterior”. Por isso a especialista cita  O Bandido da Luz Vermelha, do diretor Rogério Sganzerla, estrelado por Helena Ignez”.

 

 

O filme é tão icônico, pois a atriz, que inclusive era esposa do diretor, usa suas próprias roupas, confirmando em terras brasileiras a irreverência da moda em decorrência das imposições da Ditadura de 1964.

 

“É uma década irônica, porque em plena Ditadura Militar, os filmes do Cinema Novo são super sexualizados. Tinha cena de sexo, a mulher era extremamente sensual e objetificada. E a minissaia aparece como um símbolo dessa sexualização. Ou seja, a minissaia tem um papel super importante, o Brasil vivia a censura, mas não importava se seríamos, ou não, censurados,  as mulheres ainda teriam as pernas de fora”, finaliza.