Brasil, México e Argentina: os únicos países latino-americanos que fazem parte do G20, têm mais divergências do que convergências, o que impede a defesa de uma agenda latina única. Especialistas explicam que mesmo fazendo parte da mesma região e convergindo em alguns aspectos, os três países têm políticas econômicas ou posicionamentos políticos distintos, o que faz com que se aproximem mais de outras nações que integram o grupo do que entre si.
“Nunca houve uma agenda latino-americana no G20”, defende a professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID-UFRJ), coordenadora do Observatório Político Sul-Americano, Marianna Albuquerque. “Isso vem de questões nacionais que diferem esses países. Dado que o G20 é um bloco econômico e financeiro primordialmente, são três países que têm percepções diferentes sobre o nível de comprometimento e de profundidade que compromissos multilaterais nessa área devem ter”.
O México faz parte, junto aos Estados Unidos e Canadá, do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), de livre comércio na região. Já a Argentina segue planejamentos macroeconômicos internos diferentes do Brasil, segundo Albuquerque. Esses fatores, de acordo com a professora, direcionam as tomadas de decisão desses países no cenário internacional e contribuem para que não haja uma agenda unificada.
Somado ao contexto econômico, há o contexto político. Sob o comando de Javier Milei, a Argentina se distancia ainda mais do Brasil. “No caso brasileiro, o governo está empenhando em avançar e liderar discussões sobre desenvolvimento sustentável, combate à pobreza e à fome e redução das desigualdades. Já a Argentina, sob a liderança de Milei, defende ideias pertencentes ao campo da direita do espectro político e, nesse sentido, é crítica às ideias defendidas pelo Brasil no âmbito do grupo, como a tributação dos super ricos e de avanços nas discussões sobre as mudanças climáticas”, diz a professora de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Fernanda Nanci, que é coordenadora do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa.
Já o México, sob a liderança de Claudia Sheinbaum, com um posicionamento de centro-esquerda, tem mais afinidade, sobretudo nas pautas sociais, com o Brasil. Para o professor associado de relações internacionais no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) Márcio José Melo Malta, a cúpula do G20 é uma oportunidade do Brasil estreitar laços com o país. “Temos a presidente recém empossada que confirmou recentemente a participação no G20. Temos essa participação e temos uma convergência maior [dela] em termos políticos e de interesses ideológicos com o Brasil. Nessa perspectiva, é oportuno reforçar o elo América Latina”. diz.
Mesmo não tendo uma agenda completamente unificada, Márcio Malta acredita que principalmente México e Brasil têm convergências e ele ressalta que o fortalecimento da América Latina é uma prioridade do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre busca isso nas agendas internacionais.
“Brasil e México têm tentado de fato trabalhar em sintonia. A Argentina é historicamente uma parceria primordial fundamental do Brasil, mas sob a gestão de Milei não tem sido essa a tônica. O Presidente Lula, desde os seus dois primeiros mandatos iniciais, tenta trazer uma perspectiva Sul Sul. Sua política externa é bem conhecida nesse âmbito. E dentro desses marcos, a região da América Latina sempre foi uma região de profundo interesse para que se desenvolvessem percerias, com uma perspectiva um papel de liderança”, diz.
América Latina no G20
O Grupo dos Vinte (G20) é o principal fórum de cooperação econômica internacional. É composto por Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além da União Europeia.
Desde 2008, os países revezam-se na presidência. Esta é a primeira vez que o Brasil preside o G20 no atual formato. O país definiu as seguintes prioridades: inclusão social e combate à fome e à pobreza; promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental e transições energéticas; e reforma das instituições de governança global, incluindo as Nações Unidas e os bancos multilaterais de desenvolvimento.
A agenda do G20 é extensa. Foram feitas reuniões de grupos de trabalho, reuniões ministeriais e diversas reuniões bilaterais ao longo de todo o ano. O encontro termina com a reunião de cúpula que reúne os chefes de Estado, nos dias 18 e 19, no Rio de Janeiro.
Em relação às reuniões já realizadas, Marianna Albuquerque analisa: “a Argentina teve um posicionamento muito errático durante o G20 desse ano, principalmente porque se colocou de forma muito refratária e defensiva a um dos pilares que o Brasil sugeriu que era o pilar de reforma das instituições multilaterais”, diz e acrescenta: “a Argentina era tipo um bloqueador natural. Qualquer coisa que era colocado para ser negociada sobre aquele tema a Argentina já partia de uma negativa”.
A tendência do México foi, segundo a professora, de estar mais próxima dos Estados Unidos e do Canadá. “Em algumas agendas o México aparece de forma conjunta com o Brasil, mas em todos os outros debates que tratam sobre reforma da arquitetura financeira internacional ou política de subsídios, o México negocia com os Estados Unidos e com o Canadá, por conta do USMCA. A gente só tem uma associação entre a posição do México e a do Brasil quando é um tema que interessa também aos Estados Unidos e ao Canadá”, diz Albuquerque.
Fernanda Nanci ressalta as convergências entre Brasil e México: “O México tem um histórico de participação ativa no G20, nas discussões e na defesa de combate às desigualdades. Assim como o Brasil, defende – enquanto país em desenvolvimento – financiamento para que países do Sul consigam implementar a Agenda 2030 e combater os efeitos das mudanças climáticas, ações para reduzir a pobreza e desigualdade econômica e inclusive defende outros temas muito associados à realidade mexicana, como a migração regular e segura”, diz.
A Argentina, assim como o México e Brasil, de acordo com Nanci, já usou, historicamente, o espaço do G20 para buscar avanços nas pautas sociais, mas sob a presidência de Milei o cenário mudou. Mesmo assim, na reunião de cúpula, o país deve manter a diplomacia com o Brasil, que é um importante parceiro econômico: “A presença da Argentina no encontro será uma forma do presidente Milei estar mais integrado às discussões internacionais e participar de um importante evento, tendo em vista que ele não priorizou participar de eventos multilaterais importantes anteriormente, como a Cúpula Mercosul neste ano. Além disso, é uma forma de melhorar as relações com o Brasil, visto as constantes críticas que o presidente tece ao mandatário brasileiro. Mas, não se pode perder de vista que o Brasil é o principal destino das exportações argentinas”.
Brasil no G20
Sobre a atuação do Brasil na presidência do grupo, para Marianna Albuquerque o saldo “é muito positivo”. Ela destaca o engajamento da sociedade civil como um dos principais acertos brasileiros e algo inédito nas reuniões do grupo.
“Foi um golaço do Brasil trazer a sociedade civil para dentro de um sistema multilateral”, diz.
Albuquerque destaca também os avanços em relação à bioeconomia, um conceito que envolve inovações fundamentadas em recursos biológicos, que resultam no desenvolvimento de produtos, processos e serviços mais sustentáveis. Uma das principais discussões associadas ao tema é a substituição de matérias-primas de origem fóssil por outras menos poluentes. “Bioeconomia até então era um tópico que o G20 não trabalhava e que é muito importante para o Brasil controlar a narrativa, porque a gente está falando de patrimônio genético e repartição de acesso e o Brasil, tanto pelas florestas, quanto pelo oceano, precisa se resguardar em relação a isso”.
Outro avanço importante, segundo Albuquerque, foi colocar a agenda climática como prioridade também econômica. “Acho que a gente conseguiu finalmente conscientizar o Ministério da Fazenda de que clima é uma pauta econômica eu acho que nesse G20 teve a virada de chave. Não adianta só o Ministério do Meio Ambiente estar engajado na agenda de clima, a gente precisa de um plano de transformação ecológica”, ressalta.