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Duda Almeida: Saúde mental e o Planejamento Urbano

Ao longo da história, as cidades já superaram grandes guerras, êxodos, pestes e crises. Agora surge um novo desafio
Foto: Unsplash

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As cidades sem dúvida são uma das maiores invenções humanas. Fruto da necessidade do ser humano de ser organizar e se proteger, de se expressar e se relacionar, são o local de vivência, produção e reprodução de capital, mas também são os locais de transformação e de formação da identidade pessoal e coletiva. O comportamento das pessoas é moldado pelas cidades – a forma como os indivíduos agem é diretamente relacionada com os espaços que ocupam e com as identidades que assumem. 

Ao longo da história, as cidades já superaram grandes guerras, êxodos, pestes e crises climáticas. Agora surge um novo desafio, aliado aos problemas de desigualdades econômicas, conflitos e disputas sociais e de segregação espacial típicos das cidades brasileiras: a relação entre o ambiente urbano e a saúde mental. 

Segundo o Centro para o Desenho Urbano e a Saúde Mental (UD/MH), start-up americana focada na melhoria da saúde mental nas cidades, moradores de grandes centros urbanos tem cerca de 40% a mais de chance de desenvolver depressão ou ansiedade e o dobro de chance de diagnósticos relacionados com esquizofrenia do que os moradores de áreas rurais ou de cidades do interior. No Brasil, 40% da população urbana diz identificar em si pelo menos um diagnostico psiquiátrico, 30% um transtorno mental e 10% precisam de atenção imediata. Entre as condições encontradas, estão mais comumente ansiedade, depressão, transtornos de humor, transtorno de controle de impulso e abuso de substâncias químicas. 

A urbanidade e a vitalidade urbana são fortemente associadas às condições emocionais, e tem efeitos diretos em alguns transtornos mentais, especialmente os relacionados ao impulso e ao uso de substâncias toxicas. Segundo o Professor Carlos Leite, Coordenador do Núcleo de Urbanismo Social do Laboratório das Cidades do Insper – ArqFuturo, entre as classes mais afetadas, sobressaem-se as mulheres e homens migrantes que vivem em regiões metropolitanas mais pobres e vulneráveis. Ou seja, nossas favelas, com suas moradias precárias, mau saneamento, maior risco de doenças, são um risco permanente à saúde física e mental. 

Existem diversos grupos relacionados a estudos e soluções para prevenir e dar assistência a este tipo de ocorrência, cada vez mais comum nas cidades do mundo todo. Uma das linhas de pesquisa atribui classificações de níveis de stress que incluem a avaliação do impacto no ser humano do barulho excessivo das cidades, níveis de poluição sonora e visual, aglomeração, trânsito, violência, passando pela avaliação da qualidade dos espaços verdes, acesso a serviços comunitários e até a análise da “boa estética” dos elementos urbanos, como parte determinante do impacto que a cidade causa no emocional do indivíduo. Outro grupo analisa quais são as características das cidades mais ou menos amigáveis do ponto de vista de saúde mental – em níveis que vão desde o pessoal, passando pelo interpessoal, comunidade, organização, política e meio ambiente. 

Diversos fatores contribuem, portanto, para o aumento dos problemas de saúde mental nos ambientes urbanos, incluindo estresse ambiental, isolamento social e desigualdades socioeconômicas. 

Sendo assim, as decisões relativas ao planejamento urbano são muito importantes para determinar os efeitos diretos dos espaços coletivos em relação à saúde mental da população. Os níveis de estresse, ansiedade, depressão e outros acirramentos das psicopatologias e do adoecimento psíquico aumentaram, por exemplo, durante a pandemia, em parte devido ao isolamento e distanciamento social – a falta de convívio entre as pessoas e a impossibilidade de se usufruir os espaços ao ar livre. Mas e hoje, o que podemos fazer para considerar que os ambientes urbanos são de fato restauradores, e contribuem positivamente para a realização pessoal, incluindo a saúde física e emocional? 

O conceito de ambientes restauradores foi criado na década de 1980, a partir de estudos de alguns pesquisadores dedicados ao tema do convívio sociais e exigências da sociedade moderna (Altman e Wohlwill, Kaplan, K.Korpela) que conduziram estudos relativos a atributos ambientais – o bem-estar humano e as reações positivas dos habitantes de uma cidade em contato com determinados tipos de ambientes naturais. O ambiente urbano é visto com um elemento que reforça fatores diretamente ligados ao prazer ou ao desprazer experimentados em determinado ambiente. Em paralelo, estudos sobre o apego ou o desapego aos lugares, identidade e significado do lugar, ambientes calmos e estressantes também viraram objeto de atenção para entender determinados comportamento e preferências relacionados a aspectos físicos, psicológicos e de capacidade social. 

Algumas conclusões foram aplicadas às teorias relacionadas ao planejamento urbano, especificamente sobre o ciclo estimulação/recuperação dos estados emocionais. 

Espaços verdes, áreas para se exercitar ao ar livre, praças que permitem a interação social e o convívio entre gerações, acesso a um transporte público de qualidade, iluminação adequada, legibilidade do espaço urbano e locais amigáveis para os pedestres – tudo isso faz parte de uma abordagem equilibrada e ampla relacionada ao desenho e ao planejamento urbano, para se vencer corretamente os desafios relacionados com a saúde mental. 

Alguns destes aspectos são especialmente importantes. São eles:

A criação de áreas urbanas mais densas e diversificadas, que reúnem vários tipos de uso: residencial, comercial, serviços, institucional. Bairros com uma variedade de opções de lazer, como praças, cinemas e restaurantes, combinadas com moradia e trabalho, estimulam a interação social e combatem o isolamento social, um fator de risco para problemas de saúde mental. Estas áreas são os “nós vivos” da cidade, centralidades que funcionam como atrativos para o convívio social. Ao se possibilitar que determinado local tenha vários tipos de usuários durante o dia e durante a noite, a cidade cria maiores possibilidades de encontro e da interação entre indivíduos, o que combate o isolamento social.

O fortalecimento do conceito de “vizinhança”. Com a COVID-19, as pessoas passaram a valorizar muito mais as áreas mais próximas das suas casas e locais de trabalho. Áreas comerciais e de lazer mais próximas de comunidades organizadas se fortaleceram, e as atividades do “bairro” foram mais prestigiadas pelas pessoas. O conceito da “cidade de 15 minutos” – basicamente uma rede de estabelecimentos que soluciona praticamente todas as necessidades dos indivíduos em um raio mais próximo de suas casas – a uma distância de no máximo 15 minutos a pé – com opções seguras de ciclovias e transporte urbano coletivo, veio a ser visto como uma forma eficaz de criar comunidades saudáveis sustentáveis e ativas, melhorando a inclusão, impulsionando a economia local, utilizando a infraestrutura de maneira mais logica e combatendo as alterações climáticas.  

O favorecimento das ilhas verdes, parques, praças e jardins, como elemento urbano determinante para bem-estar coletivo e pessoal. As pessoas experimentam um estado mental mais positivo e estável com menos ansiedade, depressão e níveis mais saudáveis de cortisol quando vivem em áreas urbanas com mais espaços verdes. Sabemos que isto não é uma realidade no Brasil: a maior parte da população não tem parques ou praças próximas, morando em zonas menos favorecidas. Este item é especialmente importante para a saúde das crianças, que, em contato com áreas verdes, se exercitam mais e são mais estimuladas a praticar atividades ao ar livre, desenvolvendo melhor as capacidades de concentração, bem-estar físico e psíquico e as competências sociais. 

O cuidado com a qualidade e o detalhamento do desenho urbano– incluindo espaços de descanso, relaxamento e contemplação, áreas coletivas dotadas de equipamentos públicos de lazer, infraestrutura para atividades físicas, e elementos relacionados com a mobilidade urbana. O desenho urbano pode e deve ser fundamentado na ampla possibilidade de criação de espaços mais acolhedores, sombreados, amplamente ajardinados, para que as pessoas se sintam bem, seguras e tranquilas ao se deslocarem pelas cidades – a boa legibilidade das nossas cidades. As ruas devem ser arborizadas dotadas de sinalização clara e intuitiva, calçadas bem construídas e bem mantidas; a iluminação deve ser bem distribuída e os espaços de descanso devem ser convidativos e agradáveis. Isto significa investir em espaços coletivos, em detrimento aos empreendimentos isolados por muros e loteamentos fechados. O espaço público funciona como extensão das nossas próprias casas. 

As ferramentas teóricas que possibilitam um bom planejamento urbano são grandes oportunidades de cooperação entre os urbanistas, profissionais de saúde, poder público e entidades assistência social, para garantir que as necessidades ligadas à manutenção da saúde mental sejam totalmente integradas e incluídas nas fases de concepção e conceituação dos novos empreendimentos urbanos. 

A criação de comunidades saudáveis e sustentáveis, que abordam de maneira consciente, realista e positiva o grande problema da saúde mental e do bem-estar coletivo do mundo moderno, pode propiciar o aparecimento de parcerias inovadoras. A coprodução e gestão ativa do desenho urbano fazem parte de um cenário que solidifica um sentimento integrado de comunidade, pertencimento e de significado dos espaços das nossas cidades.