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Coluna Dr. Clayton Camargos: “canetas para emagrecimento”

As “canetas para emagrecimento” estão em toda a parte. Em especial o Ozempic. A droga, cujo princípio ativo é a semaglutida, é um tratamento potente para a obesidade, e as celebridades e TikTokers a transformaram em uma sensação. Em apenas alguns meses, o medicamento foi rotulado como “revolucionário” e com o poder de alterar permanentemente as concepções da sociedade sobre gordura e magreza.

 

Certamente, a semaglutida pode ser considerada um pivô transformador: jamais na história da medicina um medicamento proporcionou, com tamanha segurança, uma redução de peso tão significativa em tantos indivíduos em um curto espaço de tempo.

 

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Foto: Reprodução

 

Produzida pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, atualmente a semaglutida domina o mercado de emagrecimento, porém seu reinado pode ser breve. A enorme demanda por esses medicamentos estimulou uma competição na indústria para desenvolver tratamentos ainda mais potentes.

 

Embora amplamente divulgada, a semaglutida é apenas o início, não o fim, de uma nova classe de fármacos para tratar a obesidade. A eficácia e a rapidez com que esses medicamentos agem serão estabelecidas no decorrer de um processo complexo. E, em um horizonte de longo prazo, poderá ser avaliado se essa revolução farmacoterapêutica, de fato, cumprirá sua promessa.

 

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Foto: Freepik

 

Em certo sentido, a semaglutida dificilmente representa um grande avanço na ciência. “Remédios dietéticos” não são novidade, e até mesmo a categoria a que pertencem, chamados de “agonistas de GLP-1”, já existe há vários anos. Essas drogas imitam o hormônio GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon) e se ligam ao seu receptor, desencadeando uma sensação de saciedade associada a ter acabado de comer e também retardando a liberação de comida do estômago. Além disso, aumentam a secreção do hormônio insulina, mantendo o açúcar no sangue sob controle. É por isso que o Ozempic ainda é considerado um medicamento para diabetes.

 

Esses fármacos evoluíram ao longo do tempo: uma injeção diária, cujo princípio ativo é a liraglutida e comercializada sob o nome Saxenda, foi aprovada pela ANVISA em 2020 para tratamento da obesidade. Na maioria dos casos, um indivíduo pode alcançar a redução de 5-10% do seu peso corporal total. No entanto, uma das razões pelas quais a semaglutida decolou de forma diferente da sua antecessora é que pode conquistar uma diminuição ponderal de até 20%.

 

No Brasil, a semaglutida para tratamento da obesidade foi aprovada pela ANVISA em janeiro deste ano. O Wegovy, também produzido pelo laboratório Novo Nordisk, não apresenta diferenças significativas em relação ao seu antecessor, o Ozempic, ambos contém semaglutida. A principal distinção é que o dispositivo do mais novo contém 2,4 mg, em comparação com os 1 mg do anterior. Lembrando que a agência local não aprovou a indicação do Ozempic para emagrecimento, sua utilização como recurso à redução ponderal ainda está off label. O Wegovy, por sua vez, não se encontra disponível no País, com previsão de lançamento no segundo semestre de 2023.

 

No entanto, nem todo mundo que toma esses medicamentos consegue atingir esse nível de emagrecimento. Mais de 60% das pessoas sob tratamento com semaglutida experimentam mudanças menores, em parte porque a droga não pode explicar os complexos fatores que envolvem a obesidade e que não estão relacionados exclusivamente à alimentação.

 

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Foto: Freepik

 

A próxima geração de medicamentos está buscando avançar ainda mais. O primeiro deles é o Mounjaro, a tirzapatida, um medicamento para diabetes da Eli Lilly, que deverá ser aprovado pela agência norte-americana Foods and Drugs Administration (FDA) para o tratamento da obesidade ainda este ano. Em um estudo, observou-se redução de peso corporal de até 20% em 57% das pessoas que receberam a dose mais alta da droga.

 

O nova-iorquino Wall Street Journal referiu-se à tirzapatida como o “King Kong” dos medicamentos para tratamento da obesidade. Os pacientes que tomam Mounjaro costumam emagrecer mais e com mais rapidez, além de apresentarem, em geral, uma “experiência melhor” em comparação aos tratados com semaglutida.

 

Esses saltos de potência estão ocorrendo no nível molecular. A semaglutida e a tirzapatida são incretinas que, assim como a primeira, imitam os efeitos do GLP-1, de outra parte, a segunda também afeta os receptores de outro hormônio, o GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose). Isso resulta em uma redução ainda maior de peso, atenuando o foco na alimentação e potencialmente aumentando a atividade de uma enzima de catabolismo do tecido adiposo. As chamadas drogas agonistas duplas oferecem uma mudança radical tanto na redução de peso quanto no controle da glicemia.

 

E por que parar em dois receptores quando tantos outros estão envolvidos com a regulação da fome?

 

Esta área está em rápida expansão em termos de pesquisa e testes de diferentes combinações hormonais. A Eli Lilly está atualmente desenvolvendo outra droga que tem como alvo três receptores; a Amgen, por sua vez, está trabalhando em uma droga que “pisa no freio” do receptor GIP e “pressiona o acelerador” do GLP-1. Várias outras empresas se juntaram à corrida para desenvolver a próxima grande droga contra a obesidade, incluindo Pfizer, Structure Therapeutics e Viking Therapeutics, que estão entre os favoritos.

 

A eficácia das drogas para redução de peso não é o único fator que irá determinar seu futuro. Embora as injeções de semaglutida e tirzapatida sejam toleráveis ​​à maioria das pessoas, são menos convenientes do que uma pílula. Criar versões orais não é tão simples quanto miniaturizar tudo em uma cápsula. A semaglutida via oral, o Rybelsus, que já é aprovado para tratamento do diabetes, é projetada para resistir à digestão no estômago e ser liberada no intestino delgado. Entretanto, exibe uma redução ponderal menos dramática do que seus parentes injetáveis. Isto não desanima os laboratórios, ao contrário, tudo leva a crer que até 2026 serão apresentadas atualizações em comprimidos com maior talento à promoção do emagrecimento.

 

A indústria farmacêutica provavelmente competirá para criar medicamentos com efeitos colaterais ainda menores. A Novo Nordisk observa que as manifestações gastrointestinais são comuns com a semaglutida, e relatos de náuseas, constipação e vômitos são frequentes. É importante destacar que tenderão a diminuir com o tratamento prolongado e poderão ser controladas sob supervisão especializada. No entanto, repercussões mais graves, como pancreatite, câncer de tireoide e insuficiência renal, também são possíveis, mas consideradas raras.

 

Um ponto importante para o tratamento com essas medicações: o alto custo e a não oferta pelo SUS.

 

Existe esperança de que o preço caia com mais concorrência. Mas não há garantia de que isso acontecerá: a competição normalmente torna um produto mais barato com o tempo, no entanto, as investigações mostram que nem sempre é o caso dos produtos farmacêuticos. Mesmo que os medicamentos fiquem mais baratos, eles podem não ficar baratos o suficiente para alcançar todo o público.

 

Independentemente de quanto os custos desses medicamentos possam diminuir, eles sempre aumentarão se as pessoas estiverem pagando do próprio bolso. São recursos que na sua maior parte serão consumidos a longo prazo, sobretudo, porque quando uma pessoa para de tomar abruptamente a semaglutida, o peso tende a voltar brevemente. A atual safra de medicamentos para redução de peso são essencialmente de manutenção, muitos assemelham-se à metformina, um fármaco prescrito para o tratamento do diabetes tipo II que é administrado diariamente.

 

Ao contrário dos medicamentos para tratamento da obesidade, a gratuidade da metformina é assegurada pelo programa Farmácia Popular do Sistema Único de Saúde (SUS). A menos que as “canetas para emagrecimento” recebam o mesmo tipo de cobertura, seu acesso não será possível para toda a população alvo.

 

Outro aspecto a ser considerado é que esses medicamentos podem ser comprados em farmácias sem a exigência de prescrição controlada. Apesar de ser indiscutível a importância da supervisão de um profissional de saúde no tratamento com essas drogas, a imposição de récipes pode não ser suficiente para evitar seu consumo indiscriminado. Ao contrário, é provável que essa medida incentive um comércio de consultas guiado exclusivamente à emissão de receituários, bem como contribua para existência de um mercado marginal à aquisição desse recurso.

 

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Foto: Unsplash

 

As canetas podem ser uma ferramenta útil no tratamento da obesidade, mas não representam uma solução milagrosa. O sucesso da intervenção dependerá de múltiplos fatores, incluindo a adesão do paciente a mudanças no estilo de vida, como uma alimentação saudável e a prática regular de exercícios físicos.

 

O sobrepeso e a obesidade constituem uma ordem plural que está para além do binômio atividade metabólica + ingestão calórica, e arrolam motores genéticos, ambientais, emocionais, comportamentais, educacionais, sociais e econômicos. Destarte, é importante que os pacientes coadjuvem os especialistas para deslindarem as melhores estratégias terapêuticas frente à singularização das suas demandas.

 

 

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