Theodora Zaccara Londres. Tradicional, vanguardista, **indescritível Londres**. Terra do chá da tarde e da música punk. Da monarquia e da rebeldia. Londres, **ainda podemos te chamar de Terra da Rainha?**
Sempre intensa, nunca tediosa, a semana de moda londrina tem como natureza o choque e o espanto, a moda com política, o comportamento e a individualidade. Magnífica e imperfeita, não falha em dar o que falar.
De olho no movimento, a coluna destaca **4 eventos**, dentro e fora das passarelas, responsáveis por colocar a edição de fevereiro 2023 no mapa.
**O emocionante tributo a Vivienne Westwood**
_”Eu continuarei levando Vivianne no meu coração. Nós trabalhamos juntos até o final e ela me ensinou como seguir em frente. **Obrigada, querida**”_. Foi com dor molhando os olhos e gratidão abraçando as palavras que **Andreas Kronthaler** conduziu seu discurso em homenagem a Vivienne Westwood. Em 2023, o casal que se conheceu em Viena comemoraria seu trigésimo aniversário de casamento, e numa manhã de névoa londrina, **o clima cinzento se fazia combinar**.
No finzinho de dezembro a moda perdeu um de seus nomes mais insubmissíveis: ela, que levou **o punk à passarela e crítica ao _catwalk_**. Vestindo as mais variadas eras **Westwood**, amigos, parceiros e familiares se encontraram na **Southwark Cathedral** para prestar suas homenagens à titã — as vésperas da primeira semana de moda que, escura como o céu da metrópole, **não veria o sorriso da estilista**. _“Conseguimos apenas encostar nas características do fenêmeno que é Vivienne Westwood: uma avó, uma mãe, uma irmã, uma amiga, uma professora, uma artista, uma designer — **nunca será o suficiente**”_, declarou a neta Cora Corré.
**Nick Cave** e **Chrissie Hynde** apresentaram versões tocantes de _Into My Arms_ e _Raining In My Heart_, respectivamente, e a banda **Arnfield Brass**, conterrânea da homenageada, ficou a cargo de iniciar e encerrar o louvor, que foi conduzido pelo **Reverendo Andrew Nunn**.
Por 90 minutos, nomes como **Kate Moss, Helena Bonham Carter** — uma das **maiores colecionadoras de VW do mundo**, concedeu uma declaração emocionada sobre seu amor pelas peças da casa —, **Anna Wintour, Lilly Collins, Victoria Beckham, Bianca Jagger** e **Alexa Chung** se dividiram entre lágrimas e risos, memórias doces e histórias aveludadas, contadas ambas por membros da família de Vivienne.
Ao irmão da ovacionada, **Gordon Swire**, coube apresentar um filme feito pelo próprio, com videos caseiros da infância de Westwood e imagens mais recentes da artista. Em um dos recortes, dizia: _“Moda: eu realmente amo fazê-la. É como se fosse uma tábua de salvação para mim. É recarregar minhas baterias. É **excitante**”_ — e é assim que a lembraremos, como **a mais excitante manifestação de moda que já cruzou Camden Street**.
**A aguardada estreia de Daniel Lee na Burberry**
Quando anunciada sua saída da hoje-badaladíssima **Bottega Veneta, Daniel Lee** pousou um ponto de interrogação sobre muitas cabeças da moda. **_“O que mais ele pode querer?”_**, afinal, foi em tempo-recorde que ressignificou uma grife de prima manufactura, salpicando-a com muito _hype_ sem apagar sua história. Menos _low profile_ mas ainda muitíssimo exclusiva, a marca criou um espaço no mercado que há muito não se via: **conseguiu, silenciosa, entrar na boca do povo. **
Causando muito barulho, entretanto, saiu da casa, caindo na direção da Burberry em setembro de 2022. Entre a algazarra criada por cochichos curiosos, a estreia na maison britânica tinha tudo para causar estouro. O que lançou-se à passarela, todavia, foi **uma estrondosa expressão de mudez**.
Inspirado pela origem inglesa que divide com a casa, Lee foi esperto em se apoiar nos **códigos britânicos do vestir**. _Trench coats_ não faltariam de modo algum, e o clássico xadrez da etiqueta se fez presente em aromas quase escoceses — kilts, estolas de _faux fur_ e grandes bolsas tira-colo passam uma mensagem positivamente _Coração Valente_ —. Tons de mostarda e beringela coloriram o menu, e uma pitada de street wear foi prontamente adicionada à receita. Em busca de um sabor que honrasse a tradição da grife enquanto deleitava o paladar jovem, Daniel lembrou-se de tudo: **mas esqueceu do sal**.
Num bloco específico do desfile, um tom de roxo azulado colocou analistas em questionamento: seria essa a tentativa de um novo [‘Verde Bottega’](https://gpslifetime.com.br/materia/de-millennial-pink-a-gen-z-green-porque-o-verde-e-a-cor-da-nova-geracao)?
Aquecidos por felpudos cobertores e bebidas servidas quentes, os presentes apreciaram de uma atmosfera aconchegante, criada dentro e fora de passarela para comunicar o inverno Burberry. A diversão ficou por isso mesmo, e a imaginação que sobrou na recepção dos convidados, faltou entre os looks que cruzaram o _catwalk_.
Com foco em peças funcionais, **Lee** honrou a verve punk muito incorporada por **Ricardo Tisci** com respingos de **um novo bom-humor**, cortesia das _prints_ de patinho e acessórios com formato do animal. Bateram ponto também os chapéus, bolsas e sapatos oversized que catapultaram Lee para a posição de ‘Rei Midas’ do desejo-fashion. **Teve luxo, mas faltou pompa. Teve humor, mas faltou graça**.
Com muita vontade de ‘ser grande’ e pouca personalidade para bancar **a promessa, a linha é uma versão ‘aguada’ dos sucessos Bottega**. Menos controversa, menos inovadora, menos.
Tradicional e respeitada, **Bottega era uma tela em branco**. Permanecia praticamente inalterada desde sua criação, com pouquíssimos sucessos mainstream (como esquecer a clutch trançada que era hit na década de 2010?) e um espaço enorme para mudança. Preservando a excelente artesania de seus ateliês, **Lee foi capaz de traduzir a linguagem tátil do luxo em itens de apelo instantâneo**, casando o melhor de dois mundos: **o _status_ perene de um acabamento perfeito e o brilho instantâneo da excitação**. Não havia uma expectativa esperando para ser superada. **Deu certo porque havia espaço para dar certo.**
Burberry, por outro lado, **é a somatória de um conjunto de interpretações**. Foram não menos que três diretores-criativos dando ordens na casa numa janela de apenas 5 anos, agregando suas respectivas visões e assinaturas, novo logotipo, novas padronagens… **existe um limite do quanto pode ser alterado dentro de uma empresa antes que ela perca sua identidade**, e é notável a preocupação dos executivos com tanta ‘dança das cadeiras’.
No _backstage_, não está distante da realidade conjecturar que as asas de Lee tenham sido ‘podadas’ para caber no molde Burberry, ou, ainda, que o designer tenha preferido pecar pela falta, testando as águas antes de cair de cabeça. De um modo ou de outro, cenas dos próximos capítulos são aguardadas. **Afinal, sempre existirá a próxima temporada**.
**O drama teatral de Dilara Findikoglu**
Se você cruzou por vídeos de um curioso vestido de faqueiro sendo desfilado pela LFW, pode não saber, mas cruzou com **Dilara Findìkoglu**: uma dessas preciosas gemas que brilham **‘abaixo do radar’**. Em apenas cinco coleções, a ex-aluna da celebrada Central Saint Martins trouxe um forte apelo **teatral** à semana de moda, misturando **palco e passarela**, dando palco ao **ativismo**.
De origem turco-britânica, a estilista tem muito de seu olhar voltado para as crises que perfuram o oeste asiático. **A violação dos direitos da mulher e a intolerância religiosa** no Irã eram os temas focais da coleção, mas em vista dos mais recentes eventos que avassalaram a **Turquia**, as pautas tiveram de dividir espaço com outra tragédia: **o letal terremoto que devastou a fronteira com a Síria**.
Arrasada, Dilara canalizou sua dor na apresentação de uma linha que **subverte o papel da mulher na sociedade**, encontrado nas variáveis ondas do feminismo mensagens para qualquer uma, e para todas.
A ditadura da modéstia sobre as quais vivem mulheres islâmicas e os objetificantes holofotes de Marilyn Monroe são ambos lados de uma mesma moeda, cuja única serventia é **pagar a conta do patriarcado**. Em cada extremo do espectro sexista, Findikoglu transforma em **performances artísticas** as injustiças vividas ontem e hoje, devolvendo a autonomia da sexualidade para a mulher e ressignificando pilares de gênero.
Renda, látex e transparências ‘jogam na cara’ o **fetichismo** que antes aprisionava, agora liberta. Inimiga da tirania do recato, fez do corpo feminino um **veículo de poder e independência**, transformando vítima em heroína e mágoa em força. Tudo, enquanto entregava um show de puro entretenimento e uma linha para lá de _trendy_.
**As noivas de Richard Quinn**
Em setembro de 2022, a semana de moda inglesa se arrastava com carácter frio: **Rainha Elizabeth II morreu no início do mesmo mês**. Menos de duas semanas após o triste adeus, **Richard Quinn** fez questão de homenagear a monarca presenteando-a com mais da metade de seu **Spring 2023**.
Vinte e dois dos 49 looks desfilados consistiam de fabulosas, mas fúnebres, indumentárias pretas. Em 2023, o sentimento de perda e abre espaço para o renascimento que sucede uma grande despedida: **a primavera que descongela o que foi petrificado pelo inverno**.
Em busca de uma estação rica em beleza, Quinn, que é conhecido por casar o sadomasoquismo e a hiper-feminilidade numa estética cheia de fascínio e contradição, deixou de lado sua infame ‘tara’ pelo látex para focar exclusivamente em seu lado gracioso. Com isso, uma coleção que alude à ‘era de ouro’ da alta-costura francesa dominou a passarela, embalada por acordes **English Chamber Orchestra** e por um soberano aroma de flores. Ao final do desfile, **16 vestidos de noiva** arrancaram lágrimas de uma plateia já extasiada pelo carácter grandioso da apresentação. Numa semana que começou entre lágrimas saudosas choradas por outra grande rainha, um lembrete de que a vida é bela é sempre bem-vindo.
