A falta de um arranjo social que permita conciliar interesses da sociedade com o de investidores, na questão da propriedade intelectual, é um dos principais problemas do País e pano de fundo para o protagonismo do Poder Judiciário. A avaliação é do advogado e professor José Eduardo Cardozo. Ex-advogado-geral da União, ex-ministro da Justiça e deputado federal por São Paulo entre 2003 e 2011, ele foi um dos palestrantes do painel “Presente e futuro da inovação: um olhar estratégico para a propriedade intelectual”, dentro do Seminário Lide sobre Propriedade Intelectual, organizado em Brasília pelo Lide Nacional, nesta quarta-feira (14).
“Eu acredito que boa parte dos nossos problemas tem relação com o hábito de defender nossas árvores e abandonarmos a defesa das florestas. Ou seja, olhamos nossos interesses mais imediatos, que muitas vezes são absolutamente legítimos, mas esquecemos que as árvores estão dentro das florestas e, às vezes, na defesa das árvores, podemos matar a floresta, o que levará à morte das árvores. É como vejo o problema da propriedade intelectual no Brasil”, exemplificou.
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Para Cardozo, as sociedades capitalistas têm a propriedade como mola propulsora e elevação produtiva. Mas há uma variável importante, na avaliação dele. “Hoje, nos estados democráticos de direito, muitas vezes somos defensores intransigentes da propriedade, e esquecemos da sua dimensão social. Outras vezes, esquecemos a situação do proprietário e optamos por uma situação de coletivização, o que prejudica a mola propulsora do sistema”, avaliou. Para ele, o equilíbrio e a boa dosagem dos dois pontos parece ser a chave da questão.
“Não há investimentos possíveis sem garantia dos direitos produtivos destes resultados. Eu vou investir hoje para amanhã obter retorno. Se eu não tiver, não invisto. Por outro lado, não seria legítimo que esta pessoa detivesse, o resto da vida, os resultados em proveito próprio e a sociedade não pudesse compartilhar disso. É nestes vetores que a questão da propriedade social se equilibra”, opinou. Para isso, é preciso oferecer segurança jurídica ao investidor, sem permitir que ele se aproprie infinitamente do resultado desta invenção, em detrimento da sociedade.
José Eduardo Cardozo também fez uma análise do papel atual dos Três Poderes. “O Congresso é uma caixa de ressonância da sociedade, não uma caixa de vanguarda. Se a sociedade não pactua, o Congresso tem dificuldade de pactuar. Se as pessoas estão olhando as árvores, o Congresso tem dificuldade em defender a floresta. Então, o Poder Executivo tem de tomar a dianteira. Mas consegue sem o Congresso? O que sobra? O Poder Judiciário, que tem de ver a floresta”, definiu.
“E aí surge a questão: quem controla o controlador? Frequentemente temos acusado, eu mesmo, com críticas, decisões judiciais, porque as achomuito vanguardistas, profundamente ativistas e as considero como desbordando os marcos do estado de direito. Agora, o que fizemos para que isto não acontecesse? Nós pedimos para que eles cuidassem da floresta e eles vão cuidar da forma que eles querem”.
Por fim, Cardozo pregou a busca de um equilíbrio, que permita ganhos para quem fez os investimentos e, ao mesmo tempo, não permita que a sociedade assista passivamente a um quadro perpétuo na propriedade intelectual. “Acho que falta maturidade, mas espero que venhamos a caminhar para isto. Enquanto não tivermos civilidade para olhar a floresta e ficarmos olhando as nossas árvores, delegaremos ao Poder Judiciário para fazê-lo. O resultado nem sempre nos agradará”, concluiu.