Quando o processo de número Recurso Extraordinário 635.659 começou a ser votado no Supremo Tribunal Federal (STF), o mundo vivia um boom de liberação de uso da maconha recreativa. Muitos países, em um movimento apoiado por empresas interessadas no crescente mercado consumidor de drogas, optaram por experimentar a liberação como forma de resolver problemas de segurança e impedir a chegada destas substâncias aos menores de idade.
Provavelmente movidos por esse movimento de 2015, três ministros do STF votaram a favor da legalização do porte de qualquer droga, ao analisarem um processo que seria, no mínimo, exótico: um presidiário de São Paulo que estava sendo julgado por ter sido pego portando maconha na cadeia.
Semana passada, a presidente do Supremo, Rosa Weber, trouxe o processo de novo à pauta, para ser votado pelos demais ministros. Oito anos depois, muita coisa aconteceu nos países que optaram pela liberação, que passam por duros aprendizados.
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O documento que melhor relata os problemas enfrentados por quem legalizou as drogas acaba de ser divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Annual Report 2022 – International Narcotis Control Board (INCB), de 9 de março de 2023.
O documento abre com a maior preocupação das Nações Unidas no momento atual: “o fato desta tendência de liberação entre um pequeno número de governos estar conduzindo a um consumo mais elevado, a efeitos negativos para a saúde e a perturbações psicóticas”.
O relatório anual do INCB também aponta outras tendências perigosas e que dificilmente o Brasil conseguiria conter: a legalização como fator determinante da diminuição da percepção de risco, principalmente entre os mais jovens.
“Nos Estados Unidos, foi demonstrado que adolescentes e jovens adultos consomem significativamente mais maconha em estados federais onde a droga foi legalizada em comparação com outros estados onde o uso recreativo permanece ilegal. Também há evidências de que a disponibilidade geral de produtos de cannabis legalizados diminui a percepção de risco e das consequências negativas envolvidas em seu uso. Novos produtos, como comestíveis ou produtos vaping comercializados em embalagens atraentes aumentaram a tendência. O INCB considera que isso contribuiu para a banalização dos impactos do uso de cannabis aos olhos do público, especialmente entre os jovens”, ressalta o relatório.
O documento também observa que “a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 classificou a cannabis como altamente viciante e suscetível de abuso, e que qualquer uso não médico ou não científico de cannabis viola a Convenção”.
Dentre as inúmeras questões relatadas pela ONU estão mais emergências médicas e acidentes de trânsito em estados onde o uso de maconha é legal, expansão dos lobbies da indústria da cannabis para a legalização e prejuízo do acesso para quem precisa do uso de substâncias controladas para fins medicinais.
O relatório do INCB alerta ainda sobre aumento de produção e tráfico ilícito de cocaína. “Maiores quantidades de cocaína com altos níveis de pureza tornaram-se disponíveis a preços mais baratos devido a um aumento na produção e tráfico de cocaína. Isso está ligado à mudança da atividade criminosa em locais onde a planta de coca é cultivada. Além disso, as organizações de tráfico estão transferindo o processamento de cocaína para a Europa, que responde por seis dos 15 laboratórios de processamento de cocaína descobertos globalmente”.
Diante deste relatório, e de alguns outros documentos emitidos por órgãos de segurança e de saúde dos locais que legalizaram, evidenciando a dificuldade de países desenvolvidos em lidar com a droga legalizada, há especialistas que perguntam se o julgamento em curso no STF não deveria levar em consideração a realidade brasileira.